As Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas
Por: ivan.93m • 15/9/2021 • Trabalho acadêmico • 32.201 Palavras (129 Páginas) • 140 Visualizações
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
CASO DO POVO INDÍGENA XUCURU E SEUS MEMBROS VS. BRASIL SENTENÇA DE 5 DE FEVEREIRO DE 2018
(Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas)
No Caso do Povo Indígena Xucuru e seus membros,
a Corte Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “Corte Interamericana”, “Corte” ou “Tribunal”), assim constituída:1
Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot, Presidente; Eduardo Vio Grossi, Vice-Presidente ; Humberto Antonio Sierra Porto, Juiz;
Elizabeth Odio Benito, Juíza; Eugenio Raúl Zaffaroni, Juiz; e
L. Patricio Pazmiño Freire, Juiz; presentes, ademais,
Pablo Saavedra Alessandri, Secretário, e Emilia Segares Rodríguez, Secretária Adjunta,
em conformidade com os artigos 62.3 e 63.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada “Convenção Americana” ou “Convenção”) e com os artigos 31, 32, 42, 65 e 67 do Regulamento da Corte (doravante denominado “Regulamento”), profere a presente Sentença, que se estrutura na seguinte ordem:
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1 O Juiz Roberto F. Caldas, de nacionalidade brasileira, não participou da deliberação da presente Sentença, em conformidade com o disposto nos artigos 19.2 do Estatuto e 19.1 do Regulamento da Corte.
SUMÁRIO
- INTRODUÇÃO DA CAUSA E OBJETO DA CONTROVÉRSIA 4
- PROCEDIMENTO PERANTE A CORTE 6
- COMPETÊNCIA 8
- EXCEÇÕES PRELIMINARES 9
- Inadmissibilidade do caso em virtude da publicação do Relatório de Mérito pela Comissão 9
- Alegações do Estado e observações da Comissão 9
- Considerações da Corte 10
- Alegada incompetência ratione temporis quanto a fatos anteriores à data de reconhecimento da jurisdição da Corte e alegada incompetência ratione temporis quanto a fatos anteriores à adesão do Estado à Convenção 10
- Alegações do Estado e observações da Comissão 10
- Considerações da Corte 11
- Alegada incompetência ratione materiae a respeito da suposta violação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho 11
- Alegações do Estado e observações da Comissão 11
- Considerações da Corte 11
- Alegada falta de esgotamento dos recursos internos 12
- Alegações do Estado e observações da Comissão 12
- Considerações da Corte 13
- PROVA 14
- Prova documental, testemunhal e pericial 14
- Admissão da prova 14
- Admissão da prova documental 14
- Admissão das declarações e dos laudos periciais 15
- Avaliação da prova 15
- CONSIDERAÇÃO PRÉVIA 15
- FATOS 16
- Contexto 16
- O Povo Indígena Xucuru 16
- Legislação a respeito do reconhecimento, demarcação e titulação das terras indígenas no Brasil 17
- Antecedentes (fatos anteriores ao reconhecimento de competência) 19
- O processo administrativo de reconhecimento, demarcação e titulação do território indígena Xucuru 19
- Ação judicial relativa à demarcação do território indígena Xucuru 20
- Atos de violência no contexto de demarcação do território indígena Xucuru 20
- Fatos dentro da competência temporal da Corte 21
- Continuação do processo demarcatório 21
- Continuação das ações judiciais pendentes relativas à demarcação do território indígena Xucuru 22
- Atos de hostilidade contra líderes do Povo Indígena Xucuru 23
- MÉRITO 24
- DIREITOS À PROPRIEDADE, ÀS GARANTIAS JUDICIAIS E À PROTEÇÃO JUDICIAL 25
- Argumentos das partes e da Comissão 25
- Considerações da Corte 29
- O direito de propriedade coletiva na Convenção Americana 29
- O dever de garantir o direito à propriedade coletiva e a segurança jurídica 31
- O prazo razoável e a efetividade dos processos administrativos 34
- O alegado agravo à propriedade coletiva 38
B 5. O alegado descumprimento da obrigação de adotar disposições de direito interno 41
- DIREITO À INTEGRIDADE PESSOAL 43
- Alegações das partes e da Comissão 43
- Considerações da Corte 43
- REPARAÇÕES 46
- Parte lesada 48
- Restituição 48
- Medidas de satisfação: publicação da Sentença 50
- Outras medidas 50
- Indenização compensatória coletiva 51
- Custas e gastos 52
- Modalidade de cumprimento dos pagamentos ordenados 53
- PONTOS RESOLUTIVOS 53
I
INTRODUÇÃO DA CAUSA E OBJETO DA CONTROVÉRSIA
- O caso submetido à Corte. – Em 16 de março de 2016, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “Comissão Interamericana” ou “Comissão”) submeteu à Corte o Caso do Povo Indígena Xucuru e seus membros contra a República Federativa do Brasil (doravante denominado “Estado” ou “Brasil”). De acordo com a Comissão, o caso se refere à suposta violação do direito à propriedade coletiva e à integridade pessoal do Povo Indígena Xucuru, em consequência: i) da alegada demora de mais de 16 anos, entre 1989 e 2005, no processo administrativo de reconhecimento, titulação, demarcação e delimitação de suas terras e territórios ancestrais; e ii) da suposta demora na desintrusão total dessas terras e territórios, para que o referido povo indígena pudesse exercer pacificamente esse direito. O caso também se relaciona à suposta violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, em consequência do alegado descumprimento do prazo razoável no processo administrativo respectivo, bem como da suposta demora em resolver ações civis iniciadas por pessoas não indígenas com relação a parte das terras e territórios ancestrais do Povo Indígena Xucuru. A Comissão salientou que o Brasil violou o direito à propriedade, bem como o direito à integridade pessoal, às garantias e à proteção judiciais previstos nos artigos 21, 5, 8 e 25 da Convenção Americana, em relação aos artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento.
- Tramitação perante a Comissão. – A tramitação do caso perante a Comissão Interamericana foi o seguinte.
- Petição.– Em 16 de outubro de 2002, a Comissão recebeu a petição inicial, apresentada pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos/Regional Nordeste, pelo Gabinete de Assessoria Jurídica das Organizações Populares (GAJOP) e pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), à qual foi atribuído o número de caso 12.728.
- Relatório de Admissibilidade.- Em 29 de outubro de 2009, a Comissão aprovou o Relatório de Admissibilidade No. 98/09 (doravante denominado “Relatório de Admissibilidade”).
- Relatório de Mérito.- Em 28 de julho de 2015, a Comissão aprovou o Relatório de Mérito No. 44/15, em conformidade com o artigo 50 da Convenção Americana (doravante denominado “Relatório de Mérito”), no qual chegou a uma série de conclusões e formulou varias recomendações ao Estado.
- Conclusões.- A Comissão concluiu que o Estado era responsável internacionalmente:
- pela violação do direito à propriedade, consagrado no artigo XXIII da Declaração Americana e no artigo 21 da Convenção Americana, bem como do direito à integridade pessoal consagrado no artigo 5o da Convenção Americana, em relação aos artigos 1.1 e 2o do mesmo instrumento, em detrimento do Povo Indígena Xucuru e seus membros;
- pela violação dos direitos às garantias e à proteção judiciais consagrados nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento, em detrimento do Povo Indígena Xucuru e seus membros.
- Recomendações.– Por conseguinte, a Comissão recomendou ao Estado o que se segue.
- Adotar, com a brevidade possível, as medidas necessárias, inclusive as medidas legislativas, administrativas ou de outra natureza, indispensáveis à realização do saneamento efetivo do território ancestral do Povo Indígena Xucuru, de acordo com seu direito consuetudinário, valores, usos e costumes. Consequentemente, garantir aos membros do povo que possam continuar vivendo de maneira pacífica seu modo de vida tradicional, conforme sua identidade cultural, estrutura social, sistema econômico, costumes, crenças e tradições particulares.
- Adotar, com a brevidade possível, as medidas necessárias para concluir os processos judiciais interpostos por pessoas não indígenas sobre parte do território do Povo Indígena Xucuru. Em cumprimento a essa recomendação, o Estado deveria zelar por que suas autoridades judiciais resolvessem as respectivas ações conforme as normas sobre direitos dos povos indígenas expostos no Relatório de Mérito.
- Reparar, nos âmbitos individual e coletivo, as consequências da violação dos direitos enunciados no Relatório de Mérito. Em especial, considerar os danos provocados aos membros do Povo Indígena Xucuru, pela demora no reconhecimento, demarcação e delimitação, e pela falta de saneamento oportuno e efetivo de seu território ancestral.
- Adotar as medidas necessárias para evitar que no futuro ocorram fatos similares; em especial, adotar um recurso simples, rápido e efetivo, que tutele o direito dos povos indígenas do Brasil de reivindicar seus territórios ancestrais e de exercer pacificamente sua propriedade coletiva.
- Notificação ao Estado.– O Relatório de Mérito, notificado ao Estado mediante comunicação de 16 de outubro de 2015, concedia um prazo de dois meses para informar sobre o cumprimento das recomendações. Após a concessão de uma prorrogação, a Comissão determinou que o Estado não havia avançado substancialmente no cumprimento das recomendações. Em especial, embora a Comissão tenha registrado que teriam ocorrido avanços na desintrusão formal das terras e territórios ancestrais do Povo Indígena Xucuru, a informação disponível dá conta de que o mencionado povo indígena ainda não conseguiu exercer seu direito de maneira pacífica. O Estado tampouco apresentou informação concreta sobre avanços na reparação ao Povo Indígena Xucuru pelas violações declaradas no Relatório de Mérito.
- Apresentação à Corte.- Em 16 de março de 2016, a Comissão submeteu o caso à Corte, “ante a necessidade de obtenção de justiça”, os fatos e violações de direitos humanos descritos no Relatório de Mérito.2 Especificamente, a Comissão apresentou à Corte as ações e omissões estatais que ocorreram, ou continuaram ocorrendo, após 10 de dezembro de 1998, data de aceitação da competência da Corte por parte do Estado.3 Tudo isso sem prejuízo de que o Estado pudesse aceitar a competência da Corte para conhecer a totalidade do caso, em conformidade com o estipulado no artigo 62.2 da Convenção.
- Pedidos da Comissão Interamericana.– Com base no exposto, a Comissão Interamericana solicitou a este Tribunal que declarasse a responsabilidade internacional do
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2 A Comissão Interamericana designou como delegados o Comissário Francisco Eguiguren e o Secretário Executivo Emilio Álvarez Icaza L., e como assessoras jurídicas, Elizabeth Abi-Mershed, Secretária Executiva Adjunta, e Silvia Serrano Guzmán, advogada da Secretaria Executiva.
3 Dentre essas ações e omissões, destacam-se: 1) a violação do direito à propriedade coletiva do Povo Indígena Xucuru , em virtude de uma demora de sete anos sob a competência temporal da Corte no processo de reconhecimento desse território; 2) a violação do direito à propriedade coletiva, em razão da falta de desintrusão total desse território ancestral, de 1998 até esta data; 3) a violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial vinculadas à mesma demora no processo administrativo de reconhecimento; 4) a violação do direito à integridade pessoal dos membros do Povo Indígena Xucuru - desde 10 de dezembro de 1998 -, em consequência das violações anteriores e da consequente impossibilidade de exercer pacificamente o direito à propriedade coletiva sobre suas terras e territórios ancestrais; 5) a violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial - desde 10 de dezembro de 1998 –, em razão da demora na decisão das ações civis interpostas por ocupantes não indígenas sobre partes do território ancestral.
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