A Medicina Aplicada
Por: Daniel Kostyuk • 4/5/2023 • Trabalho acadêmico • 1.626 Palavras (7 Páginas) • 80 Visualizações
Exercício de classificação de orações
Alguma feições persistentes da personalidade cultural portuguesa
(1) Partimos da hipótese de que uma cultura nacional tem uma certa identidade e uma certa permanência no tempo, qualquer que seja a razão disso.
(2) Só são possíveis esta hipótese ou a contrária, isto é: que não há particularidades nacionais, ou que todas as nações oferecem as mesmas características. Esta segunda hipótese aparece imediatamente como falsa a qualquer pessoa que tenha viajado fora do seu país, ou que tenha aprendido línguas, ou que conheça minimamento o comportamento de vários países ao longo da história.
(3) Não nos deteremos, porque aqui não é lugar para isso, em procurar uma teoria que explique as particularidades nacionais. As razões podem ser intrínsecas ou extrínsecas, históricas, geográficas, económicas, culturais ou espirituais; da combinação destes fatores e de outros resulta um número praticamente infinito de efeitos. Deve ser possível classificá-los num certo número de tipos dentro de critérios variados, mas não conhecemos uma tipologia universalmente aceitável.
(4) Reconhecemos que ao tentar caracterizar individualmente uma nação entramos num género de problemas para o qual não há método científico estabelecido, e que por isso é aqui grande o risco de impressionismo arbitrário, dos estereótipos e das generalizações sem fundamento, de que aliás há vários exemplos. [...]
(5) Um perigo inevitável é o subjetivismo, porque para definir os caráteres específicos de uma nação é indispensável compará-la com outras; ora esta comparação só é possível quando conhecemos outras nações tão bem e tão interiormente como a nossa, o que raramente acontece. Normalmente uma pessoa nasce e cria-se dentro de uma cultura nacional, e é a partir dela que aprende, já numa outra fase do seu próprio desenvolvimento, as culturas alheias. Por isso a cutura própria e as alheias não são comparáveis; a relação de uma e das outras com a nossa subjetividade pessoal é diferente.
(6) Todavia, o estudo de uma cultura nacional em que se omita as características específicas do povo que a produziu parece um trabalho sem sentido, visto que é o próprio sujeito dela que fica em claro. Teremos de procurar conhecê-las, embora de uma maneira imperfeita e provisória. Para diminuir os perigos do subjetivismo – já que não é possível evitá-los completamente – procuraremos fundamentar-nos em certos em certos índices relativamente consistentes. São eles: os factos averiguados na nossa história que nos permitam traçar uma figura que ao longo deles se manifeste com certa persistência; a língua, em que se manifesta sempre um espírito próprio sob variadas formas, nem sempre apreensíveis; certas instituições e tendências sociais também averiguadas; as observações de estrangeiros a nosso respeito, e as de Portugueses relativamente a países estrangeiros onde estiveram; documentos de contrastes de costumes e mentalidades; a literatura e as artes, onde se exprimem sonhos e tendências subjetivas, que nem sempre chegam a ter expressão material e social. É sobre tais índices que procuraremos fundamentar o que dissermos sobre as feições da figura da nação portuguesa, que na medida do possível gostaríamos de retratar. [...]
(7) Poderíamos dizer que Portugal, culturalmente, é um país monolítico no sentido de que não se podem separar nele blocos de composição diferente, embora os grãos sejam muito variados. A coexistência da nação nunca perigou por oposições das regiões entre si. Já no tempo de Fernão Lopes se dizia que para onde vai Lisboa vai todo o reino. [...]
(8) A consciência nacional formou-se por oposição a dois inimigos fronteiriços: os Mouros e Castela. A primeira termina pouco mais de um século a seguir à fundação do reino, mas deixou uma raiz funda que vem outra vez à superfície em 1415, com a conquista de Ceuta, originando uma guerra de quase dois séculos em Marrocos. (...).
(9) Quanto à oposição em relação a Castela, é já visível nos primeiros anos de nacionalidade e intensifica-se no século XIV com as invasões castelhanas e permanece desde então. (...). Alguns autores, para quem a independência do País nas condições geográficas e culturais da Ibéria se afigura enigmática, procuraram explicar a independência portuguesa pela existência de um império com sede em Lisboa, desde o século XV; mas é mais lógica a suposição inversa: o império é que é a consequência da independência. [...]
(10) Como já notou Oliveira Martins [a independência] trata-se de um ato de vontade, que as circunstâncias dificilmente justificam. Da perduração da independência resulta uma situação, não só política, mas também cultural e psicológica que se tem mantido e aprofundado ao longo dos séculos. [...]
(11) Uma delas é um certo sentimento de isolamento, porque, entre a Europa e Portugal, Castela tem funcionado como um deserto isolador, mais do que como espaço de ressonância e comunicação. Portugal é um oásis ou uma ilha, conforme o ponto de vista, porque de um lado o rodeia o deserto, do outro o mar. E a gente aqui prisioneira adquiriu um complexo de ilhéu, oscilando entre a aventura fora e a passividade dentro, ou ainda vivendo a aventura pela imaginação, sem sair do mesmo lugar. [...]
(12) Exemplo recente disso é a oscilação pendular entre o «orgulhosamente sós» e o «a Europa connosco» (este último revela claramente que a Europa é sentida como exterior). Daqui também a atitude quanto ao «estrangeirado», atitude misturada de admiração e de repulsa, acompanhada sempre de inveja mais ou menos secreta.
(13) Claro que nesta situação o português avalia de maneira pouco realista as suas verdadeiras possibilidades no conjunto das nações: ora se inferioriza, considerando-se ínfimo, sem poder e sem cultura própria, refugiando-se numa auto-ironia perfurante, como a de Eça de Queirós, ou numa autocrítica flageradora da sua própria história, como em Oliveira Martins; ora incha o peito para desafiar o mundo ou para o conduzir, uma vezes como verdadeiro apóstolo da cristandade, outras como um autêntico representante do Ocidente, outras ainda como portador do «socialismo português», esperança do mundo.
(14) O messianismo, filosofia de exilados e de infelizes, mas também afirmação de forte personalidade espiritual, tem-se revelado uma das persistentes expressões do espírito português, desde Os Lusíadas até ao «25 de Abril» inclusive, assumindo várias formas, uma das quais foi o sebastianismo propriamente dito. Deu lugar à crença de que Portugal é uma nação escolhida por Deus, crença que se exprime no mito do milagre de Ourique, sentimento messiânico que é comum a Portugueses e Israelitas, e também à teologia do reino consumado de Cristo na Terra, elaborada pelo Padre António Vieira. O sebastianismo ocultista de Fernando Pessoa é uma nova versão do destino providencial de Portugal.
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