Interpretação de texto na arquitetura
Por: Cleber Almeida • 30/1/2017 • Pesquisas Acadêmicas • 574 Palavras (3 Páginas) • 606 Visualizações
Este texto apresenta múltiplas possibilidades de leitura. Vamos nos ater a uma e analisar a coerência do texto. No início, o narrador faz alusão a um episódio relatado no capítulo anterior, em que D. Eusébia e a filha sentiram temor de uma borboleta negra, por causa da superstição segundo a qual as borboletas pretas causam azar. O narrador, com ar superior, ri do medo das senhoras. Observemos os estados de alma do narrador diante do inseto: no princípio, indiferença; em seguida, ao constatar nela um certo ar escarninho, aborrecimento. Este sentimento não o leva a nenhuma ação, mas a um dar de ombros. Ao voltar, porém, sente irritação (repelão dos nervos) e bate na borboleta com a toalha. Observe a gradação coerente dos estados de alma: indiferença, aborrecimento e irritação. Não há, no texto, uma cólera intempestiva e imotivada. Ao ver que a borboleta caíra, sente piedade acompanhada de culpa, por ter extravasado sua raiva de maneira desmedida. O encadeamento é coerente, pois realizada uma ação drástica para aplacar a raiva, pode sobrevir um movimento de culpa e de dó. Ao ver que a borboleta morrera, sente-se aborrecido e incomodado. Todas as figuras da primeira parte remetem ao tema da fragilidade da borboleta (impotente para reagir diante do mais forte) e também ao tema da prepotência do narrador. A questão "Também por que diabo não era ela azul?" é profunda e consoladora porque indica que sempre o mais forte, mediante qualquer razão inventada, atribui ao mais fraco a responsabilidade por suas ações racionalizando, assim, sua prepotência. Na medida em que o narrador se reconcilia consigo mesmo, permite-se a simpatia do vencedor e começa a refazer, de um ponto de vista positivo, a história do vencido, atribuindo-lhe intenções e sentimentos:
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llicoberta do ser colossal e com ar divino; atribuição a ele da onipoincia (criador das borboletas); medo do ser poderoso que o induz
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prestar-lhe homenagens; pedido de clemência ao pai. Observe que os enunciados narrativos da primeira parte são reescritos e reinter-piciados:
• "depois de esvoaçar muito em torno de mim" — "descreve infinitas voltas em torno do meu corpo";• "pousou-me na testa" — "beijou-me na testa";• "veio parar em cima de um velho retrato de meu pai" — "voou a pedir-lhe misericórdia". A mudança de atitude do narrador não é gratuita, porque vem acompanhada de uma transformação de estado de alma, que causaa modificação de seu ponto de vista. Mas o poder é o poder. Nada consegue sobrepor-se ao poder,figurativizado pela "toalha de linho". O ser dominado não tem poder porque é dominado e não porque tem esta ou aquela característica: a borboleta sofre a dominação porque é borboleta e não porque seja azul, laranja ou negra. O dominante dispõe sempre do dominado. Essa reflexão cínica de que o mundo é assim mesmo resti-tui ao narrador o consolo que ele perdera, ao olhar com simpatia eculpa o dominado e ao pensar que ele desejara apenas prestar-lhe homenagens. As formigas limpam o resto incômodo da borboleta...O narrador volta à primeira idéia: quando se é dominado, melhorter ao menos beleza, pois esta pode suavizar a dominação.O texto mostra, por meio da história escrita, que a dominaçãoabrange vários níveis, pois até a história do dominado é reinterpreta-da à luz da conveniência do dominante. Isso é manifestado pormeio de uma coerência exemplar.Não há estados de alma que surgem inexplicavelmente, mas todos eles seguem os percursos de intensificação e distensão; todas asfiguras concorrem coerentemente para manifestar os temas expressos pelo texto.
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