Direito civil II
Por: jd1001 • 29/9/2015 • Trabalho acadêmico • 3.400 Palavras (14 Páginas) • 203 Visualizações
A funcionalização das relações obrigacionais: interesse do credor e patrimonialidade da prestação
A relação obrigacional somente pode ser corretamente compreendida quando examinada sob seu perfil estrutural e sob o funcional. Uma hipótese em que a lei expressamente chamasse o intérprete a considerar o interesse do credor, como, por exemplo, na apreciação da legitimidade do pagamento realizado por terceiro ou da possibilidade de o devedor purgar a mora, realizando a prestação depois de vencida a dívida. A própria razão para o ordenamento tutelar determinada relação obrigacional passa pela apreciação da legitimidade das suas finalidades, exigindo-se, nesse sentido, que o interesse do credor no cumprimento da obrigação seja digno de tutela.
A obrigação deixa de ser concebida com um fim em si mesmo para ser valorada, na sua essência, como um instrumento de cooperação social para a satisfação de certo interesse do credor. A obrigação é relação jurídica cujo conteúdo, variável e complexo, se define no caso concreto em função dos legítimos interesses a serem tutelados – especialmente o do credor – e se vai constituindo pelos diversos deveres acessórios de conduta que completam e integram o núcleo central, composto pelo dever de prestar do devedor e pelo direito de exigir a prestação do credor. Diferente da concepção tradicional, cujo foco está centrado no inadimplemento – a ponto de se buscar definir as características da obrigação com base nas consequências do seu descumprimento, como se verá adiante – constrói-se hoje uma análise da relação obrigacional norteada pelo adimplemento, que “atrai e polariza a obrigação”. A leitura das obrigações torna-se assim mais adequada à ideia de que o direito não se resume à sua função repressora, pautada pelo binômio lesão-sanção, mas possui igualmente – e prioritariamente – uma função promocional, verdadeira tarefa “civilizatória”, responsável pela transformação do status. Sob esta perspectiva é que se propõe, no presente trabalho, analisar o objeto da relação obrigacional e os atributos que lhe são pertinentes.
Pode-se dizer, sem exagero, que a determinação do objeto da relação obrigacional constitui a mais debatida controvérsia no estudo da fisionomia da relação obrigacional, a respeito da qual disputam as teorias personalistas e patrimonialistas. A controvérsia pode ser compreendida a partir da formulação original de Savigny, que definiu a obrigação como espécie de propriedade do credor sobre o ato do devedor. Concebia, desse modo, justapostos no objeto da obrigação, o elemento pessoal (ato do devedor) e o patrimonial (direito sobre o ato). A evolução histórica da responsabilidade, que deixou de recair sobre a pessoa do devedor para atingir apenas o seu patrimônio, nessa linha de argumentação, “perante o dever de prestar, o credor não goza de mais que uma pura expectativa do cumprimento”, somente a agressão sobre o patrimônio do devedor aos fins da execução revela a essência do seu direito de crédito.
Os partidários desta concepção procuravam no objeto da obrigação aquilo que efetivamente satisfazia a pretensão do credor e acabaram por identificá-lo com os bens compreendidos no patrimônio do devedor, porque, ainda que este último não cumprisse espontaneamente a prestação, os seus bens proporcionariam ao credor o resultado útil equivalente àquele que esperava obter com o cumprimento da obrigação. Afirmam, nesse sentido, que a obrigação, na sua essência, não traduz o débito, mas a responsabilidade do devedor decorrente do descumprimento do débito. A comprovação desta concepção patrimonial da relação obrigacional, alegam os seus defensores, exsurge do próprio direito positivo, em particular dos diversos meios que o ordenamento coloca à disposição do credor para satisfazer o seu crédito independentemente da atuação do devedor, tal como a possibilidade de se mandar cumprir por terceiro a obrigação de fazer fungível (CC, art. 249; CPC, art. 461) ou a execução judicial que tenha por objeto obrigações pecuniárias ou de emitir uma declaração de vontade (CPC, arts. 466-A, 466-B e 646).
Com efeito, esta concepção, profundamente ancorada numa perspectiva que, na análise da relação jurídica, sobrepõe o momento patológico ao fisiológico normal, revela-se insuficiente para compreender o sem número de débitos que, na vida corrente, são cumpridos espontaneamente pelo devedor, sem a necessidade de se recorrer às vias judiciais de tutela do crédito. Em suma, não obstante a inegável importância prática dos meios de tutela judicial do crédito, deve-se reconhecer, todavia, a sua limitada pertinência para o exame do objeto da relação obrigacional. No entanto, à diferença da teoria personalista clássica, a atual procura livrar a relação obrigacional da ótica proprietária, tão arraigada na cultura jurídica, que, como visto, concebe o direito do credor como espécie de propriedade sobre o ato do devedor. Como já se observou, o credor tem direito à prestação, isto é, o de exigir do devedor a necessária cooperação para a satisfação do seu interesse.
Por outro lado, a perspectiva, aqui adotada, não procura excluir ou reduzir a importância do resultado útil para a compreensão da relação obrigacional. Com efeito, toda obrigação se volta a proporcionar, com o adimplemento, o resultado útil que consubstancia a satisfação do interesse do credor. Importa ressaltar, contudo, que a produção do resultado útil é um efeito do adimplemento, devendo-se, a todo custo, evitar a orientação, acima criticada, que o confunde com a conduta do devedor, que forma a prestação devida. O exemplo do contrato de prestação de serviços médicos, mencionado pelo autor, revela as implicações teóricas do raciocínio. Diz o autor que “o paciente que procura um médico deseja obviamente o restabelecimento de sua saúde, mas este resultado. Embora seja a causa essencial do contrato, não pode constituir o objeto do pactuado”. Veja-se, portanto, que, de acordo com essa acepção das obrigações de meios, o resultado útil da obrigação do médico, entendido como a cura do paciente, deixa de ser um efeito intrínseco do adimplemento da respectiva obrigação, tendo em vista que o médico pode cumprir a sua obrigação, agindo com máxima diligência, sem, contudo, conseguir restabelecer a saúde do paciente.
Em outras palavras, chega-se, com este raciocínio, à conclusão de que o cumprimento da prestação não produz necessariamente um resultado útil em favor do credor. O médico pode cumprir a sua obrigação, liberando-se do vínculo, sem que tenha proporcionado o resultado útil supostamente esperado, isto é, a cura do paciente. Justamente por representar o momento de realização da relação obrigacional, não se pode admitir, nem mesmo nas obrigações de meios, que o adimplemento não tenha por efeito intrínseco proporcionar ao credor o resultado útil, que, satisfazendo o seu interesse, justifica a extinção da obrigação. Concebida a obrigação de meios como relação que pode surgir, desenvolver-se e, finalmente, com o cumprimento, extinguir-se, sem que disto resulte qualquer vantagem para o credor, caberia, a propósito, indagar por qual razão tal vínculo jurídico seria tutelado pelo ordenamento jurídico. Afinal, “o ordenamento jurídico permite que aos sujeitos sejam impostos deveres em face de outros sujeitos somente enquanto isto seja socialmente útil, isto é, enquanto o adimplemento do dever possa satisfazer o interesse da coletividade em geral, ou satisfazer, pelo menos, o interesse de um sujeito determinado”.
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