AS TENDÊNCIAS DO DIREITO CIVIL NO SÉCULO XXI
Por: Ander Schuh • 30/5/2017 • Abstract • 6.982 Palavras (28 Páginas) • 251 Visualizações
TENDÊNCIAS DO DIREITO CIVIL NO SÉCULO XXI. 1 GISELDA MARIA FERNANDES NOVAES HIRONAKA2 Devemos considerar a hipótese que da eternidade nascem, de tempos em tempos, mundos infinitos. (Giorgio Del Vechio, Evoluzione ed Involuzione nel Diritto). Sumário: Um olhar sobre a ciência do Direito Civil e a imprescindibilidade de uma releitura.Um breve atalho histórico: a Revolução Francesa e o fenômeno da codificação. Reflexo na positivação legislativa brasileira. De Clóvis Bevilaqua a Miguel Reale: conservar o possível, inovar sempre que necessário. Codificação ou descodificação: o pluralismo legislativo e os micro-sistemas legislativos. Ainda a respeito da junção do Direito Civil e do Direito Comercial. O traço de constitucionalização do Direito Civil contemporâneo. A transformação produzindo-se ao vivo. Novos horizontes de contemplação da ambiência jurídica. Procurando descrever a nova dimensão dos pilares fundamentais do Direito Civil: a propriedade, o contrato e a família. Tendências éticas e humanização do Direito. O Direito Civil constitui a base do ordenamento jurídico de todas as sociedades. É, verdadeiramente, a espinha dorsal de toda a ciência jurídica, como se tem dito e registrado ao longo dos tempos, desde a origem romana do Direito Civil. Trata-se do conjunto de princípios e de normas que disciplinam as relações jurídicas comuns de natureza privada 3 . De modo analítico, é o direito que regula a pessoa, na sua existência e atividade, a família e o patrimônio. Não se torna possível a compreensão de toda a fenomenologia jurídica sem o entendimento prévio e completo do que sejam estas relações corriqueiras, de natureza 1 Conferência de encerramento proferida em 21.09.01, no Seminário Internacional de Direito Civil, promovido pelo NAP – Núcleo Acadêmico de Pesquisa da Faculdade Mineira de Direito da PUC/MG. Palestra proferida na Faculdade de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI (SC), em 25.10.2002. 2 Doutora e Livre Docente pela USP. Professora Associada ao Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 3 Francisco Amaral, Direito Civil –Introdução, Renovar: Rio de Janeiro, 2000, p. 105. 2 privada, que correm à volta do cotidiano do homem comum. Quer dizer, o estudo do arcabouço do Direito Civil e de todas as categorias jurídicas que o conformam, assim como a principiologia que o define e, conseqüentemente, de todos os institutos que compõem a sua estrutura essencial, é de caráter imprescindível à exata possibilidade de se compreender a mesma estrutura própria e típica dos demais segmentos da ciência jurídica. A idéia de que ele se desenha, para o todo da ciência, como uma espinha dorsal, está a revelar, na verdade, que o Direito Civil e sua especialíssima abrangência colocam o Direito em pé. Por ser o direito das gentes, no sentido que é o direito que rege a vida do homem comum e suas relações jurídicas cotidianas, desde o seu nascimento até a sua morte – e, em alguns casos, mesmo após ela – o Direito Civil é, por assim dizer, tão antigo quanto o homem e a consciência de cada homem a respeito da necessidade e urgência de interagir com o seu próximo, o outro homem. A trajetória desta ciência, então, é desenhada historicamente e se caracteriza por uma evolução contínua, o que admite que se diga, do Direito Civil, que ele está em constante movimento, em operosa dinâmica, e atento sempre às contínuas necessidades de transformação da vida dos homens, tudo para o efeito de melhor adequação à realidade, em cada um de seus múltiplos e incessantes estágios. A história da civilização humana, em cada um de seus infindáveis momentos, influi, portanto, a conformação e a estrutura do direito privado como um todo, e do Direito Civil, em especial. O atual estágio desta história, quer dizer, o momento histórico que agora vivenciamos, é um estágio que tem imposto ao Direito Civil uma releitura importantíssima, a implicar em extraordinárias transformações. Creio, como professora e estudiosa deste segmento da ciência jurídica, que é justamente esta dinâmica que formatam o encanto maior do Direito Civil, já que não admite, a quem a ele se dedica, nem mesmo um minuto de tranqüilidade, de repouso, de qualquer certeza acerca da imutabilidade de seus institutos e de suas categorias. A sua organização estrutural e a moldura de sua essência estão – e devem estar, mesmo – umbilicalmente relacionados às mudanças na vida dos homens, mudanças estas derivadas do progresso das ciências, do avanço das tecnologias e do comportamento das pessoas em face destas todas alterações. Nada justifica, assim, a idéia de separação entre as estruturas jurídicas e os valores essenciais da sociedade da qual elas derivam. No dizer sempre lúcido e aprimorado de 3 Francisco Amaral 4 , é de recusar-se toda a argumentação que se desenvolva em termos de pura lógica, ou limitada à perspectiva da ciência do direito como pura dogmática, separada da realidade que a justifica. Absolutamente não. Todo o Direito, mas em especial o Direito Civil não pode ser apreciado exclusivamente sob o matiz do dogma, pois esta roupagem é apequenada demais para tão extraordinário continente. Entenda-se, aqui, por dogmática jurídica, conforme recomenda o jurista referido 5 , a idéia segundo a qual o direito se apresenta como construção jurídica, lógica, racional e sistematizada, obediente ao princípio positivista de que o objeto da ciência do direito são apenas as normas positivadas (dogmas), independentemente da realidade social subjacente. O processo de construção e sistematização do Direito Civil caracteriza-se por um modo de aglutinação, análise, sintetização das várias e inúmeras decisões que hajam sido levadas a cabo por uma sociedade, num determinado período da história dos homens. Isto é, a sua formação está indelevelmente atrelada ao dizer o direito, às fórmulas jurisprudenciais de expressão da justiça, num tempo que tenha precedido o direito escrito e as normas concretizadas e cristalizadas. Circunstâncias de natureza cultural, econômica, política ou religiosa estiveram a influenciar esta jurisprudência, em cada momento histórico e para cada diferente sociedade. Mas ao serem agrupadas e observadas as decisões e os julgados de cada tempo, permitiram o desenho de uma realidade social insofismável, sempre que tenham sido geradas do bom senso e do sentido do justo. Antigo como a história dos homens, o Direito Civil esquadrinhou-se por quatro principais fases históricas, iniciando-se no direito romano, a célula mater do Direito como um todo, perpassando o direito medieval e seu traço tão distinto, tão especial, alcançando o direito moderno e jactando-se para o que hoje se denomina direito contemporâneo, ou pós-moderno. A visão crítica da história e do desenvolvimento
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