O COURO E O CALÇADO
Por: Márcio Sander • 12/7/2022 • Tese • 3.140 Palavras (13 Páginas) • 94 Visualizações
2 O COURO E O CALÇADO
INTRODUÇÃO
Este capítulo descreve a Cadeia Produtiva do Calçado de Couro que é uma pesquisa publicada por: FENSTERSEIFER, Jaime Evaldo. O Complexo Calçadista em Perspectiva: Tecnologia e Competitividade. Editora tchê!, 1993, que pretende expor alguns critérios importantes para a realização e enriquecimento do projeto de pesquisa.
2.1 ANÁLISE DA CADEIA PRODUTIVA DO CALÇADO DE COURO
A cadeia produtiva pode ser entendida como a rede de inter-relações entre os vários atores de um sistema industrial, que permite a identificação do fluxo de bens e serviços através dos setores diretamente envolvidos, desde as fontes de matéria-prima até o consumidor final do produto objeto da análise. No caso do calçado de couro, a cadeia produtiva tem início na pecuária, passando pelos abatedouros, curtumes, fábricas de calçados e distribuidores, indo até o consumidor final do calçado. A noção de cadeia produtiva representa uma forma útil de descrever um sistema produtivo de maneira a servir de base para a análise estratégica. Ela constitui uma etapa importante do planejamento estratégico de urna empresa calçadista, pois permite à mesma situar-se no contexto da cadeia da qual faz parte, bem como analisar o posicionamento estratégico dos demais atores da cadeia. É importante também para a definição de políticas para o setor bem corno de estratégias de articulação da cadeia produtiva.
A utilização da noção de cadeia produtiva como ferramenta de apoio à análise estratégica deve-se à possibilidade que se abre de analisar não só o setor principal de interesse (a indústria calçadista de couro) e suas relações para a frente e para trás dentro da cadeia produtiva, mas também suas relações com industrias ou atividades pertencentes a outras cadeias produtivas com as quais a cadeia do calçado de couro interage (chamadas cadeias tecnologicamente ligadas), como é o caso dos fornecedores de equipamentos, componentes, insumos e serviços. A análise aqui apresentada privilegia a variável tecnologia, discutindo, sempre que pertinente, o impacto das inovações tecnológicas na cadeia.
A montagem e análise da cadeia produtiva do calçado de couro foi feita a partir de visitas e entrevistas com fabricantes de calçados de couro, de vários portes e atendendo diferentes mercados, curtumes, fábricas de equipamentos, fornecedores de insumos químicos, agentes de importação e de exportação e companhias de exportação. Foram entrevistados ainda vários experts do setor coureiro-calçadista bem como representantes do Centro Tecnológico do Couro, Calçados e Afins (CTCCA), Associação Brasileira da Indústria de Calçados (ABICALÇADOS), Associação Brasileira dos Exportadores de Calçados e Afins (ABAEX) e Associação Comercial e Industrial de Novo Hamburgo (ACI-NH). (FENSTERSEIFER, Jaime Evaldo. O Complexo Calçadista em Perspectiva: Tecnologia e Competitividade. Editora tchê!, 1993)
2.1.1 Análise das Atividades á Montante da Indústria de Calçados de Couro: Pecuária, Abatedouros e Curtumes
A análise das atividades a montante da indústria de calçados de couro privilegiará os curtumes, por serem estes os fornecedores diretos do principal insumo da industria calçadista de couro. Referências aos estágios a montante dos curtumes serão feitas quando necessário para melhor compreender os problemas associados à sua matéria-prima, o couro cru.
O setor de curtumes do Rio Grande do Sul é competitivo, com aproximadamente 400 empresas no Brasil, nos mais variados estágios de produção (com 130 delas localizadas no Vale do Rio dos Sinos). A competição entre eles se dá basicamente por preço, principalmente no que diz respeito aos estágios iniciais, onde a possibilidade de diferenciação é menor. O segmento mais rentável é o de couro para calçados de segurança, estofados e vestuário. Contudo, esse mercado exige maiores investimentos em equipamentos e treinamento para alcançar o nível de qualidade exigido. (FENSTERSEIFER, Jaime Evaldo. O Complexo Calçadista em Perspectiva: Tecnologia e Competitividade. Editora tchê!, 1993)
O investimento em equipamento constitui uma barreira a novos entrantes, a qual nos últimos anos tem sido reforçada pela necessidade de investimentos em tratamento de efluentes. Como os curtumes usam muitos insumos químicos de alta toxidez e potencial poluidor (cromo, adesivos. tintas, solventes, vernizes. etc.) no seu processo produtivo, eles são vistos como tradicionais poluidores e sofrem pressão para a montagem de estações de tratamento, o que onera seus custos. Contudo, existindo capital para os investimentos necessários, o setor não apresenta barreiras tecnológicas à entrada de novos competidores, principalmente nos estágios iniciais menos elaborados e que suportam pessoal desqualificado.
A maior parte das inovações, principalmente de processo. surge do setor químico e de equipamentos. Nesse sentido, a utilização do couro vegetal, que utiliza curtentes de origem vegetal, menos poluentes, pode constituir um ponto de diferenciação não só do couro mas também do calçado a ser exportado, utilizando-se de seu apelo ecológico. A maioria das em presas não investe em P&D, seja de produto ou de processo. As inovações internas, quando ocorrem, são resultados principalmente do espírito “de curioso” dos empregados.
Do ponto de vista gerencial, pode-se identificar alguns pontos fracos na estrutura dos curtumes, provavelmente decorrentes da estrutura familiar predominante e do baixo nível de profissionalização da direção das empresas:
- A ausência de planejamento estratégico e, conseqüentemente, da definição da missão e dos objetivos da empresa a médio e longo prazos.
- A falta de preocupação com a avaliação das oportunidades de mercado, seja interno ou externo.
- A ausência de uma política de pessoal para os empregados, principalmente quanto ao treinamento. Conforme o funcionário vai se destacando, ele vai subindo. Não há preocupação com o treinamento formal para a nova função.
- A ausência de uma estrutura adequada de planejamento da produção a curto e médio prazos.
- Baixo nível de investimento em P&D, visando uiva maior diferenciação do produto ofertado e redução nos custos de produção. O “como” produzir é ditado pela tecnologia química existente, pelo tipo de couro e pelo equipamento. Praticamente não há parceria com os fornecedores visando um trabalho conjunto para aumentar o número de inovações e melhorar a eficiência coletiva.
- Baixa articulação do setor, tanto internamente, como externamente, dentro da cadeia produtiva do calçado de couro e junto aos órgãos dirigentes do país.
(FENSTERSEIFER, Jaime Evaldo. O Complexo Calçadista em Perspectiva: Tecnologia e Competitividade. Editora tchê!, 1993)
A influência dos curtumes na competitividade dos fabricantes de calçados de couro centra-se nos seguintes aspectos:
- A qualidade da matéria-prima couro. A baixa qualidade da matéria-prima ocasiona um couro mais caro, devido às perdas e aos gastos extras no acabamento. bem como obriga a importação. A responsabilidade pela baixa qualidade do couro ofertado não é apenas dos curtumes, mas principalmente das fases a montante (pecuária e abate). Os problemas são por demais conhecidos no setor: parasitas (bernes, carrapatos, bicheiras), marcação a fogo, arames farpados e mans tratos causam 60% dos defeitos apresentados pelo couro; os demais 40% advêm de deficiências no transporte do gado e na esfola e da má conservação e salga do couro (Bastos e Prochnik, 1990). Há a necessidade do desenvolvimento de um programa de conscientização em todos os níveis, principalmente junto aos pecuaristas e frigoríficos, mostrando o quanto se deixa de ganhar em virtude da má qualidade da matéria-prima couro.
- O custo da matéria-prima couro. O alto custo do couro (tem aumentado significativamente acima da inflação) reduz a competitividade da indústria calçadista no mercado externo, podendo inviabilizar o setor de curtumes do Vale do Sinos (uso da importação de couro por parte dos calçadistas), bem corno ode calçados de baixo e médio custo, que dependem do preço da matéria-prima para conseguir exportar o seu produto.
- Diversidade da oferta de couro. A taxa de inovação de produto nas fábricas de calçados depende em grande parte dos curtumes, visto que estes podem restringir ou facilitar o lançamento de novas linhas ou modelos, a partir da disponibilidade na variedade e qualidade do couro. A falta de urna estrutura que privilegie a diferenciação do couro ofertado faz com que os fabricantes de calçados tenham disponibilidade de um menor número de designs diferenciados em relação aos seus concorrentes, principalmente no mercado externo. Embora as Seções de Acabamento (empresas independentes que real iam o acabamento do couro a partir do couro semi-acabado) tenham contribuído para aumentar a flexibilidade de definição do couro para atender mudanças nos modelos e linhas de calçados, elas pouco contribuíram para aumentar a diversidade de couro disponível no mercado.
- Estabilidade na oferta do couro. O fluxo inconstante da matéria-prima, principalmente para os pequenos fabricantes de calçados e para os fabricantes se exigem grande variedade de couros, faz com que as fábricas de calçados se vêem obrigadas a estocar grandes quantidades de couro semi-acabado, utilizando posteriormente as seções de acabamento. (FENSTERSEIFER, Jaime Evaldo. O Complexo Calçadista em Perspectiva: Tecnologia e Competitividade. Editora tchê!, 1993)
Em geral, pode-se dizer que o relacionamento entre curtumes e fábricas de calçados é do tipo competitivo, caracterizando-se pela falta de parceria. Para uma análise mais aprofundada da estrutura competitiva da indústria de curtumes e da relação curtume-indústria calçadista ver Luce, Fensterseifer e Hexsel (1986).
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