A FILIAÇÃO SÓCIO-AFETIVA NO DIREITO BRASILEIRO E A IMPOSSIBILIDADE
Por: pathaydefilho • 10/3/2016 • Resenha • 1.487 Palavras (6 Páginas) • 481 Visualizações
Resumo do Texto: A filiação sócio-afetiva no direito brasileiro e a impossibilidade de sua desconstituição posterior (ALBUQUERQUE, Roberto Paulino Júnior)
Hodiernamente, o Direito de Família transcendeu a concepção clássica de filiação por descendência biológica, na qual a herança genética era o principal fator que unia pais e filhos em uma unidade familiar. Assim, não causa nenhuma espécie se falar em filiação sócio-afetiva na família contemporânea.
Admite-se, portanto, que a relação jurídica existente entre pais e filhos possui componentes muito mais complexos e amplos que a cópula entre os genitores.
No entanto, trazer novos moldes ao direito de família com arrimo na concepção de sócio-afetividade traz consigo não a novos problemas a cuja solução tem de se dedicar a doutrina moderna. Por exemplo: se a afetividade e a convivência, como são elementos essencialmente fáticos, são fatores determinantes do parentesco, é natural cogitar da possibilidade de seu desaparecimento a posteriori pelo fim da coabitação e dos laços afetivos.
Com efeito, é imperioso que a ciência jurídica delimite os efeitos dessas situações fáticas, sob pena de gerar, como dito no exemplo supra, a cessação de obrigações paternas concomitantemente ao fim da afetividade entre os membros da família.
Aprofundando o tema, o artigo em tela chamo à atenção para o fato de que o parentesco decorrente do parto é algo oriundo do Direito Civil tradicional, o qual conta com o auxílio da ciência para identificar as semelhanças genéticas (mediante testes de DNA) e, por conseguinte, apresentar uma solução mais simples ao problema. Na Roma Antiga, vale dizer, se admitia o parentesco entre dois indivíduos quando ambos cultuavam os mesmos antepassados (desde que estes não fossem mulheres). Demais disso, é de bom alvitre destacar que os antigos já contavam com os institutos da emancipação e da adoção, realçando assim sua concepção de que o parentesco estava fora do paradigma biológico.
Foi só com o advento da República que os laços baseados na consangüinidade passaram a coexistir com o sócio-afetivo. Assim, de um lado se tinha a agnação, parentesco fundado na autoridade formal do pater familias, e, de outro, a cognação, calcada nos laços biológicos e que permitia, inclusive, a vinculação por ancestralidade feminina.
No Direito Pós-Clássico, as Institutas de Justiniano reproduziram, com clareza, a duplicidade de fundamentos da filiação.
Já na Idade Média, sob influência da Igreja Católica, o Estado adota o critério da legitimidade, ou seja, só seria legítimo é o filho nascido na constância do casamento, excluindo-se os bastardos da relação jurídica de parentesco. E foi sob forte influência do Direito medievo que o Brasil, inicialmente, adotou a concepção de filiação marcada por classificações de legitimidade e laços sangüíneos, colocando-se a adoção em segundo plano.
Daí, portanto, a classificação de parentesco tradicional tripartida: 1) consangüíneo, quando fundado em laço de sangue; 2) afim, quando formado entre um indivíduo e a família de outro; e 3) meramente civil, quando emanado da adoção. Os filhos ilegítimos, por sua vez, também eram subdividos em naturais (quando os pais não eram casados, mas não tinham nenhum impedimento na época da concepção), e espúrios (filhos sacrílegos, adulterinos e incestuosos).
E foi com esse quadro, excluindo-se os filhos sacrílegos, que o Código Civil de 1916 foi concebido.
Essa divisão depreciativa só veio a ser sanada com a Carta Magna de 1988, a qual, no seu artigo 227, § 6º, vetou quaisquer designações discriminatórios de filiação e concedeu a todos os descendentes os mesmos direitos. Assim, restaram consolidas as formas de filiação pautadas na origem biológica e na sócio-afetividade.
Verifica-se, portanto, que ao longo dos anos que o instituto da filiação sofreu sérias transformações até desembocar no paradigma biológico. Trata-se de uma tendência por várias vezes verificada na história de se sobrepor as leis da natureza à cultura de um povo.
Esse paradigma biológico só passou a ser revisto quando a doutrina voltou seus olhos para outros fundamentos, desta vez de ordem cultural, da filiação, quais sejam a convivência e a afetividade. Reconheceu-se assim que nem sempre o ascendente puramente genético exercita verdadeiramente a paternidade, sendo mais relevante para a configuração do vínculo paterno a existência de laços afetivos recíprocos com a criança e a participação no desempenho das atividades de educação e o cuidado com a mesma.
Assim, com a formação dessa nova concepção de parentalidade com contornos jurídicos claros, a sócio-afetividade nasceu como paradigma da filiação aceito e aplicado na dogmática civilista.
Entrementes, é imperioso destacar que o reconhecimento concomitante de dois paradigmas gera um tema deveras importante: os papeis exercidos pelos pais biológicos e sócio-afetivos. Enquanto aquele que gerou deve ser responsabilizado civilmente desde o nascimento da criança, ou desde que foi identificado o parentesco biológico, o ascendente sócio-afetivo exerce efetivamente exerce a paternidade, em todo o seu complexo de direitos, deveres e diversas relações intersubjetivas.
Não obstante se verificasse uma patente evolução no conceito de sócio-afetividade, este paradigma da parentalidade viria a sofrer um sério abalo pelo avanço científico nas últimas décadas do século XX, no qual se destaca o exame de DNA como uma forma bastante precisa de se determinar o vínculo biológico entre os indivíduos. Com efeito, criou-se uma tendência de se optar pela solução mais fácil: a de determinar o parentesco pela herança genética, prescindindo-se outros elementos culturais e afetivos que, muitas vezes, ligam com laços mais fortes e estreitos pais e filhos.
Dentre esses sinais de retrocesso, o autor menciona a súmula 301 do STJ de 2004, na qual se cria uma presunção juris tantum de paternidade quando pais se nega a realizar o retromencionado exame de DNA.
No entanto, em que pese a forma da súmula em destaque, esse pensamento já se encontra em franca superação, voltando a doutrina e as cortes pátrias a sedimentarem entendimentos em prol da sócio-afetividade.
Os testes genéticos devem ser vistos, portanto, de forma relativa e sem exageros, como uma ferramenta útil, mas que não pode sobrepujar o parentesco constituído com base na afetividade, que deve sempre prevalecer sobre laço puramente sanguíneo.
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