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Direito Civil

Por:   •  17/9/2015  •  Trabalho acadêmico  •  11.427 Palavras (46 Páginas)  •  305 Visualizações

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Mensagem do grupo: 2170.1.00 - TEORIA GERAL DO DIREITO

Caríssimos Alunos,

Segue, abaixo, o artigo a que me referi em sala na aula de hoje.
Gostaria que vocês o lessem integralmente para que pudéssemos fazer uma rápida passagem por ele na próxima aula.
Agradecido,

Prof. José do Carmo
Teoria Geral do Direito




I – OS DIREITOS DO NASCITURO SOB A PERSPECTIVA SOCIAL,
RELIGIOSA, MORAL, FAMILIAR E JURÍDICA DA INSEMINAÇÃO HETERÓLOGA
José do Carmo Veiga de Oliveira
“E da costela que o Senhor Deus tomou do homem, formou uma mulher, e trouxe-a a Adão. E disse Adão: Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; esta será chamada mulher, porquanto do homem foi tomada. Portanto deixará o homem o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma só carne. E ambos estavam nus, o homem e a sua mulher; e não se envergonhavam”. (Livro do Gênesis, 2:22-25 – os grifos não constam do original).

1 – O SENSO COMUM A TODAS AS RELIGIÕES: A FAMÍLIA

Quando se traz à lume o texto bíblico acima transcrito, pode-se produzir no leitor no primeiro momento uma sensação de que se trata, apenas, de mais uma questão de ordem religiosa por meio da qual haverá um tema que reprisará situações que já se encontram superadas e por demais vencidas por meio das discussões mais comuns na vida em sociedade.
No entanto, o que se pretende com este trabalho é exatamente o contrário. Trata-se, na verdade, do propósito de chamar a atenção do público em geral para um fato de grande importância na vida em sociedade, de reflexos inquestionáveis a partir da própria lei que regula as relações sociais intersubjetivas. É fato comum afirmar que, a partir do momento em que se constata que em todos os tipos de vida social, é possível encontrar o código ético-moral implantado no coração do homem. Quando Deus lhe concedeu o dom da vida, passou a reinar em todas as pessoas um senso comum encontradiço em todos os integrantes da vida em sociedade, independentemente de sua crença religiosa.
Referimo-nos, pois, à família, o elo que faz a junção entre um homem e uma mulher. A Constituição Republicana, de 1988, autoriza a existência de núcleos familiares a partir do casamento, do concubinato e, até mesmo, da união estável entre homem e mulher, visando, sempre, a procriação. É de se frisar que, a procriação, não seja uma unanimidade entre todos os casais por fatores os mais variados e pelas causas mais diversificadas, inclusive, naturalmente, pela infertilidade ou esterilidade.
Nota-se, a partir daí, que não se trata, de fato, de uma questão que esteja ligada apenas à religião, mas, sobretudo, até mesmo por uma razão de preservação da raça humana, qualquer que seja a sua etnia, cultura, país de origem, continente, etc. etc. O que de fato deve ser realçado aqui é que o homem e a mulher, formando uma família, tomam uma decisão que é, inequivocamente, abençoada por Deus em qualquer cultura que possa ser identificada sobre a face da Terra.
Essa afirmativa é feita a partir do momento em que a família é criação de Deus. Foi Ele quem criou o homem e depois a mulher e os uniu por Sua vontade, que é boa, perfeita, agradável e, sobretudo, soberana. E vejamos que independe da crença que as pessoas professam, de modo que, via de regra, o Deus todo poderoso, o verdadeiro Deus, sempre se faz presente no momento da celebração do casamento, ainda que por meio de uma pessoa que se apresenta como Seu Ministro. De outro modo, há também aqueles que, professando outra fé, tem também o seu “deus”, invocado para esse momento de celebração.
É claro que em se tomando a Bíblia como ponto de partida, tem-se que se trata do Deus único e verdadeiro. Mas, há países mundo afora que têm o seu próprio “deus” ou vários “deuses”. Isso ocorria na Antiguidade, a ponto de Paulo, entre os atenienses, quando confrontado no Areópago, identificar vários “deuses” entre os gregos e, chegou a ponto de, em dado momento, encontrar um altar dedicado e erigido “ao deus desconhecido”, exatamente aquele por meio do qual os gregos também o adoravam, porque não queriam que nenhum “deus” fosse excluído de sua adoração. Nos países dos mais variados continentes da Terra sempre há um “deus”, até mesmo entre os índios, ao qual prestam cultos e adoração.
Quando se menciona família deve-se compreender um núcleo por meio do qual se forma a celula mater da sociedade e, desta forma, remete-nos ao momento em que Abrão recebe do próprio Deus a promessa de que teria uma descendência maior que as estrelas, afirmando que, de Abrão, seria feita uma grande nação. Mas, Abrão respondeu a Deus que ele não tinha descendência.
Todavia, diante do argumento de Deus de que Abrão teria um herdeiro que seria gerado dele próprio e levando-o para fora, mostrou-lhe os céus dizendo-lhe para que contasse as estrelas, se o pudesse, afirmando que “será assim a tua posteridade” e, como Abrão creu no Senhor, “isso lhe foi imputado para justiça”. A esposa de Abrão, de nome Sarai, era pessoa idosa, contando em torno de noventa anos. Ela tinha uma criada egípcia, de nome Agar. Tomou-a e a deu a Abrão para que com ela coabitasse e lhe desse, a Sarai, um filho, para que pudesse se edificar com filhos por meio de sua criada. Isso era viável naqueles tempos em virtude de que uma criada era, na verdade, uma escrava e tratada como uma coisa, um bem qualquer, além do que não havia restrições à poligamia. Assim foi feito. Abrão deitou-se com Agar, fato que trouxe grandes aborrecimentos ao casal, em virtude de, Sarai, senhora de Agar, ter sido desprezada pela sua criada diante da concepção de um filho. Sarai, então, questio nou a Abrão, no que lhe respondeu que Agar estava em suas mãos e que deveria proceder como lhe aprouvesse. Então Sarai humilhou a Agar e ela fugiu de sua presença, retornando depois que o Anjo do Senhor assim o determinou, devendo-lhe humilhar diante de sua senhora e, também, para que nascesse seu filho, a quem deveria chamar Ismael.
Vejamos que, por esse episódio, encontramos um tipo de situação em que temos uma primeira ocorrência a respeito da concepção e nascimento de um filho por meio de terceira pessoa que, segundo os costumes da época, seria plenamente viável que assim ocorresse. A serva de Sarai foi dada a Abrão com o propósito de se lhe permitir gerar filhos para que a sua senhora pudesse se edificar com os filhos havidos de seu marido, Abrão, com a sua serva Agar. As coisas não andaram bem, portanto, porque, na verdade, Sarai entendeu, com o assentimento de Abrão, em “ajudar” a Deus a providenciar um meio de terem um filho e, logo que concebido, mas, ainda não nascido, o conflito surgiu dessa situação que, entre eles, Abrão, Sarai e Agar, não passou de um “arranjo” e que se frustrou, porque, efetivamente, não era aquela a promessa que Deus lhes fizera. Eles não tiveram a necessária sabedoria e paciência, no sentido de se aguardar o cumprimento da promessa de Deus, mas, efetivamente, ao tempo de Deus, e não deles, Sarai e Abrão.
Depois desse episódio, Deus esteve novamente com Abrão, fez aliança com ele e mudou-lhe o nome, passando a Abraão e à sua mulher, de Sarai para Sara, prometendo-lhes um filho, mesmo estando ele com cem anos e ela com noventa anos de idade. O próprio Deus disse que o filho nascido deles se chamaria Isaque. A aliança entre Deus e Abraão implicava na adoção da circuncisão de todo macho entre o povo de Abraão e nas gerações vindouras, assim como o escravo nascido em casa, como também aquele comprado a qualquer estrangeiro que não fosse da sua estirpe. Dentro de um ano contado dessa aliança, nasceria Isaque, filho de Abraão e Sara. Isso ocorreu por meio de dois anjos enviados por Deus a Abraão e Sara. Restou-lhes, pois, cumprida a promessa de Deus.
Mas, não percamos de vista o fato de que aprouve a Sara dar sua criada a Abraão para que com ela se deitasse e lhe gerasse um filho. Houve, portanto, uma intervenção humana na promessa que Deus fizera a Abrão. Por essa via tortuosa, Agar concebeu a um filho. Vejamos, destarte, que ocorreu, na verdade, um ato de intervenção de terceira pessoa no relacionamento conjugal entre Abrão e Sarai, para que fosse possível a Sarai, segundo a sua compreensão, ser mãe por intermédio de sua criada, mediante o relacionamento sexual entre Abrão e Agar, resultando, daí, o nascimento de Ismael .
Vencida, pois, essa etapa a título de intróito, passemos adiante.
2 - CONCEITO DE INÍCIO E FIM DA VIDA HUMANA

Existe uma grande divergência entre os vários campos das diversas áreas do conhecimento no que se refere ao conceito de início e fim da vida humana. Em todos eles ocorre uma divisão quanto à percepção de cada “ciência”, muitas das vezes pautada em situações que são sustentadas em valores personificados e distintos quanto ao que se pode chamar do seu início e fim. Vejamos, por exemplo, a decisão do Supremo Tribunal Federal a respeito, quando julgou a ADI 3150, tendo por Relator o Ministro Ayres Brito, relativa à Lei de Biosegurança .
Se buscarmos essa informação na Ciência Médica, vamos encontrar que o início da vida ocorre no momento da fertilização do óvulo pelo espermatozóide, surgindo daí a proteção para a vida por parte do Direito. A essa corrente convencionou-se chamar de concepcionista, ou seja, desde o momento da concepção há vida e, consequentemente, incide a proteção jurídica.
Em outra posição, há os que defendem que somente há que se falar em vida quando o óvulo, já fecundado, apresentar o número de oito (08) células, o que somente é possível identificar a partir do quarto (4º) dia após a concepção.
Há outros, ainda, que sustentam que a vida começa a partir da implantação do óvulo na parede do útero materno, processo a que se dá o nome de nidação e que ocorre a partir do sexto (6º) dia após a sua fertilização.
Finalmente, no que concerne à reprodução assistida, cuida esse método de simplesmente promover a implantação do pré-embrião no útero materno, não implicando, por óbvio, qualquer tipo de intervenção que promova modificação ou uso dessas células para pesquisa. Tem o propósito único e exclusivo de solucionar questões ligadas a problemas de fertilidade.
Em qualquer das hipóteses, nascendo vivo o feto ao longo do período de gestação, no momento em que se encontrar fora do ventre materno, tem-se um ser humano, dotado de vida, passando, doravante, a depender dos cuidados humanos para que encontre as condições ideais para efeito de prosseguir em sua existência regular, vez que nascido de mulher.
2.1 - NORMA JURÍDICA APLICÁVEL AO INÍCIO E FIM DA EXISTÊNCIA DA PESSOA HUMANA – CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO – LEI N. 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002

O sistema do Direito Privado Brasileiro, por meio do texto do artigo 2º, do Código Civil, de 2002 – a Lei n. 10.406, sancionada em 10 de janeiro de 2002 – hibernou por mais de 28 anos no seio do Congresso Brasileiro, eis que para lá remetida no ano de 1974, ou seja, no milênio passado. Diz o referido artigo 2º que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas, a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.
Vemos, assim, que esse é o ponto de partida para que possamos falar em pessoa humana, sua dignidade resguardada no inciso III, do artigo 1º, da Carta Constitucional, de 1988, escrita por mãos humanas e, como se encontra em seu Preâmbulo, “sob a proteção de Deus” . Todavia, fala-se nesse momento do ponto de vista crítico, já que o Brasil é um país laico desde a edição do Decreto 119-A, de 07 de janeiro de 1890, ou seja, 57 dias após o que se convencionou chamar de “Proclamação da República”, num atitude quase “simbólica” de rompimento com o Regime Imperial ou Monárquico até então vigente.
A redação do artigo 2º, do Código Civil, de 2002, que repete o texto do artigo 4º, do Código Civil, de 1916, estabelece o início da personalidade civil da pessoa com o nascimento com vida. Mas, em momento algum, detalha a respeito do momento da concepção, propriamente dita, exatamente em virtude de se tratar de uma questão de ordem médico-científica. Tudo isso tem um aspecto muito relevante que se refere exatamente às noções fundamentais para a construção do conceito de pessoa, da sua existência, do ponto de vista ético-religioso-sócio-jurídico-político-filosófico, entre outros. Todavia, tem-se que a aquisição da personalidade civil, do ponto de vista jurídico, inicia-se do nascimento com vida, embora os direitos do nascituro estejam resguardados desde a sua concepção.
De outro lado, é inequívoco que a vida tem início a partir do momento da concepção e, assim, não podemos ignorar que também há que se falar no fim da vida, no encerramento da existência da pessoa em se tratando do aspecto de ordem jurídica. Para isso, o Código Civil deve novamente ser convocado para efeito de proclamar a disposição contida em seu artigo 6º, revelando, em sua primeira parte, ao que por ora nos interessa, que a “a existência da pessoa natural termina com a morte”. Doravante, o referido diploma trata de questões relativas à morte sem a presença física de um cadáver, ao que se chama de ausência, mediante morte presumida, podendo ocorrer sem a necessidade da declaração de ausência em certas situações concretas, embora presumidas hipoteticamente pelo legislador.
Assim, a morte do ponto de vista legal, põe termo às relações jurídicas firmadas com a existência da personalidade, ou seja, a partir do momento em que se constata o nascimento com vida, ainda que por uma fração de segundo. Essa situação é identificada aplicando-se o método científico denominado de “docimasia”, que foi desenvolvido pelo grego nominado de Galeno, por meio do qual são retirados os pulmões do recém-nascido, colocando-se, cada um deles, dentro de um recipiente com água. Se flutuar, comprova-se que o recém-nascido respirou e, se repousar sobre o fundo do recipiente, terá nascido já sem vida, ao que se chama de natimorto.
É de grande relevância essa identificação, pois, o ser nascido vivo e que morre logo em seguida ou algum tempo depois, adquire personalidade civil e, assim, adquire direitos, como, por exemplo, o de ter nome mediante lavratura do registro de nascimento, embora, em razão do seu óbito, tenha que se lavrar o respectivo registro. Aquele, todavia, que nasceu morto, não adquire personalidade civil. Logo, nos termos do que se encontra previsto no artigo 2º, do Código Civil vigente, não é possível atribuir-lhe nome e assim os demais elementos que constariam do seu registro de nascimento, se vida tivesse.
O § 1º, do artigo 53, da Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, - Lei dos Registros Públicos - afirma que o registro do natimorto será feito utilizando-se, no entanto, apenas das seguintes expressões: “com os elementos que couberem”, não havendo qualquer outro acréscimo ou referência a nenhum outro dado que deva constar do respectivo registro.
Porém, há alguns julgados em nossa jurisprudência em que, alguns Magistrados, autorizam o registro de nascimento com atribuição de nome e todos os demais dados inseridos no respectivo registro, sendo do nosso entendimento que essa situação decorre de uma questão mais humanitária que propriamente jurídica. No entanto, encontra-se em tramitação no Congresso Nacional projeto de lei que autoriza o registro de nascimento, com todos os seus elementos, destinado ao natimorto, mesmo que não seja adquirida a personalidade civil.
Todavia, em nome da proteção dos direitos da personalidade do nascituro, foi aprovada disposição expressa, por ocasião da realização da I Jornada de Direito Civil, de iniciativa do Conselho da Justiça Federal, em setembro de 2002, autorizando a atribuição de nome, imagem e sepultura ao natimorto .
Em Minas Gerais, no novel Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça Estadual, por meio do Provimento n. 260, de 18 de outubro de 2013, no seu TÍTULO V - DO REGISTRO DE NASCIMENTO - CAPÍTULO I - DISPOSIÇÕES INICIAIS - artigo 439 - dispondo a respeito do registro do natimorto, determinando seja lavrado no Livro "C Auxiliar", de registro de natimortos. Daí concluir-se, por óbvio e evidente, que não haverá de se autorizar o registro de nome ao natimorto.
Esse também tem sido o entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais , mediante vários acórdãos que podem ser compilados.

3 - DISTINÇÃO ENTRE ESTERILIDADE X INFERTILIDADE

Há algum tipo de confusão entre esterilidade e infertilidade, do ponto de vista dos cidadãos comuns, não acostumados ao convívio técnico-científico de certas terminologias. Por isso mesmo, pode-se afirmar que alguns conceitos confusos são formados a respeito de questões que são absolutamente técnicas. Assim, destoam do conhecimento comum dos seres humanos, havendo necessidade, pois, de se ajustar ao que seja, efetivamente, correto, segundo as normas técnicas. Aplicados os conceitos aos casos concretos, podem ser adotados para efeito de distinção entre os vários pontos de divergência na esfera do conhecimento comum.
Para tanto, há expressa necessidade de se estabelecer, de modo correto, os conceitos, sob o prisma técnico, do que vem a ser “infertilidade” e “esterilidade”.

3.1 - CONCEITO DE INFERTILIDADE
A “infertilidade é definida como sendo a incapacidade de um casal para alcançar a concepção ou levar uma concepção a termo após um ano ou mais de relações sexuais regulares, sem proteção contraceptiva”. Isto acontece porque só ao final de um ano de relações sexuais regulares desprotegidas é que a probabilidade de um casal conceber um filho é de 100%, porque esta probabilidade é calculada mensalmente e acumula ao longo dos meses, chegando aproximadamente aos 100% ao fim dos 12 meses” .
No que se refere à infertilidade conjugal, encontramos:
“Considera-se infertilidade conjugal quando não surge uma gravidez após um ano de exposição ao coito, em casal sexualmente ativo e sem uso de métodos anticonceptivos (Larsen, 2005). A infertilidade é primária quando não se pode confirmar a existência prévia de alguma gestação e secundária quando há registro confiável de pelo menos uma gravidez no passado. O conceito que estabelece o período de um ano é controverso porque a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (Rosenfield & Fathalla, 1990) considera infértil a união que não resulta em gravidez após dois anos sem uso de anticoncepção e prática de vida sexual ativa. Por outro lado, em alguns casos, um ano pode ser um tempo demasiado longo para caracterizar uma infertilidade, como diante de uma idade materna avançada ou diagnóstico prévio de alguma enfermidade impeditiva de concepção. Reserva-se, hoje, o termo esterilidade conjugal para aquelas condições nas quais existe uma causa que impede de modo definitivo a obtenção de uma gravidez” .

3.2 - CONCEITO DE ESTERILIDADE

Já o conceito de esterilidade resulta na “incapacidade para conceber. Si essa incapacidade não é para conceber, mas para conduzir a prenhez até o nascimento de feto vivo e viável, dá-se o nome de infertilidade. Si tão simples é o conceito biológico da esterilidade, já o é menos o seu conceito clínico, porisso que a aptidão para conceber varia de indivíduo a indivíduo. Entre três mulheres, em condições mais ou menos idênticas, enquanto uma concebe anualmente, a segunda o faz cada 2 anos, e a terceira, cada três ou quatro. E são todas fecundas. Na mesma mulher, a capacidade para procrear, varia e se condiciona a influências de clima, de alimentação, de profissão, etc.” . (ortografia vigente à época da edição).

4 - REPRODUÇÃO ASSISTIDA

Sabe-se que a reprodução humana assistida tem por método a intervenção do homem no processo de procriação natural. Visa, especificamente, que pessoas que têm identificada alguma dificuldade de infertilidade e esterilidade consigam alcançar a maternidade ou a paternidade que, antes, todavia, por si mesmos, não teriam conseguido atingi-la em virtude de alguma espécie de problema de ordem física ou psíquica.

4.1 – HISTÓRICO

Historicamente falando, tem-se conhecimento de que a primeira tentativa para efeito de se alcançar resultados positivos quanto à reprodução assistida, ocorreu entre os árabes que se utilizaram do método em éguas, sem uma informação mais precisa quanto ao êxito de sua utilização.
Mais tarde, em 1779, ocorreu, pela primeira vez, a aplicação da técnica de inseminação artificial. Um monge italiano, de nome Lázaro Spallanzani, conseguiu demonstrar a possibilidade de se promover a fecundação de uma fêmea, sem qualquer tipo de contato físico com o respectivo macho. Foi colhido o sêmen de um cachorro, aplicando-o em uma cadela no cio, nascendo, a partir daí, três (03) filhotes.
Nos anos de 1912 e 1949, pesquisadores russos e ingleses enveredaram-se nas mesmas bases de pesquisas e obtiveram grande êxito, cabendo a estes últimos a descoberta de técnicas de armazenamento e conservação de espermatozóides por longo tempo, valendo-se do nitrogênio líquido, podendo ser empregados mediante conservação por tempo indefinido, dando margem ao grande comércio de sêmen.
No Brasil essa técnica foi utilizada a partir de 1940, tendo, de fato, alcançado êxito a partir de 1970, com o surgimento das primeiras empresas nesse ramo de atividade comercial .
Quanto à utilização de métodos de reprodução assistida em humanos, há relatos de que no final dos anos de 1700, teria ocorrido a primeira inseminação artificial realizada em uma mulher com sêmen de seu marido e daí por diante vários outros casos de experimentos bem sucedidos vieram à tona, de modo que em 1978 nasceu a primeira criança com fertilização in vitro, na Inglaterra; em 1983, nasceu a primeira criança mediante utilização de óvulos doados, com utilização da técnica de embriões congelados e, em 1992, a primeira ocorrência de gravidez mediante uso de injeção de espermatozóide diretamente no óvulo.

5 - INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL

A palavra inseminação provém do latim in + semirare, que quer dizer inseminar, ou seja, usar a semente (espermatozóide) mediante método artificial. Trata-se de um “feito com arte”, de modo a alcançar o resultado inseminação, isto é, promover, por método diverso da conjunção carnal, o encontro entre os gametas masculino e feminino, de modo a se permitir ou alcançar a gravidez e até mesmo o ciclo gestacional. Permite-se, ao final, o nascimento de um ser vivo, uma criança, nascida, assim, de mulher.
Há algumas técnicas específicas para efeito de se realizar a inseminação artificial, empregando-se técnicas distintas, quais sejam:
a – inseminação artificial intravaginal;
b – inseminação artificial intrauterina;
c – inseminação artificial intraperitoneal; e
d – inseminação artificial intratubária.
A técnica da inseminação assistida “é relativamente simples e consiste na introdução do esperma na vagina, por meio de uma cânula. É a técnica mais antiga, que teve um longo processo de desenvolvimento e não causou grandes polêmicas desde que foi desenvolvida” .
De fato, existem dois (02) métodos distintos passíveis de utilização pelos profissionais da área de genética, de modo a se permitir o êxito que todo casal com dificuldades de engravidar pretende alcançar. O primeiro deles, aqui abordado, é o da inseminação homóloga, em que o material genético – óvulo e espermatozóide – a ser utilizado nessa metodologia, pertence ao próprio casal – marido e mulher, conviventes ou concubinos.
O outro método é a inseminação heteróloga, em que o material genético – óvulo e espermatozóide – pode não pertencer ao casal – isto é, pode ser objeto de doação por terceiros que não qualquer dos dois cônjuges – marido e mulher e, conviventes ou concubinos.

5.1 – CONCEITO DE INSEMINAÇÃO HOMÓLOGA

Na hipótese de inseminação homóloga, o casal se dispõe a submeter-se a um tipo específico de tratamento, para suprir a deficiência da mulher enquanto não consiga se engravidar, porque não consegue produzir óvulos capazes de serem fecundados pelo espermatozóide do marido.
De outro lado, também é possível utilizar-se dessa técnica para efeito de suprir essa deficiência de parte do marido, quanto à produção insuficiente de espermatozóides para efeito de alcançar a fecundação do óvulo feminino, seja ou não de sua esposa, convivente ou concubina.
Isso porque, a princípio e nessa hipótese em específico, o casal não conseguiu produzir o resultado gravidez. Por isso mesmo, está se buscando uma alternativa capaz de lhes proporcionar o engravidamento, a ponto de se valerem de métodos científicos e não naturais, para efeito de gerar o resultado gravidez, visando levar a termo a gestação com o nascimento de uma criança, que seja fruto da utilização do material genético oriundo do próprio casal.
Essa é a hipótese de gravidez que decorre da inseminação homóloga, em que os cônjuges, unidos pelo matrimônio, pela união estável ou concubinato, decidem pela busca de um método capaz de lhes permitir experimentar a maternidade e paternidade com seu próprio material genético. Recebem, nessa hipótese, apenas uma espécie de “contribuição” externa no que respeita à própria fecundação e implantação do óvulo já fecundado no útero da mulher para efeito de prosseguir-se nas etapas subsequentes da gravidez.

5.2 – CONCEITO DE INSEMINAÇÃO HETERÓLOGA
Quando se trata de inseminação heteróloga, tem-se que um dos dois (2) cônjuges, conviventes ou concubinos possui dificuldades para efeito de se alcançar o resultado gravidez. Isso pode ser consequência de infertilidade de qualquer deles.
Para tanto, entra em cena terceira pessoa, homem ou mulher, dependendo do caso concreto, para efeito de se estabelecer uma doação em favor do propósito almejado, em nível de se viabilizar a gravidez que é o objetivo último mediante o qual será viabilizada a gestação e consequente nascimento de uma criança.
O fato é que, no Brasil, inexiste qualquer tipo de regulamentação, de caráter formal, que seja proveniente do devido processo legislativo, que trate da matéria de modo a trazer certa garantia de que o banco de sêmen seja confiável. Essa confiabilidade decorre da necessidade de se buscar informações que assegurem que o doador ou doadores tenham sido identificados por ocasião do próprio ato de doar. Também pode ser necessário até mesmo e, sobretudo quando, no futuro, seja necessário por razões as mais variadas, para efeito de se buscar a sua identificação para ministrar tratamento adequado e compatível com doenças que podem ser diagnosticadas na pessoa gerada por força do emprego do método de inseminação heteróloga e que tenham origem genética.
Tantas são as possibilidades de ocorrência de situações específicas e concretas no sentido de que não se pode desconsiderar, de modo algum, algumas das muitas chances que, apenas algumas poucas serão enumeradas neste trabalho, por ora:
a – atentado moral em razão da prática do adultério casto de parte do doador e receptor do material genético a influir na concepção de uma pessoa fruto de relacionamento entre pessoas diversas do doador e receptor;
b - complexos problemas de ordem jurídica;
c – ausência de legislação sobre a matéria, obedecido ao princípio da reserva de lei formal, regulamentando e dispondo sobre toda a extensão do conteúdo em análise;
d – busca da origem genética por parte da pessoa que vier a nascer em decorrência desse método de concepção;
e – anonimato dos doadores de gametas em conflito com disposição constitucional e infraconstitucional;
f – dignidade da pessoa humana nascida desse método conceptivo;
g – direito fundamental à identidade genética de parte da pessoa nascida por meio desse método de inseminação;
h – conflito entre a Resolução n. 1957/2010, do Conselho Federal de Medicina e a Constituição da República, de 1988;
i – análise da questão constitucional e infraconstitucional à luz da jurisprudência de nossos Tribunais;
j – possibilidade de incesto em decorrência do casamento entre irmãos, frutos desse método de concepção, dada a inobservância dos impedimentos matrimoniais estabelecidos no Código Civil, nos seus artigos 1.521 e seguintes;
k – rejeição, de parte da pessoa gerada por esse sistema de inseminação, dos pais sócio-afetivos;
l – investigação da paternidade por iniciativa da própria pessoa gerada por esse método, buscando conhecer sua origem genética, ainda que por absoluto (des)interesse de ordem material;
m – prática do ilícito penal de falsidade ideológica, de natureza permanente, a partir do momento em que se procedeu ao registro de nascimento da criança concebida sob o método da inseminação heteróloga.
Discorreremos, doravante, sobre cada uma dessas hipóteses específicas, visando dar uma compreensão a respeito da efetiva possibilidade de sua ocorrência, não se tratando de cada uma delas apenas sob o prisma da ficção. Na verdade, as chances de sua ocorrência são efetivas e, por isso, devem ser consideradas, individualmente.

5.3 – AS DIVERSAS CONSEQUÊNCIAS EM RAZÃO DA CONCEPÇÃO E NASCIMENTO SOB O MÉTODO DA INSEMINAÇÃO HETERÓLOGA
5.3.1 – ATENTADO MORAL EM RAZÃO DA PRÁTICA DO ADULTÉRIO CASTO DE PARTE DO(A) DOADOR(A) E RECEPTOR(A) DO MATERIAL GENÉTICO A INFLUIR NA CONCEPÇÃO DE UMA CRIANÇA FRUTO DE RELACIONAMENTO ENTRE PESSOAS DIVERSAS DO(A) DOADOR(A) E RECEPTOR(A)
O que deve, de fato, chamar a atenção para esse tipo de realidade, é a ingerência de um tercius no relacionamento do casal, seja de ordem conjugal por força do casamento regular, dos conviventes em nível de união estável ou, ainda, dos concubinos, em razão de concubinato para efeito de se receber o material genético de que necessitam por força de suas próprias debilidades funcionais de reprodução. O resultado dessa intervenção será o que se chama de adultério casto, ou seja, um tipo de adultério em que não ocorrerá, por óbvio, o contato físico ou sexual entre o doador com aquele ou aquela que receberá o material que lhe será “doado” visando completar o ciclo de fecundação mediante a intervenção de quem fará a manipulação do respectivo material genético objeto da doação.
Isto porque e é bom que se diga que o adultério não ocorre apenas e tão somente por meio e mediante o contato físico ou sexual entre pessoas que, se casadas, dispõem-se à sua prática por razões apenas de atração física ou por mera “casualidade”.
O fato é que a manipulação desse material genético recebido em doação, ainda que tenha o único e exclusivo propósito de permitir a fecundação de um óvulo ou mais óvulos, como normalmente acontece para efeito de se garantir o seu implante no útero da mãe - ainda que não seja aquela que, efetivamente, seja a mãe da criança que haverá de nascer. Considera-se, para tanto, nessa hipótese, a conhecida “barriga de aluguel” – mesmo assim, a criança gerada dessa fecundação não será fruto do relacionamento conjugal entre marido e mulher, entre conviventes por força de união estável ou de concubinos, por meio do concubinato.
Haverá, sim, e isso é inequívoco, a intervenção de um tercius, repita-se, nesse relacionamento e, consequentemente, produzirá o nominado adultério casto, porque se trata de um terceiro que não integra o relacionamento entre o casal por qualquer de suas formas de convivência autorizadas pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Redarguir-se-ia, por outro viés, que o artigo 1.597, incisos I a IV, do Código Civil Brasileiro, excluiria qualquer possibilidade de argumentação nesse sentido – ocorrência de adultério casto. No entanto, não nos esqueçamos de que o referido dispositivo traz em sua redação e é a primeira palavra do seu texto, como forma de abrir a sua disposição legal, o vocábulo “presumem-se” .
Note-se, por óbvio e evidente, que o vocábulo “presumir”, originário do latim praesumo-ere, na condição de verbo transitivo, significa “julgar segundo certas probabilidades, conjecturar, entender, supor, imaginar” e, como verbo transitivo pronominal “ter presunção, ter-se em conta”. Isso quer indicar e, efetivamente indica, de modo incontestável, que se trata de mera probabilidade, já que não se tem uma situação constituída da qual decorra a certeza absoluta e irrefragável de que o marido seja, com absoluta certeza, o pai dos filhos que tenham nascido cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal. Também se encontram sob tais circunstâncias em relação àqueles filhos havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; daqueles filhos havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga e, finalmente, daqueles filhos havidos por inseminação artificial heteróloga , desde que tenha prévia autorização do marido.
Ora, a hipótese tratada no inciso I, do artigo 1.597, do Código Civil, refere-se à presunção estabelecida quanto à possibilidade dos filhos serem do marido quando tiverem nascido a cento e oitenta (180) dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal. Isso quer dizer, filho que nasceu nas proximidades dos seis (06) meses de vida intrauterina, ou seja, nasceu prematuramente, já que esse lapso temporal é mínimo para efeito de se obter êxito na gestação, a ponto de assegurar que o feto possa sobreviver depois de nascido.
Essa situação exige que tenha havido todo um conjunto de circunstâncias favoráveis a que se lhe proporcione os meios hospitalares próprios e específicos de uma unidade de terapia intensiva neonatal para que todos os cuidados sejam-lhe dispensados a proporcionar-lhe as chances efetivas de concluir o ciclo gestacional extrauterino. Referimo-nos, pois, ao desenvolvimento de todo o seu organismo fora do útero materno e, assim, finalmente, para que possa sobreviver em condições que lhe seriam absolutamente adversas em razão de não se encontrar onde deveria, ou seja, no ventre da gestante.
Na hipótese de que trata o inciso II, do mesmo dispositivo – art. 1.597 – cuida-se da presunção de que os filhos do marido havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que ele, marido, já tenha falecido. Isso implica afirmar que houve utilização de material genético do marido depois de seu falecimento. Há afirmação de alguns doutrinadores no sentido de que, nessa hipótese, deveria o marido ter deixado autorização escrita, talvez, até por testamento, para efeito de se poder utilizar, validamente, desse material genético, visando promover a fecundação artificial homóloga, para que fosse gerado o filho ao casal, ainda que post mortem, em relação ao marido, por óbvio.
Não se pode descurar do fato de que, em não havendo a autorização do marido e, tratando-se de casal unido pelo regime da separação total de bens, seria de todo conveniente para a mulher que, não tendo sido contemplada por qualquer tipo de benefício de parte do marido, seja em vida, seja por meio de testamento. É claro que esse testamento poderia ser contestado em Juízo; todavia, o filho nascido desse tipo de manipulação genética traria para sua mãe certo “conforto” do qual ela não poderia transigir diante desse contexto fático. É a lógica pragmática que campeia nos dias em que vivemos...
Ao se referir ao inciso III, do mesmo artigo 1.597, o Código Civil trata dos filhos do marido, havidos a qualquer tempo, referindo-se expressamente aos embriões excedentários e decorrentes de concepção artificial homóloga. Isso quer dizer, daqueles embriões que foram fecundados artificialmente, com material genético do marido e que não foram implantados no útero materno. Desse modo, resta inequívoco que a preservação do material genético mediante cuidados próprios que a ciência desenvolveu, permite presumir que esses embriões podem ser utilizados a qualquer tempo, porque decorrentes de concepção artificial homóloga, isto é, entre o próprio casal.
É inconteste o seguinte argumento em relação a esses três (03) primeiros incisos: qualquer dúvida em relação à verdadeira e legítima paternidade poderia ser resolvida mediante a realização de exame de DNA. É evidente que esse exame somente poderia ser levado a efeito depois de nascida a criança advinda da utilização dos respectivos materiais genéticos, do marido e da esposa, dispensando-se qualquer tipo de questionamento sobre a quaestio factis.
Por fim, a hipótese segura e efetivamente tormentosa decorre da disposição constante do inciso IV, do artigo 1.597, do Código Civil, verbo ad verbum:

“Art. 1.597 - Presumem-se filhos do marido:
IV - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido”.

O texto em pauta busca, com a devida vênia aos doutos entendimentos em sentido contrário, excluir qualquer possibilidade de insurgência de parte do marido com relação à configuração do adultério casto. E para isso, valeu-se o legislador da figura da “prévia autorização do marido”, como se isso tivesse o condão de excluir a caracterização da figura do adultério casto.
A sua ocorrência é inequívoca e decorre, a toda prova e evidência, pelo simples fato de que houve a prática da inseminação heteróloga pela incontestável figura do filho ou filhos daí advindos. Essa afirmativa é fruto exatamente da incapacidade ou debilidade de qualquer dos cônjuges em produzir material genético suficiente ou hábil à fertilização/fecundação pelos métodos que a própria natureza criada por Deus estabeleceu. Se fosse suficiente à produção do efeito gravidez por meio de relacionamento sexual adequado à obtenção do resultado pretendido pelo casal, ocorreria a concepção e consequente nascimento de filho ou filha, após o ciclo gestacional.
É de se observar, ainda, que o legislador adotou a figura da autorização prévia do marido. Talvez, salvo engano, tenha se olvidado de que também a mulher pudesse ser estéril, e não apenas o marido, já que a autorização a que se refere o texto legal deva ser originada dele, marido. E se a esterilidade for da mulher? Ela também não deveria autorizar a utilização de material genético que não o dela, para que fosse fecundado com o sêmen do marido? Não haveria aí, igualmente, a figura do adultério casto por envolver outra mulher nesse relacionamento in vitro entre o marido e uma outra mulher? Para um Código que adota, logo no seu primeiro artigo, a alocução de que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”, exatamente para fugir da acepção patriarcal do Código de 1916, que empregava a redação de que “todo homem é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. Não podemos ainda olvidar quanto à igualdade constitucional estabelecida entre o homem e a mulher, entre o ma rido e a esposa, etc. etc.
Resta, aí, uma séria dúvida que exsurge da possibilidade de a esposa ser estéril ou que tenha dificuldade de produzir óvulos em quantidade suficiente à fecundação por processo natural, o que é admitido amplamente pela literatura médica, segundo vasta pesquisa levada a efeito antes da elaboração deste trabalho. Por isso mesmo, é necessário doação de óvulo por outra mulher para que seja passível de fecundação mediante manipulação com o sêmen do marido para, ao depois, ser implantado no útero da esposa, de modo que ela possa prosseguir no processo gestacional até sua conclusão final.
Mas, a Bíblia Sagrada, no Evangelho de Mateus, capítulo 5, versículos 27 e 28, traz a narrativa de Jesus Cristo ao proferir o Sermão da Montanha. Fica explícito e expresso, no Texto Sagrado, quando o próprio Cristo afirma o seguinte:
“Ouvistes que foi dito: Não adulterarás. Eu, porém, vos digo: qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração, já adulterou com ela”.
É de se frisar que a ênfase a esse tipo de transgressão foi feita especialmente por Cristo no Sermão do Monte ou, da Montanha. Ele julgou culpado o homem que simplesmente olha para uma mulher com intenção impura no coração, porque, a essa altura, já adulterou com ela.
Deve-se, observar, ainda, o fato de que o homem e a mulher unidos pelo casamento formaram uma só carne e, consequentemente, não podem se expor a uma situação em que permitam a intervenção de um terceiro no seu relacionamento conjugal, sobretudo, para efeito de permitir que a herança do Senhor, ou seja, os filhos (Salmo 127:3 ), seja maculada e padeça da maldade humana por meio da prática pecaminosa do adultério. Esclareça-se: adultério não é simplesmente a prática do ato sexual entre duas pessoas proibidas para o casamento. Extrapola-se, em muito, esse conceito físico.
O motivo é que, os filhos são, literalmente, “o fruto do ventre”. É de se ver que “o Salmista concentra-se nos filhos homens, uma vez que estes, na sua cultura, poderiam suprir as necessidades dos pais e assegurar o tratamento adequado para eles na velhice. Não obstante, na segunda parte do versículo, ele inclui todos os filhos, tanto homens como mulheres” .
No entanto, existem muitas outras situações que agravam e complicam, imensamente, a intervenção desse tercius no relacionamento conjugal, as quais serão tratadas oportunamente neste trabalho.

5.3.2 - COMPLEXOS PROBLEMAS DE ORDEM JURÍDICA

Existem ainda muitos e graves problemas de ordem jurídica que a legislação brasileira provocou a partir do momento em que se estabeleceu a “presunção” da paternidade que se torna imputável ao marido, na forma estabelecida no artigo 1.597 e incisos do Código Civil Brasileiro, de 2002.
O fato é que diante da redação do referido dispositivo legal há possibilidade efetiva de ocorrer uma série de imbróglios que a Comissão Elaboradora do mencionado diploma legal, ou não previu, ou não conseguiu prever, ou, se previu, não encontrou solução para ela, deixando que o tempo se incumbisse de resolver os casos que fossem surgindo ao longo de sua vigência. Isso implica afirmar, por evidente que, ao Judiciário, foram entregues tais questões, submetendo-as à apreciação dos Juízes de primeiro grau e assim por diante, até alcançar os Tribunais Superiores deste País.
Todavia, não se pode olvidar que a Ciência, tomada em sua acepção genérica, está muito à frente do avanço do Direito e, por isso mesmo, existem situações em que certos regramentos não se coadunam com o próprio avanço científico. As relações sociais são dinâmicas e é necessário o decurso de anos e anos para que seja possível o alcance de soluções para situações que tais.
É fato que para o legislador constituinte originário existe um limite que atua como se fosse uma barreira a impedir que ele esteja totalmente à vontade para estabelecer uma nova ordem constitucional e, a seu turno, para o legislador infraconstitucional, tal situação não é diferente. Existem, pois, para um e para outro, dentro de seus respectivos campos de atuação, limites sob os quais estarão sempre submetidos devido à existência de fatores que precisam, imperativamente, serem observados. Podemos mencionar, apenas à guisa de exemplo, a questão relativa ao Direito Natural, os princípios que permitiram a elaboração dos Direitos Humanos, dos Direitos Fundamentais, da Soberania Nacional, dentre tantos outros.
Para a Ciência, também a seu turno, há limites que não podem ser ultrapassados sem uma avaliação prévia das consequências que podem advir em caso de sua inobservância. Isso tem sido muito frequente quando “o homem resolve brincar de Deus” e, assim, estabelece princípios próprios e age a partir deles, de modo que a sua vaidade ínsita em seu ser, passa a conduzir os seus atos como se não houvesse qualquer referencial para o seu agir. Basta mencionar a própria manipulação genética, por meio da qual tanto pode ser alvo de solução para diversos tipos de enfermidade, como a pesquisa com células tronco, como também produzir situações que trazem deformação genética, exigindo, igualmente, intervenção posterior para efeito de se desfazer o “equívoco”.
Isso é extremamente grave quando, em se tratando da manipulação genética, vimos ocorrer no Brasil, no ano de 1990, quando nasceu em Canoas, no Rio Grande do Sul, o menino T., filho de A. R. S. e D. C. S. Cumpre informar que T. era loiro e de olhos verdes, e com isso provocou uma gravíssima crise em sua família, eis que seus pais eram negros .
Em se tratando de uma situação em que o marido era estéril, cuidaram de fazer uma inseminação artificial heteróloga. Todavia, antes que o processo de inseminação artificial heteróloga ocorresse, pediram à clínica de fertilidade que o esperma a ser utilizado fosse obtido de parte de um homem negro, por razões as mais óbvias. Com o nascimento do pequeno T., que em nada contribuiu para a ocorrência desse trágico “equívoco”, seguiu-se uma grave discussão judicial com o laboratório.
O fato é que o pai sócio-afetivo de T. buscou dar cabo da própria vida, tentando o suicídio. Sua esposa foi internada numa unidade de terapia intensiva, com crise de hipertensão. E depois de instalado o drama, as pessoas prosseguiram em suas vidas, mas, numa situação de difícil resolução para esse dilema sem fim, considerando que a criança vai crescer, vai constatar, por óbvio as suas diferenças e, assim, tomar conhecimento de sua origem dramática e levar consigo, por toda a vida, essa história de grande repercussão...
Apesar de se ter empreendido todos os meios possíveis de buscas, não se obteve êxito para o efeito de se alcançar o resultado do litígio judicial instaurado entre as partes litigantes. Mas, diante do contexto, é possível avaliar as consequências dessa situação, sendo certo que, em termos matemáticos, essa criança, hoje, conta com aproximadamente 25 anos de idade.
De outro lado, devemos ainda levar em consideração a possibilidade de ocorrer que o material genético de um(a) doador(a) tenha sido utilizado em várias pessoas, e, isso, pode proporcionar o nascimento de várias pessoas em ocasiões e locais distintos, de modo que, no futuro, é plenamente possível que, em virtude de mudança de endereço, de cidade ou Estado e, até mesmo de País e, por que não, essas pessoas nascidas por meio desse método de reprodução assistida venham a se encontrar e, assim, possam se relacionar e até mesmo virem a se unir pelo matrimônio ou não, mas, em virtude até de um relacionamento eventual, gerarem filhos.
Essa possibilidade é absolutamente viável e, consequentemente, estarão, sem conhecer a sua origem. Poderão estar quebrando a proibição inserta no artigo 1.521, do Código Civil Brasileiro, que trata da questão relativa aos impedimentos para o casamento. Se isso vier a ocorrer, praticarão o incesto, que é exatamente o relacionamento sexual entre parentes consanguíneos e, especificamente, aqueles enumerados no seu inciso IV, que trata dos irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau, inclusive .
Não podemos, ainda, excluir situações tão graves quanto a que foi mencionada no parágrafo anterior, como a que se encontra prevista nos artigos 1.600 a 1.604, todos do Código Civil Brasileiro, mediante uma combinação de circunstâncias entrelaçadas nesses artigos. É expresso o diploma legal em epígrafe quando afirma que não basta o adultério da mulher, mesmo que confesso, para efeito de excluir a presunção legal da paternidade daquele a quem se lhe foi imputada e admitida. A seu turno, o marido tem o direito de contestar a paternidade dos filhos que lhe foram nascidos do relacionamento com sua mulher, sendo passível de impugnação mediante ação própria, que tem caráter de imprescritibilidade. No entanto, uma vez contestada a filiação e, se eventualmente o marido vier a falecer no seu curso, os seus herdeiros têm assegurado o direito de prosseguir na sua tramitação até final decisão transitada em julgado. É de se trazer à baila que não é suficiente à exclusão da parte a simples confissão paterna. Logo, é de todo preciso afirmar que o exame de DNA é prova indispensável à comprovação da paternidade questionada.
Não fosse isso o bastante, esse mesmo exame de DNA, comprovando a inexistência da paternidade atribuída ao suposto pai, é perfeitamente possível concluir da existência do crime de falsidade ideológica, de natureza permanente, comprovado o erro ou a falsidade do respectivo registro. Como se trata de documento público, com natureza de crime permanente, a pena de reclusão varia de um (01) a cinco (05) anos. Exemplo claro e inequívoco dessa realidade é o caso dos meninos Pedrinho e Jamilly, que foram sequestrados ainda bebês pela Sra. Vilma Martins, no Estado de Goiás e registrados como seus filhos, o que veio à tona recentemente. Frise-se que Pedrinho preferiu os pais biológicos, ao passo que Jamilly preferiu ficar com a Sra. Vilma Martins, segundo amplamente noticiado pela imprensa nacional e internacional.
Não podemos ainda olvidar que somente ao nascido por meio da reprodução assistida cabe reclamar estado contrário do que resulta de seu registro de nascimento, exceto se provar o erro ou falsidade do respectivo registro. Todavia, se iniciada a ação pelo filho e não concluída ainda quando vivo, os seus herdeiros poderão prosseguir até final decisão com o seu trânsito em julgado, à exceção da extinção do processo, porque a pretensão nele deduzida refere-se a direito personalíssimo, intransmissível e irrenunciável, na dicção do artigo 11, do mesmo diploma de direito privado. É do que se trata o artigo 1.606 e seu parágrafo único, do Código Civil .

5.3.3 – AUSÊNCIA DE LEGISLAÇÃO SOBRE A MATÉRIA EM OBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI FORMAL, REGULAMENTANDO E DISPONDO SOBRE TODA A EXTENSÃO DO CONTEÚDO EM ANÁLISE
No Brasil, como de resto em vários outros aspectos do nosso ordenamento jurídico, exempli gratia, a união homossexual, em que o Congrego Brasileiro há mais de vinte (20) anos tem em suas mãos um projeto de lei que trata do assunto, chegando a matéria à apreciação do Supremo Tribunal Federal que, então, sob o rótulo de ativismo judicial que, na prática, leia-se omissão do Legislativo Brasileiro, decidiu a matéria e foi muito além, segundo alguns, de sua competência jurisdicional.
Essa questão relativa aos métodos de inseminação artificial encontra-se igualmente submetida à apreciação do Poder Legislativo Brasileiro há vários anos. Até onde se tem conhecimento, nenhuma iniciativa avançou no sentido de se concluir o processo legislativo por meio do qual seria possível tratar-se do assunto sob o prisma de uma lei específica, em que se atendesse ao princípio constitucional da reserva de lei formal.
Temos, na verdade, entre nós, como único regramento que trata da matéria, a Resolução de n. 1.957, de 2010, em que são proibidos o conhecimento de parte dos doadores e receptores, reciprocamente - artigo. 2º -, ao passo que o seu artigo 3º estabelece, peremptoriamente, o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões e assim dos seus receptores. Assegura apenas em caso de situações especiais as informações sobre os doadores, se por motivação de ordem médica, e, ainda assim, serem fornecidas exclusivamente para médicos se, resguardada a identidade civil do doador . O referido normativo de ordem interna para aplicação e submissão de parte dos filiados ao Conselho Federal de Medicina, não vincula terceiros que não integrem os seus quadros de organização e funcionamento. Isso não aconteceria, por óbvio, se houvesse uma legislação específica, elaborada sob o crivo do devido processo legislativo, em obediência, reitere-se, ao princípio constitucional da reserva de lei formal.
Diante desse contexto, a matéria fica ao nuto e alvedrio dos integrantes do Conselho Federal de Medicina, sem qualquer espécie de acompanhamento ou fiscalização quanto aos termos de sua aplicação. É crível e esperado que a Agência de Vigilância Sanitária – ANVISA e a própria Agência Nacional de Saúde – ANASA, procedam às fiscalizações de estilo perante as clínicas de fertilização e de aplicação dos métodos de reprodução assistida referidas na Resolução em apreço.

5.3.4 – BUSCA DA ORIGEM GENÉTICA POR PARTE DA PESSOA QUE VIER A NASCER EM DECORRÊNCIA DESSE MÉTODO DE CONCEPÇÃO; – ANONIMATO DOS DOADORES DE GAMETAS EM CONFLITO COM DISPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL; - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NASCIDA DESSE MÉTODO CONCEPTIVO
Outra questão que é de extremada importância e que entra em rota de colisão frontal com a citada Resolução 1957/2010, do Conselho Federal de Medicina, reside exatamente na proibição, de parte da referida entidade, de que seja conhecida a pessoa doadora de gametas e assim a receptora. Nesse particular, existe grave violação dos fundamentos que regem a ordem constitucional brasileira, especificamente o inciso III, do seu artigo 1º , bem como os objetivos fundamentais da República, insertos em seu artigo 3º, incisos I e IV , não desconsiderando, ainda, os direitos fundamentais expressamente escritos no artigo 5º , todos da mesma Constituição, de 1988.
É absolutamente seguro que a pessoa que for concebida sob a utilização desse método de reprodução assistida tem todo o direito de buscar investigar a sua origem genética, obter informações e conhecer o(a) doador(a) do respectivo material para efeito de identificá-lo, pelas razões mais variadas e, dentre elas, especificamente, conhecer o seu pai ou a sua mãe biológicos. Essa afirmativa decorre do próprio texto constitucional quando trata da cidadania e dignidade da pessoa humana (inciso III, do art. 1º), quando trata, igualmente, dos objetivos fundamentais da República nos incisos I e III, do seu artigo 3º e, assim, da isonomia constitucional (art. 5º, caput), bem como a respeito do princípio da legalidade, já que a Resolução n. 1957/2010 veda a obtenção de informações a respeito do(a) doador(a) do material genético utilizado no método utilizado para a reprodução assistida, pois, não se trata de lei em sentido formal à luz das exigências constitucionais, pois, em última anális e implica, na verdade em discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.
Deve-se levar em conta, também, o fato de que existe previsão constitucional expressa no que respeita à ausência de regulamentação sobre a matéria em enfoque, já que é da responsabilidade do Congresso Nacional legislar sobre essa temática. Existe para efeito de suprir essa lacuna no ordenamento jurídico brasileiro o mandado de injunção, por meio do qual compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, como guardião da Constituição da República, fixar prazo para que seja editada lei sobre essa matéria, se levada à sua apreciação essa postulação.
Não se pode ainda ignorar que o inciso LXXVII do mesmo artigo 5º, da CR/88, assegura a concessão de habeas data para que sejam prestadas informações contidas em banco de dados público ou privado e assim o direito de pedir as devidas anotações para efeito até mesmo de que sejam corrigidas pelo seu gestor .
Todos esses dispositivos estão a serviço do cidadão brasileiro e do estrangeiro que resida no Brasil. Logo, esse conteúdo da Resolução 1.957/2010, do Conselho Federal de Medicina está em flagrante conflito com a CR/88, não resistindo, pois, a um exame mínimo à luz das normas constitucionais acima elencadas, ressalvada a necessária vênia aos doutos entendimentos eventualmente suscitados em sentido contrário ao posicionamento adotado neste trabalho.
É evidente que em todos esses aspectos e fundamentos a pessoa nascida por qualquer dos métodos de reprodução assistida que implique em doação de gametas tem o pleno direito de investigar a sua origem genética, podendo inclusive optar pela sua paternidade/maternidade biológica em lugar da paternidade/maternidade sócio-afetiva. É indiscutível que, se assim lhe convier e sendo acolhida a sua pretensão em sede judicial, todos os seus dados pessoais serão lançados em seu registro de nascimento, por meio das respectivas retificações, dada a sua nova situação jurídica de filiação, com a mudança de seu sobrenome, paternidade/maternidade, e avoengos.
Em decorrência dessa mudança, tratando-se ou não a pretensão inicial de questões de ordem material, assim compreendida a matéria relativa à prestação alimentar, se ainda for o caso e, até mesmo sucessão, ocorrerá a inserção do seu nome no rol de herdeiros do(a) doador(a), pois, evidentemente, incluído que seja, as referidas pretensões são inafastáveis.
Essa questão encontra-se expressa na disposição constante do § 6º, do artigo 227, da Constituição Republicana, de 1988 .
Vê-se que o texto constitucional ao se referir aos filhos, sejam ou não provenientes do casamento, não importando, efetivamente, tenham sido concebidos por inseminação heteróloga e até mesmo por adoção, receberão os mesmos direitos e qualificações, porque são proibidas as designações discriminatórias relativas à filiação, como ocorria no passado ou em época anterior à lei do divórcio.
A título de informação, quando os pais eram casados apenas no “religioso”, sem a celebração do casamento no Serviço do Registro Civil, os filhos advindos desse casamento eram registrados com sob a designação de “filho natural de”, seguido tão somente do nome da mãe do(a) filho(a), dada a inexistência do casamento civil. Isso implicava, naturalmente, uma de duas providências cabíveis: dissolvida a sociedade conjugal do pai do(a) filho(a), cabia-lhe fazer o reconhecimento da paternidade, o que poderia ser levado a efeito mediante escritura pública, com a consequente averbação à margem do respectivo registro de nascimento ou, então, mediante ação de investigação de paternidade. Mas, essa ação somente poderia ser ajuizada após a dissolução da sociedade conjugal do pai investigado, o que era possível mediante o proferimento de sentença nos autos do “desquite”, que poderia ser por via consensual ou litigiosa. Era o que editava a Lei n. 883, de 21 de outubro de 1949 e, apesar das in cursões legislativas sobre o referido texto legal, ocorridas por meio da Lei n. 6.515, de 26 de dezembro de 1977 e depois pela Lei n. 7.250, de 14 de novembro de 1984, finalmente, foi revogada pela Lei n. 12.004, de 29 de julho de 2009.
Interessante notar que no texto da Lei n. 883, de 21 de outubro de 1949, em seu artigo 4º, o filho “ilegítimo” poderia acionar o pai, em segredo de justiça, assegurando-se-lhe o direito à certidão de todos os termos dos autos do processo. Mas, o seu parágrafo único estabelecia que em sendo dissolvida a sociedade conjugal do que foi condenado a prestar os alimentos, aquele que os obteve não precisava intentar a ação de investigação de paternidade para ser reconhecido; porém, cabia aos interessados o direito de impugnar a filiação. Esse dispositivo foi incluído pela Lei do Divórcio.
Não se pode olvidar, ainda, que nos termos do art. 2º da referida Lei n. 883/49, o filho que fosse reconhecido sob a sua vigência, para fins econômicos, teria o direito, a título de amparo social, a receber metade da herança que fosse atribuída ao filho legítimo ou legitimado, o que foi também alterado pela Lei do Divórcio, revogando-se essa disposição.
5.3.5 – DIREITO IMPRESCRITÍVEL DA PERSONALIDADE CIVIL – INVESTIGAÇÃO DA ORIGEM GENÉTICA – FUNDAMENTO DA REPÚBLICA BRASILEIRA – DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Observemos, ainda, que existe e persiste, de forma imprescritível, como direito à dignidade da pessoa humana, princípio insculpido na vigente ordem constitucional brasileira, como um dos fundamentos republicanos – dignidade da pessoa humana –. É de relevo frisar, ainda, como integrante do rol dos direitos da personalidade, trazendo ínsita a garantia da imprescritibilidade da pretensão de parte do ser nascido por intermédio do método de inseminação artificial heteróloga, de investigar sua origem genética.
É inequívoco que, diante do contexto em que foi gerado um ser humano a partir da inseminação heteróloga e, com o seu registro de nascimento constará, “equivocadamente”, o nome do seu pai ou da sua mãe, quando, de fato, efetivamente, um deles não se encontra nessa condição. Emergindo essa situação em determinando momento de sua existência, não poderá o Direito vigente negar-lhe o conhecer de sua identidade genética, assegurando-se-lhe, pois, a pretensão investigativa, para efeito de serem identificados, o seu pai ou sua mãe, conforme o caso concreto.
Para isso, em se tratando de direito de personalidade, já que nasceu com vida e assim adquiriu personalidade jurídica, faz jus à investigação de sua origem genética, donde então, de maneira segura e garantida pelo manto da imprescritibilidade, compete ao ser nascido sob essa modalidade de inseminação, investigar sua origem genética. É inequívoco que, com a necessária segurança e confiabilidade, será desfeito por sentença judicial, e percorrendo, se for o caso, as vias recursais ordinárias, o imbróglio a que se encontra submetido, apurando-se, efetivamente, a respeito de sua paternidade ou maternidade.
Ora, o ponto de partida para esse direito investigatório é sempre a ocorrência do adultério casto, pois, ocorreu a utilização de material genético de pessoa diversa e alheia ao relacionamento conjugal, portanto, entre o casal, marido e mulher, ou, ainda, entre os concubinos ou os conviventes, em se tratando de união estável. Logo, o ser nascido nessa circunstância tem todo o direito de buscar a identidade de sua origem genética.
Acrescenta-se, pois, um fator de maior complexidade nessa situação: a ausência de legislação regida pelo devido processo legislativo que implique na determinação de haver um banco de dados, confiável, por meio do qual se poderá, a qualquer tempo, obter-se a informação que assegure ao ser nascido nessa circunstância, a exata identificação do(a) doador(a) para efeito de se levar adiante a concretização do seu desiderato.
Poder-se-ia redarguir no sentido de que, se esse fato vier à tona apenas quando esse ser encontrar-se no ocaso de seus dias, e nunca tiver tomado conhecimento de qualquer fato que gravitou em torno da sua origem, tudo isso estaria coberto pela prescrição. No entanto, há situações em que a prescrição não alcança o exercício da pretensão e, essa é uma das hipóteses em que resta, de forma inequívoca e irrefragável, a garantia de que, pela imprescritibilidade, a pessoa tem o direito de investigar a sua origem genética, ainda que se passe século ou mais.
Essa afirmativa decorre da condição de ser humano nascido vivo e que adquiriu, em consequência, personalidade civil, com inquestionável reflexo na ordem jurídica vigente. Ainda que tenha apenas respirado por uma única vez e tenha isso restado comprovado, ele tornou-se um ser humano, titular de direitos havidos em decorrência da aquisição dos direitos da personalidade civil. Logo, se tiver deixado sucessores, a estes compete o direito de investigar a sua origem genética, partindo-se da premissa de que, nos termos de alguns julgados encontrados na jurisprudência pátria, assiste-lhe o direito a um registro de nascimento onde conste a sua filiação genética e, consequentemente, dos seus avoengos.
Pode-se decorrer, ainda, mesmo que in thesi, que os seus herdeiros tenham o interesse de identificar a origem genética do nascituro que faleceu pouco depois de nascido. Assim, poderão buscar a resposta por meio do acesso à prestação jurisdicional, porque se fizer constar do seu registro de nascimento a sua paternidade ou maternidade e, consequentemente, os avoengos respectivos, estaremos diante, inequivocamente, da prática do crime de falsidade ideológica que, nessa situação, tem caráter de crime permanente e, logo, alcançado pela imprescritibilidade.
A despeito disso, não fosse a imprescritibilidade penal, os herdeiros do nascituro têm o direito de identificar a sua origem genética, não apenas por uma questão moral, mas, também, por questões de ordem material, entenda-se, sucessão patrimonial quanto ao(à) doador(a) do material genético.
Essa questão relativa à busca da identidade genética tem sido apresentada à apreciação do Judiciário Brasileiro e já existem vários acórdãos que tratam da matéria, especialmente no Superior Tribunal de Justiça. Apenas à guisa de amostragem, vejamos a seguinte ementa:
“Os direitos da personalidade, entre eles o direito ao nome e ao conhecimento da origem genética são inalienáveis, vitalícios, intransmissíveis, extrapatrimoniais, irrenunciáveis, imprescritíveis e oponíveis erga omnes.
Em julgado proferido em 31/1/1989 e publicado no periódico jurídico NJW (Neue Juristische Woche) 1989, 891, o Tribunal Constitucional Alemão (BVerfG) afirmou que “os direitos da personalidade (Art. 2º § 1º e Art. 1º § 1º da Constituição Alemã) contemplam o direito ao conhecimento da própria origem genética”. (REsp 807849 / RJ - 2006/0003284-7
Relator(a)Ministra NANCY ANDRIGHI).
Vê-se, portanto, que é uma questão que transcende, em muito, o Direito Brasileiro que, por sua vez, tem se pautado em julgados alienígenas para efeito de dar sustentação a uma matéria que, até a vigência do Novo Código Civil, mesmo em havendo a ocorrência dos fatos sociais que autorizariam a prática do método conceptivo da inseminação heteróloga, inexistia, como ainda ocorre, o regramento legal correspondente a assegurar a ocorrência da hipótese do adultério casto que, mesmo apesar de sua prática, não tinha previsão legal expressa a respeito.

5.3.6 – O ADULTÉRIO CASTO SOB O PRISMA MORAL – A DISPOSIÇÃO DO ARTIGO 1.594, DO CÓDIGO CIVIL – AUTORIZAÇÃO, DO MARIDO(?) PARA A SUA PRÁTICA

É sabido e ressabido que o Novo Código Civil é fruto do Projeto de Lei n. 634-B, enviado ao Congresso Nacional no ano de 1974, logo, quando ainda sequer se pensava na nova ordem constitucional vigente a partir de 05 de outubro de 1988, ou seja, 14 anos de sua promulgação. O artigo 5º, previu, no inciso II, a igualdade entre homem e mulher, ou seja, entre cônjuges e, assim, por extensão, entre concubinos e conviventes, já que foram inseridas no capítulo relativo à família, o concubinato e a união estável como entidades familiares.
Nessa ordem de fatos e idéias, resta evidente, a não mais poder, que o Código Civil de 2002, foi submetido a um processo célere de aprovação e vigência, mediante sanção presidencial, por razões que, na hipótese sujeita, são pouco relevantes, mas que trouxe a sua vigência de maneira “urgente”, depois de quase 28 anos de tramitação no Congresso Nacional. O fato é que não houve “tempo suficiente” a que se identificasse em seu texto e contexto as muitas incongruências e, por que não, verdadeiros conflitos com a novel ordem constitucional, sobretudo, a que iguala marido e mulher, concubinos e conviventes, extinguindo-se o pátrio poder e transformando-o em poder familiar.
Logo, essa realidade entra em frontal rota de colisão com o artigo 1.594 e incisos, do Código Civil, que estabelece a necessidade de autorização, pelo marido, para que seja procedida a inseminação heteróloga como meio de se alcançar a fertilidade por intermédio da inseminação heteróloga. Isso nos mostra que o legislador infraconstitucional não atentou para o fato de que, seja de quem for a debilidade reprodutiva, não deveria ser apenas do marido a autorização para efeito de se adotar a inseminação heteróloga para efeito de se alcançar a concepção de um(a) filho(a), mas, de ambos os cônjuges, concubinos ou conviventes.
De outro lado, existe, ainda, uma situação extremamente importante e, naturalmente, grave, quando se trata do fato de que, sob o ponto de vista ético, moral, religioso, familiar, social, político, jurídico, etc. etc. etc., quando se exige autorização do outro para a prática de um ilícito conjugal – o adultério casto.
Ora, desde quando a autorização para a prática desse tipo de ilícito transporta-a para o campo da licitude, excluindo-a da agressão perpetrada contra a moralidade? Seria possível excluir todas as consequências advindas de sua concretização? E sob o prisma da “legalidade moral”, dentre outras, pelo simples fato de o “marido” haver anuído com a sua efetivação? E se a debilidade reprodutiva for da mulher, não haverá a intervenção de uma pessoa alheia à relação conjugal, concubinária ou decorrente de união estável para se pretender viabilizar a concepção e o nascimento de uma criança?
É fato inconteste que a vítima não pode autorizar que se lhe mate, porque isso não descriminalizaria a sua morte, tornando irresponsável o seu algoz, porque a morte em si mesma será homicídio, sempre. Ademais disso, há também outra situação: não se trata apenas das pessoas que se relacionam na condição conjugal, seja consequência do casamento, da relação concubinária ou de união estável. Refere-se à própria ordem social, ética, moral, religiosa, legal, política, filosófica, etc. et. etc., além do filho gerado, é claro.
A se admitir esse tipo de argumento, estaríamos diante de uma realidade em que todo homicida providenciaria, adredemente, a autorização de sua vítima para que pudesse matá-la impunemente. E isso não pode sequer ser cogitado em termos de vida humana em sociedade.
“A ‘permissão’ de um ato que agride, mesmo por parte da vítima, não exclui a culpabilidade pelo ato - especialmente porque no que tange à vida e à moral, o ilícito não pode ser considerado apenas da perspectiva das partes imediatamente envolvidas” .
A situação apresentada pelo artigo 1.597, do Código Civil, especialmente o seu inciso IV, teve o condão único e exclusivo de resguardar os interesses conjugais do marido, mas, não se ateve, em momento algum, aos interesses da esposa, da concubina ou da convivente. Tratou-as, como se efetivamente, não tivessem qualquer possibilidade de ingerir a respeito de assunto tão relevante para o convívio conjugal.
Dir-se-ia que o texto refere-se apenas a filhos do marido, em seu caput. No entanto, é evidente que o marido não pode gerá-los sozinho...

6 - EM CONCLUSÃO:

É inequívoco que se trata de uma situação extremamente grave e que deve ser levada ao conhecimento da população em geral para efeito de que, ainda que se decida pelo procedimento conceptivo ou de reprodução assistida mediante o método da inseminação heteróloga, sejam cônjuges por força de casamento, concubinato ou união estável, estejam devidamente cientificados de que existem questões absolutamente sérias, geradoras de complexidades de toda ordem para a vida social e conjugal.
Não se pode ignorar as adversidades mencionadas neste trabalho ou quaisquer outras que não o tenham sido, em razão da pequenez de nossa mente ou pela própria circunstância da inépcia do seu autor ou, ainda, pelo fato da pouca extensão espacial para efeito de se deduzir todo o conteúdo técnico, jurídico, moral, social, político, filosófico, religioso, dentre tantos outros, que envolvem a presente discussão.
A questão é que, em cada um dos tópicos que foram desenvolvidos, existem aspectos de suma gravidade, relevância, importância e, sobretudo, gravidade em termos de reflexos que advém, inequivocamente, de tudo quanto se alegou ao longo desta exposição que, somente poderá ser avaliada com o passar dos tempos. Possivelmente, reitere-se, sob a perspectiva de se trabalhar o tema concretamente, mediante as várias situações que podem estar sendo experimentadas em razão de pessoas que foram geradas em virtude da adoção mediante o método conceptivo de inseminação heteróloga.
Trata-se, sem dúvida, de um grande avanço científico. No entanto, o homem jamais pode “brincar de Deus”, porque a Sua mente é infinita e, a do homem, finita. Logo, o homem é incapaz, sob qualquer perspectiva, de estabelecer uma ordem natural que seja perfeita para os seus próprios atos... Isso é prerrogativa, exclusiva, de Deus.

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