Contratos Bancários
Por: ldolivramento • 22/11/2015 • Monografia • 11.713 Palavras (47 Páginas) • 338 Visualizações
INTRODUÇÃO
Dizer que vivemos numa sociedade em transformação é um lugar-comum, mas não deixa de ser verdadeiro: uma das características mais marcantes do atual momento da história humana é a impermanência. Especialmente nos últimos duzentos anos, a humanidade conheceu uma evolução científica sem precedentes (ao menos escritos): nesses dois séculos o Homem voou, saiu do planeta e, concomitantemente, penetrou nos átomos.
Essa evolução física é nítida, por igual, no campo das ciências da alma: a Psicologia, enquanto ciência, consolidou-se nesse período; as ciências humanas, como a Sociologia, a Antropologia e a Política, rumaram para além do mero retratar os acontecimentos históricos e as características locais – típicos da História e da Geografia –, passando a apontar parâmetros de repetição e rumos possíveis no comportamento social da civilização.
O Direito seguiu nessa afinação, procurando garantir, ao longo dos milênios, o que os seres humanos valorizavam em seus períodos de vivência: inicialmente, a sobrevivência em si; posteriormente, o reconhecimento da necessidade de regrar e coibir; posteriormente, a delegação desse poder de repressão e punição a terceiros que não os emocionalmente envolvidos; por fim, o reconhecimento de que, mais do que regrar, coibir e proibir, é urgente compreender e atender necessidades.
Esse é o atual momento histórico: com a evolução da compreensão das necessidades humanas, também elas se elevaram; o homem que, nos primórdios, precisava comer e garantir sua segurança e a dos seus foi, atualmente, substituído pelo homem que questiona até onde o pacto social, com todos os seus desdobramentos, atinge à necessidade de sua sociedade.
Um ser humano complexo gera relações humanas complexas. O contrato bancário é um claro exemplo disso. E as discussões que têm surgido ao redor do tema demonstram mais do que a necessidade de revisão periódica dos pactos: denunciam, sim, que a sociedade está mudando. E o Direito, como sempre, corre atrás de proporcionar uma mudança pacífica, em prol da paz social.
Esse é o objetivo desse trabalho: a respeito do tema – revisão de contratos bancários – veremos como surgiu, o que já foi feito e os caminhos que atualmente são apontados. Por óbvio, o olhar é de observador, não de solucionador: as tendências não são certezas, ainda mais em se tratando do destino de muitas pessoas. Mas, neste momento histórico, em relação aos contratos bancários são essas as discussões atuais.
O CONTRATO E SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Para se compreender a possibilidade ou não de revisão dos contratos bancários de mútuo, objeto de nosso estudo, faz-se necessário, antes, compreender o conceito de contrato – e uma das formas de compreender algo é voltar às suas origens e analisar o modo como se concebeu esse algo, bem como sua evolução ao longo do tempo.
Os enfoques dados pelos juristas são variados e, na seara da historiografia, devemos ter sempre em mente que a humanidade é muito mais antiga e vasta do que os registros escritos que a retratam. Nas palavras de Aguiar e Maciel (2010),
“A história do direito normalmente é estudada a partir da época em que remontam os mais antigos documentos escritos conservados, sendo esta época diferente para cada povo, para cada civilização. Há, inclusive, (...) civilizações que, mesmo não se servindo da escrita, atingiram níveis espetaculares de desenvolvimento (...).
Quando falamos no direito dos povos sem escrita, temos enorme dificuldade em conceituá-lo, já que com base em estudos arqueológicos é possível reconstituir os vestígios deixados pelos povos pré-históricos (...). Mas o direito requer, além desses itens, o conhecimento de como funcionavam as instituições na época em questão, o que é deveras difícil de reconstituir”[1].
De toda forma, estudiosos conseguiram inferir, a partir dos resquícios das sociedades primitivas, que o conceito de propriedade privada surgiu relativamente tarde – isto porque os clãs eram considerados um todo coletivo; a individualidade, por sua vez, era mitigada em prol da ligação do indivíduo com os demais membros da comunidade. Os pertences de um indivíduo, por sua vez, assumiam caráter sagrado: eram inalienáveis até na morte, sendo, não raro, enterrados ou queimados com o membro da linhagem que morria. Naturalmente, entendimentos se alteram a partir de necessidades e, em tempos de privação, as necessidades econômicas são mais importantes do que misticismos; assim, surge o conceito de sucessão de bens (AGUIAR; MACIEL, 2010b, p. 42).
Outrossim, com a transição da vida nômade para o sedentarismo, ocorreu uma passagem natural do coletivo para o individual – por conseguinte, para os primórdios do que, atualmente, conhecemos como propriedade privada. A sucessão de bens leva à distinção entre ricos e pobres, que se vai acentuando; com as desigualdades econômicas, surgem também as sociais e a divisão de classes.
Clãs se transformam em vilas, em cidades, e as relações sociais passam a ser mais complexas. A transmissão de propriedade não é mais tão simples como a herança – o comércio e a transferência de propriedade passam a exigir formas não só mais elaboradas, que abranjam as necessidades e peculiaridades da vida entre muitos, mas também uma fórmula prática, rápida, preestabelecida.
Assim surge o conceito de contrato.
As primeiras notícias que possuímos acerca de contrato remontam a quase 2.000 anos antes de Cristo, como ensina Naves[2]:
“O direito primitivo já havia estabelecido costumes que regulavam contratos. Uma tribo ou clã celebrava um acordo com outra tribo, para fornecimento de algum produto ou cessão de um direito. Seriam os chefes das tribos ou os comissários por eles designados que pactuavam em nome de toda a tribo. Assim, em caso de descumprimento, todo o grupo-credor poderia exigir o cumprimento do grupo inadimplente. Tratando-se de leis escritas, será na antiga Mesopotâmia que nos deparamos com os primeiros enunciados conhecidos acerca dos contratos. As Leis de Eshnunna, promulgadas provavelmente entre os anos de 1825 e 1787 a.C., já dispunham sobre a compra e venda, arrendamento e empréstimo a juros. O Código de Hamurabi, elaborado anos mais tarde no Império Babilônico, provavelmente em 1758 a.C. (1), também continha dispositivos semelhantes, regulamentando alguns contratos específicos, a execução destes contratos, as taxas de juros cobradas, bem como o preço de determinados serviços. Assim, prescreve o §268 do Código de Hamurabi que: “Se um homem alugou um boi para semear o grão, seu aluguel será de 2 sutu de cevada”, o correspondente a 20 litros de cevada. Em outra passagem, é fixada a taxa máxima de juros. Se o empréstimo foi de cevada, os juros serão de 33% (1/3 do bem emprestado). Se o empréstimo foi de prata, a taxa máxima será de 20% (2)”.
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