Direitos humanos e o infanticídio indígena: limites da intervenção penal na cultura de um povo
Por: SIMCH • 23/4/2016 • Artigo • 5.364 Palavras (22 Páginas) • 477 Visualizações
Direitos humanos e o infanticídio indígena: limites da intervenção penal na cultura de um povo
Henrique Simch de Morais[1]
Goreth Campos Rubim[2]
Sumário: Introdução – 1 O Infanticídio – 2 A afirmação histórica dos direitos humanos relacionados à intervenção cultural – 3 Aborto e infanticídio para cultura indígena – 4 direitos humanos versus relativismo cultural; Considerações finais; Referências das fontes citadas.
RESUMO
Segundo Nietzsche, Sócrates afirmou que o homem vive em dois mundos: o mundo sensível, que ele apreende pelos sentidos, e o mundo inteligível, que apreende pela razão e onde se confirma como ser racional[3]. Essa divisão de mundos é facilmente vislumbrada quando colocamos a diversidade cultural e os direitos humanos em uma balança ao tratar de um assunto extremamente delicado: o infanticídio indígena. Descobrir qual o detentor de maior peso tem se mostrado um grande desafio para a sociedade. Por um lado devemos respeitar às concepções indígenas, quando sua cultura trata do que é nascimento, vida, morte e do que é ser humano. Por outro lado, na esfera do Direito Internacional, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada em 1948, consagrou a universalização dos Direitos Humanos, presentes em nossa Constituição Federal de 1988. Verifica-se então o dualismo sobre a questão: a cultura e os costumes como construtores da identidade humana em choque com a globalização e a proteção dos direitos humanos.
Palavras-chave: Direito Penal, Direitos Humanos, Infanticídio, Indígena, Relativismo Cultural, Condição Humana, Pluralismo Jurídico
ABSTRACT
According Nietzsche, Socrates said the man lives in two worlds: the sensible world, he learn through the senses, and the intelligible world, which perceives by reason and where is confirmed as being rational. This division of worlds is easily envisioned when we put cultural diversity and human rights in a balance when dealing with an extremely delicate subject: indigenous infanticide. Figuring out which holds more weight has been a major challenge for society. On the one hand, we must respect the indigenous conceptions, when your culture comes to what is birth, life, death and what it is to be human. Moreover, in the sphere of international law, the Universal Declaration of Human Rights, adopted in 1948, established the universality of human rights, in our present Constitution of 1988. There is then the question of dualism: the culture and customs as builders of human identity at odds with globalization and human rights protection.
KeyWords: Penal Law, Human Rights, Infanticide, Indigenous, Cultural Relativism, Human Condition, Legal Pluralism
INTRODUÇÃO
O termo infanticídio tem origem do latim infanticidium e pode ser compreendida como a morte de crianças indesejadas (LINDÓRIO, 2007; 13) [4]. A prática deste ato não é tão recente. No Brasil, o infanticídio não se restringe às camadas mais pobres. Atinge todas as camadas sociais e em todas as regiões do país. O fato agrava-se para criança indígena, pois esta não conta com a mesma proteção que as outras crianças.
Centenas de crianças indígenas por ano sofrem tal violência. O infanticídio ocorre de diversas maneiras, muitas crianças são enterradas vivas, outras são sufocadas com folhas envenenadas, outras ainda abandonadas para morrer na floresta (SUZUKI, 2007; 3) [5]. Algumas mães tentam impedir tal fato, indo contra a tradição cultural tão fortemente enraizada na comunidade. Outras, inclusive, são forçadas a executar o ato contra seu próprio rebento, sendo que a maioria prefere o suicídio.
As razões, principalmente culturais, que levam essas crianças à morte podem ser elencadas em alguns exemplos: algumas crianças, pelo fato de serem portadoras de alguma deficiência física ou mental não são consideradas produtivas para a comunidade, outras nascem gêmeas, fato este inaceitável em algumas culturas, considerado em muitos povos como prova de infidelidade.
“Para os mehinaco (Xingu) o nascimento de gêmeos ou crianças anômalas indica promiscuidade da mulher durante a gestação. Ela é punida e os filhos, enterrados vivos. Em algumas comunidades, a mãe pode matar um recém-nascido, caso ainda esteja amamentando outro, ou se o sexo do bebê não for o esperado”. (SUZUKI, 2007; 4) [6] “As crianças indígenas fazem parte dos grupos mais vulneráveis e marginalizados do mundo, por isso é urgente agir a nível mundial para proteger sua sobrevivência e direitos (...)”. (UNICEF, 2004; 1) [7]
“As razões são diversas, mas, para fins práticos, podem ser agrupadas em torno de três critérios gerais: a incapacidade da mãe em dedicar atenção e os cuidados necessários a mais de um filho; o fato do recém-nascido estar apto ou não a sobreviver naquele ambiente físico e sociocultural onde nasceu; e a preferência por um sexo”. (FEITOSA, 2006; 5) [8]
1. O INFANTICÍDIO
Conforme já exposto, o termo de origem latina busca denotar a morte de crianças “indesejadas”, ou seja, aquelas que não terão serventia para a comunidade, de acordo com suas regras e costumes.
Apesar de ser uma perda lastimável, não é qualquer criança que está embarcada no termo infanticídio. O Código Penal Brasileiro[9], no artigo 123, descreve a morte do filho, ocasionada pela mãe, durante o chamado estado puerperal.
Do texto da lei ressalta-se que o ato possui pressupostos para ser tipificado no referido artigo, dos quais matar o próprio filho, ou seja, um crime personalíssimo pois cabe apenas à mãe, que o faz durante ou logo após o parto, estando sob influência do estado puerperal. Uma consideração necessária se faz quanto ao artigo 17 do Código Penal Brasileiro, que afirma ser crime impossível por absoluta impropriedade do objeto se o filho já nasce sem vida.
Outro ponto de fundamental importância é o tempo do crime. O texto do artigo supracitado é claro quando afirma ser infanticídio o ato durante ou logo após o parto. Se o fato ocorre antes do parto considera-se aborto, este tipificado no artigo 124 do Código Penal Brasileiro.
O caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 é claro quanto à proteção do direito à vida. Neste caso não seria anormal acreditar que o bem tutelado pelo infanticídio é o direito à vida humana.
A questão, porém, se torna complexa quando outro bem tutelado pelo mesmo caput do artigo 5º da Carta Magna garante o direito à liberdade e a igualdade. Liberdade de crenças, igualdade de direitos são inegavelmente cláusulas pétreas para nosso ordenamento jurídico.
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