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Cidade de Deus: Marginalização e Exclusão da População Negra

Por:   •  19/12/2021  •  Resenha  •  2.655 Palavras (11 Páginas)  •  328 Visualizações

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Cidade de Deus: marginalização e exclusão da população negra

Neste trabalho será analisada a obra cinematográfica “Cidade de Deus” dirigida por Fernando Meirelles e lançada em agosto de 2002. Filme que marcou o cinema brasileiro, sendo reconhecido internacionalmente, não apenas pela riqueza presente nos aspectos técnicos e visuais, mas também pela mensagem social que transmite. A escolha do longa se deve, principalmente, pela sua consonância com a realidade de diversas comunidades do Brasil e a reflexão que conduz ao público em relação às várias manifestações da violência e sua reverberação.

Proponho realizar um estudo no campo social. Apresentando uma discussão sobre a organização da população negra frente ao abandono sócio-político do Estado nas favelas. Trago o filme para análise, tratando-se especificamente da comunidade Cidade de Deus no Rio de Janeiro, entretanto, as reflexões propostas nesse estudo podem ser aplicadas em diversas favelas brasileiras inseridas nesse mesmo contexto de miséria, violência e desamparo.

Para a efetuação dessa proposta, busco me apoiar a partir dos livros “A integração dos negros na sociedade de classes” de Florestan Fernandes e “Sociedade da Esquina” de William Foote Whyte. Ambas as obras, apesar da diferença contextual da abordagem discutida, perpassam sobre a organização social de grupos excluídos. Procuro correlacionar as considerações e raciocínios trazidos pelas obras literárias com a narrativa de “Cidade de Deus”, apontando aspectos similares e buscando compreender alguma das problemáticas sociais vividas pelas populações que residem as favelas.

Florestan Fernandes na sua obra “A integração dos negros na sociedade de classes” disserta sobre como a inserção da população negra na sociedade paulista não ocorreu de maneira plena, permanecendo como grupo excluído. Nesse sentido, após a proclamação da Lei Áurea que decretou a abolição da escravidão, a nova população liberta encontrava-se em um cenário de desamparo. Tendo em vista que só experimentaram o trabalho escravo, como iriam se integrar em uma sociedade livre? Somando-se a essa falta de assistência e conhecimento sobre a nova situação, a vinda de imigrantes, em destaque para os italianos, agravava essa circunstância caótica, levando em conta que já possuíam contato com o sistema de trabalho livre e substituíram gradualmente a antiga mão-de-obra escrava.

Em outras palavras, a população negra se tornara livre, mas não participava efetivamente da sociedade livre. Por consequência, uma vez que não integrado inteiramente ao sistema econômico vigente, esse grupo populacional busca por alternativas de sobrevivência por meio de trabalhos precários, o uso do corpo como forma de renda e a criminalidade. A situação de São Paulo estudada no livro pode ser aplicada em todo território brasileiro, sendo uma metonímia da realidade do país. Tal marginalização ocorreu tanto no âmbito social, ao pensar no preconceito e no afunilamento de oportunidades de vida que a população negra sofreu e sofre, quanto físico/geográfico quando se é levado em consideração a formação de favelas e comunidades ao redor dos centros urbanos brasileiros. É nesse cenário de que surge lugares como “Cidade de Deus”, plano de fundo e protagonista do filme em análise.

Antes de estudar sobre a narrativa do longa e suas implicações, é preciso ter conhecimento sobre a história do cenário no qual a trama decorre. Cidade de Deus é um bairro do Rio Janeiro construído nos anos 60 com a intenção de ser um local de núcleos habitacionais para abrigar populações carentes em sua maioria formada por pessoas negras, vinda de favelas com habitações com risco de desmoronamento ou que sofreram com inundações e, até mesmo, famílias sem teto. Um lugar que para muitos seria um sinônimo de esperança, torna-se símbolo do descaso estatal, marcado pela ausência de condições básicas como água, luz e asfalto. Sendo assim, essa população marginalizada se encontra vulnerável à presença e atuação do chamado crime organizado que ocupa o espaço vazio deixado pelo Estado.

O filme é narrado sob a perspectiva de Buscapé que regressa ao passado na sua infância, durante a chegada de muitas famílias à Cidade de Deus. Nesse contexto, já marcado pela violência e negligência estatal, é apresentado o chamado “Trio ternura”, um grupo de três jovens que praticavam assaltos e movimentavam a economia do local. Após a realização de um assalto a um motel, o destino desses personagens seguiu cursos diferentes e o enfoque da história se volta para os demais personagens que tiveram suas vidas marcadas por esse delito, como Dadinho que, mesmo criança, ajudou o trio na realização do crime.

Apesar da diferença temporal do contexto trabalhado na obra de Florestan Fernandes e do contexto do filme, ambos retratam uma mesma problemática que, infelizmente, permeia, até mesmo, a atualidade: a exclusão dos negros. Assim como é retratado nessa passagem da obra literária “A mudança de “estado social” não trouxera consigo a “redenção da raça negra” e os negros e mulatos custaram a perceber isso. Eles haviam sido expropriados de sua condição de dependentes e, submissos, recebido o peso de seu destino, mas não os meios para lidar com essa realidade. Sua única direção foi a marginalização, diante do desamparo real. Incorporar-se à escória do operariado urbano ou procurar no “‘ócio dissimulado’, na ‘vagabundagem sistemática’ ou na ‘criminalidade fortuita’ meios para salvar as aparências e a dignidade do homem livre.”

Baseando em suas recordações, Buscapé revive momentos do seu passado para construir o presente e a identidade dos personagens principais. O público toma conhecimento sobre a própria trajetória de Buscapé ,marcada pela luta contra o contexto de violência e criminalidade em que se encontra por meio da busca por estudos e emprego, Bené , o traficante compassivo e querido por todos, e Zé Pequeno, antes conhecido como Dadinho, líder do tráfico.

A vida na Cidade de Deus é marcada desde de o início de sua existência pelo abandono sócio-político. Por esse lado, a figura do Estado na garantia de condições básicas de vida é substituída pela organização do tráfico vigente na região, sendo assim, a ordem na favela é criada e estabelecida pelo grupo de traficantes e seus aliados, que instituem padrões de conduta e convivência do qual todos os moradores estão submetidos. Em consonância com o crescimento do tráfico, é possível observar mudanças consideráveis no cenário de fundo da trama quando comparado a primeira parte do filme nos anos 60 com a segunda já na década de 80. É notável a melhoria nas residências, a existência de espaços de lazer e consolidação de uma falsa ideia de paz como retratado em uma passagem do longa em que Buscapé afirma que a vida no morro era tranquila, porque Zé pequeno matava todos os seus rivais, então, não havia conflito.

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