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APANHAR OU PASSAR FOME? A DIFÍCIL RELAÇÃO ENTRE DEPENDÊNCIA FINANCEIRA E VIOLÊNCIA EM PORTO ALEGRE, RS

Por:   •  17/5/2022  •  Monografia  •  4.465 Palavras (18 Páginas)  •  168 Visualizações

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APANHAR OU PASSAR FOME? A DIFÍCIL RELAÇÃO ENTRE

DEPENDÊNCIA FINANCEIRA E VIOLÊNCIA EM PORTO ALEGRE, RS

 

Cibele Cheron1 

Elena Erling Severo2 

 

Para a mulher, ter um emprego significa, embora isso nem sempre se eleve a nível de consciência, muito mais do que receber um salário. Ter um emprego significa participar da vida comum, ser capaz de construí-la, sair da natureza para fazer a cultura, sentir-se menos insegura na vida. Uma atividade ocupacional constitui, portanto, uma fonte de equilíbrio.3 

 

Numa perspectiva feminista, a violência conjugal está intimamente associada aos papéis designados ao homem e à mulher “[...] como a expressão radical da relação hierárquica entre os sexos no núcleo familiar”4. Em grande parte da literatura brasileira e norte-americana há o entendimento compartilhado de que a violência conjugal, da mesma forma que a violência doméstica, constitui violência de gênero5.  

Conforme Heleieth Saffioti6, há uma ordem patriarcal na sociedade, a qual contribui para a continuidade da violência doméstica e familiar. Ao mesmo tempo, existem matrizes de gêneros, além das dominantes, em que é possível ressignificar as relações de poder. Não é possível pensar homens e mulheres alheios à categoria gênero e ao contrato patriarcal, mas isso não significa que eles estejam destinados inexoravelmente a se renderem à matriz dominante, detendo certa liberdade de escolha. Contudo, tal escolha é bastante restringida em contextos em que prevalece a dominação masculina e a ordem patriarcal é aceita como natural.

                                                          

  1. Pesquisadora associada ao Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Mulher e Gênero – NIEM/UFRGS. Doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. E-mail: iccibele@yahoo.com.br 
  2. Advogada. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. E-mail: eleninh@hotmail.com 
  3. SAFFIOTI, Heleieth I. B. A Mulher na Sociedade de Classes: mito e realidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1979, p. 58.
  4. GREGORI, Maria Filonema. Cenas e Queixas: um estudo sobre mulheres, relações violentas e a prática feminista. Rio de Janeiro: Paz e Terra; São Paulo: ANPOCS, 1993, p. 123.
  5. SOARES, Barbara Musumeci. Mulheres Invisíveis: violência conjugal e as novas políticas de segurança. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999, p. 125.
  6. SAFFIOTI, Heleieth I. B. Contribuições Feministas para o Estudo da Violência de Gênero. Labrys, Estudos Feministas, nº. 1-2, julho/dezembro 2002. Disponível em http://vsites.unb.br/ih/his/gefem/labrys1_2/heleieth1.html. Acesso em 23 de março de 2010.
  1. diferenciação entre os espaços público e privado associa o primeiro à produção, local do masculino, e o segundo à reprodução e ao cuidado, local do feminino7. É, também, reforçada a divisão sexual do trabalho, onde as distinções entre os sexos aparecem mais marcadamente. Homens e mulheres se reconhecem diferentes em seus hábitos, costumes e comportamentos, os quais são valorizados de modo desigual em suas responsabilidades8. Destarte, a conotação dos espaços relacionados ao homem e à mulher passa a influir na constituição da sociedade e na maneira como a mulher se apropria de seu espaço: “Assim, de acordo com os padrões de socialização estabelecidos por cada sociedade, os seres humanos aprendem quais tarefas podem ou devem desempenhar e a entender a ordem social como um fato natural.”9

A diferença baseada na designação do gênero, estabelecida como parâmetro do comportamento social, permite a manutenção da mulher no espaço privado. Muito embora os direitos sociais, econômicos e legais das mulheres formalmente assegurem igualdade, na prática não se assemelham aos dos homens, em função das diferenças culturais no trato dado ao feminino. Daí resulta a vulnerabilidade das mulheres frente à violência conjugal, vez que não possuem as mesmas chances de acesso a bens, poder e recursos disponíveis10.  

O termo violência pressupõe abuso de poder, uma relação de forças em que há um desequilíbrio e, nessa medida, é usado como sinônimo de abuso11. Marilena Chauí adota o conceito de violência sob o prisma da “violação da liberdade e do direito de alguém ser constituinte de sua própria história”12. Porém, não se trata da transgressão de normas e leis e sim da expressão de uma normalidade que converte diferenças em relações hierárquicas com fins de dominação, exploração e opressão13.

A violência constitui um componente fundamental do adestramento das mulheres à ordem social patriarcal. A garantia de sobrevivência e de manutanção da família tem na obediência dos filhos e na submissão e dependência das mulheres a metodologia operativa da dominação patriarcal, terreno fértil para a ocorrência de abusos.14 

 

                                                          

  1. PRÁ, Jussara Reis. (Re)socializar é preciso: aportes para uma releitura sobre gênero e juventude no Brasil. In: BAQUERO, Marcello (Org.). Democracia, Juventude e Capital Social no Brasil. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004, p. 85.
  2. ASTELARRA, Judith. La cultura política de las mujeres. In: LECHNER, Norbert (Comp.). Cultura política y democratizatión. Chile: Flacso, 1987. p.159.
  3. PRÁ, 2004, p. 87.
  4. Idem, p. 85.
  5. REDE NACIONAL FEMINISTA DE SAÚDE, DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS – Rede Feminista de

Saúde – Regional do Rio Grande do Sul. Dossiê: violência de gênero contra meninas. Porto Alegre, 2005, p. 19.

  1. CHAUÍ, Marilena. “Participando do debate sobre mulher e violência”. In: CHAUÍ, Marilena; CARDOSO, Ruth; PAOLI, Maria Célia; SOS-MULHER (Orgs.). Perspectivas Antropológicas da Mulher, vol. 4. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1985, p. 35.
  2. Idem, p. 47.
  3. Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Reprodutivos, 2005, p. 20.
  1. permanência das mulheres em relações marcadas por abusos físicos, psíquicos e morais é objeto de estudos como o de Barbara Hart[1], para quem o enfoque central é a ordem social e os padrões de comportamento dela decorrentes. A autora identifica oito motivos principais que explicam a permanência das mulheres em relações abusivas, que podem ser sintetizados como segue: a) esperança de que o companheiro mude de comportamento; b) isolamento, provocado pelo companheiro que exerce controle absoluto sobre a mulher; c) negação social – banalização da violência ocorrida no âmbito doméstico por parte de especialistas que deveriam auxiliar mulheres inseridas em contextos de violência, quais sejam: médicos, advogados, autoridades policiais, líderes religiosos etc.; d) ameaças do companheiro quanto à integridade física da mulher e dos filhos, quando ela tenta romper a relação; e) crença no tratamento do agressor, quando esse ocorre; f) riscos do rompimento: temor da separação; g) ausência de autonomia econômica; h) despreparo material, psíquico e emocional para enfrentar o processo de separação.  

Diante do quadro esboçado e tendo em vista os motivos acima arrolados, destaca-se a ausência de autonomia econômica para fins da presente análise, concatenando-a com a permanência em relações abusivas. 

Violência e dependência econômica das mulheres

Nas palavras de Saffioti,  

[...] o patriarcado não se resume a um sistema de dominação, modelado pela ideologia machista. Mais do que isto, ele é também um sistema de exploração. Enquanto a dominação pode, para efeitos de análise, ser situada essencialmente nos campos político e ideológico, a exploração diz respeito diretamente ao terreno econômico.[2] 

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