Direito Civil Curatela
Por: fma12 • 17/5/2017 • Trabalho acadêmico • 3.297 Palavras (14 Páginas) • 291 Visualizações
1. Como o artigo 1º da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD) e a Lei nº. 13.146 de 06 de julho de 2015 definem a pessoa com deficiência? Esta definição contrapõe-se à definição do Dec. 3.298/1999? Por quê? Explique.
Após as atrocidades das guerras do século XX, o indivíduo passou a ser o centro das preocupações do direito internacional, o respeito aos direitos humanos passou a representar a melhor medida do grau de civilização. Emergiram, então, diversos tratados e convenções internacionais voltados a tutelar os direitos de grupos específicos como as crianças, as mulher, negros, índios e deficientes.
Com vistas ao objeto do presente trabalho, dar-se-á especial atenção à Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD) e seu protocolo facultativo promulgado pela ONU em 2007, e recepcionado pelo Brasil em 2008 com status de Emenda Constitucional, haja vista a aprovação nas duas casas do Congresso Nacional, em dois turnos, com quórum de três quintos, de acordo com o previsto no art. 5º, §3º, da Constituição Federal.
A respeito da definição de pessoa com deficiência, a Convenção trouxe em seu art. 1º uma importante mudança paradigmática, isso porque definiu a deficiência como um impedimento ou limitação duradoura de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que, em interação com as diversas barreiras sociais, pode obstruir a participação plena e efetiva na sociedade. Percebe-se que o intuito da Convenção é garantir a inclusão participativa da pessoa com deficiência através da mitigação de barreiras sociais e institucionais.
A pessoa com deficiência, conforme o art. 12 da CDPD, goza de capacidade legal para os diversos aspectos da vida, em igualdade de condições com todas as demais pessoas. Em outras palavras, a ratio da Convenção está em reconhecer a plena autonomia à pessoa deficiência (in dubio pro capacitas), acabando com o estigma de incapacidade e dependência em relação a terceiros.
Em conformidade com os princípios exarados tanto pela Convenção ratificada quanto pela Constituição Federal, o legislador pátrio infraconstitucional promulgou a Lei nº. 13.146 de 06 de julho de 2015, que institui o Estatuto da Pessoa com Deficiência e em seu artigo 2º definiu a deficiência nos seguintes termos:
Art. 2o. Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Tem-se, pois, que a legislação infraconstitucional, ao regulamentar em âmbito nacional a política nacional de proteção à pessoa com deficiência, incorporou a definição ofertada pela Convenção, revogando os dispositivos do Código Civil que lhe forem contrários, como é o caso dos incisos I, II e III do artigo 3º do CC/02. Assim, o foco passa a ser a promoção de mecanismos de apoio e salvaguarda ao exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais pelas pessoas com deficiência. Visa, em linhas gerais, superar as barreiras externas, reabilitando a saciedade para acolher a todas as pessoas, uma vez que a pessoa com deficiência merece um tratamento igualitário.
Importante salientar que esta definição de pessoa com deficiência vai de encontro à definição então vigente pelo Decreto 3.298/1999, pois este classifica deficiência como toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano . O critério encartado pelo referido Decreto é basicamente médico, isto é, a deficiência está situada dentro do indivíduo, e é considerada como resultado exclusivo das limitações funcionais de origem biológica .
A grande mudança efetuada pela concepção adotada na Lei nº 13.146/2015 encontra-se no reconhecimento de que o meio ambiente socioeconômico pode ser causa ou fator de agravamento da deficiência, sendo esta considerada como o resultado da interação entre o indivíduo e o contexto em que vive. Dessa forma, substitui-se o modelo médico de compreensão da deficiência pelo modelo multidisciplinar que enfoca o sujeito na sua constituição biopsicossocial.
As limitações não estão mais no indivíduo com deficiência, mas sim no meio ambiente social em que ele vive, pois tal ambiente não está devidamente preparado para ofertar as condições dignas de acesso e de desenvolvimento pleno da autonomia e da capacidade legal.
Além da alteração do critério essencialmente médico para um critério social, há ainda a mudança em relação ao reconhecimento de que a deficiência não é algo incapacitante por si só. Reconhece-se que o meio ambiente socioeconômico é o grande responsável pelo agravamento da deficiência e que muitas vezes leva à impossibilidade de exercer a plena liberdade de escolha.
A deficiência passa a ser compreendida como um conceito fluído, um contínuo com graus de variação de acordo com as possibilidades do ambiente de oferecer o apoio necessário e potencializar as capacidades individuais. A deficiência não é mais, assim, vista como algo intrínseco à pessoa, como pregavam as definições puramente médicas; a deficiência está na sociedade, não na pessoa . Dessa forma, a definição de pessoa com deficiência trazida pelo Decreto nº 3.298/1999 que regulamenta a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, unicamente com critérios médicos, não é mais aplicável nem aceitável, haja vista o patamar de Emenda Constitucional da Convenção.
Mostra-se, portanto, sintomática a mudança hermenêutica e prática instaurada pela Lei nº 13.146/15, pois a pessoa com deficiência é respeitada em sua individualidade como sendo totalmente capaz para todos os atos da vida civil, sejam atos patrimoniais ou relacionados à personalidade. A plena capacidade somente pode ser mitigada se comprovada a dificuldade concreta ao exercício de sua capacidade legal, sendo a curatela medida de ultima ratio ou in extremis. A pessoa com deficiência não é incapaz somente porque possui dificuldades e barreiras sociais, estruturais ou institucionais, isso porque a incapacidade, com a promulgação da Lei i nº 13.146/15 e sua futura entra em vigor, somente será reconhecida quando houver a real necessidade de se tutelar os direitos do deficiente por meio de terceiros. Preza-se pela participação ativa na vida social, na tomada de decisões sobre fatos E atos intrinsecamente relacionados à sua autonomia, liberdade e dignidade.
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