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GÊNERO: O perigo de um discurso universalizante

Por:   •  11/1/2019  •  Ensaio  •  2.144 Palavras (9 Páginas)  •  266 Visualizações

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GÊNERO: o perigo de um discurso universalizante

Temos o direito a sermos iguais quando a diferença nos inferioriza. Temos o direito a sermos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza. As pessoas querem ser iguais, mas querem respeitadas suas diferenças. Ou seja, querem participar, mas querem também que suas diferenças sejam reconhecidas e respeitadas.”

Boaventura de Sousa Santos[1]

Apesar de estarmos em 2018, o movimento feminista ainda enfrenta dificuldades para conseguir definir a representação da categoria mulher em nossa sociedade: há "diferentes formas de identificar o seu 'sujeito'" (Gomes, 2018, p.66, grifos nossos). Assim, surge uma pluralidade de feminismo[2]: feminismo negro, "transfeminismo", "teoria Queer". Todos desejosos e ansiosos por dar voz ao seu ponto de vista, a sua singularidade, a sua identidade de gênero, a sua experiência e as demandas de sua categoria, por isso é tão importante e difícil determinar quem representa a categoria mulher.

Até porque o termo mulheres representa uma gama de “realidades heterogêneas”[3] que não são passíveis de serem amalgamadas, sob pena de cair em um discurso universalizante que torna invisível as demandas de outros grupos de mulheres[4], por exemplo, das mulheres negras, das mulheres lésbicas, das transexuais, etc. Assim, é preciso evitar essa forma de produzir conhecimento a fim de evitar que parte da categoria mulher se torne invisível[5].

Desse modo, definir a gênero é uma tarefa de extrema importância nas lutas feministas. Gênero é uma categoria histórica-política de análise, diferente da categoria sexo: o primeiro é construído socialmente e o segundo um determinado biologicamente, nas palavras de Simone de Beauvoir: "não se nasce mulher, torna-se mulher" (Beauvoir, 2009 apud Gomes, 2018, p.66). Usar gênero no lugar de sexo tem a intenção de evitar o determinismo biológico. A fim de evitar o discurso que passa pela patologização de subjetividades, sexualidades e gênero, alguns transexuais afirmam: “Eu nasci transexual”. O fato é que o discurso da doença causa aos trans muitas dores e exclusões (Bento, 2014, p.180)[6]. Portanto, gênero se configura como uma categoria que possibilita questionar os "sujeitos da cultura, [os] sujeitos sociais, [os] sujeitos históricos, [os] sujeitos políticos e [os] sujeitos de direito" (Gomes, 2018, p.66, grifos nosso).

Atualmente, a questão do gênero gira em torno do desfazimento das oposições sexo/gênero, natural/construído, desfazimento da binariedade humanos/não-humanos, onde se tornam fundamentais as categorias corpo, sexo, gênero e raça. São termos interligados porque são os “marcadores” da opressão presentes em toda América Latina. Essa categorização pode ser vista em nossas vidas cotidiana através das empresas, das instituições, “dizendo” a todos, por exemplo, que uma mulher negra, uma mulher lésbica ou um travesti não podem ocupar o cargo máximo da empresa (cargo de poder) ou ser presidente do Brasil mesmo sendo altamente qualificado para o cargo. Enfim, diz os espaços que podemos ocupar na sociedade e até os espaços físicos da cidade que podemos transitar ou não. Essa “autorização” pode variar de acordo com a cor de sua pele, sua classe social, sua opção sexual, etc.

Estudos de gêneros decoloniais[7] demonstram que há povos que possuíam outro fazer do gênero”. Tais estudos[8] dizem que os povos indígenas, povos originários apresentavam “concepções múltiplas” das relações entre os sujeitos. Eles não possuíam uma estrutura hierarquizada de gênero. Havia uma igualdade relativa, uma “divisão de tarefas”, “um respeito pela homossexualidade”, enfim, identidades de gêneros mais fluidas, as quais foram substituídas, pela imposição binária colonial (Gomes, 2018, p. 70).

Numa perspectiva decolonial, é possível afirmar que não deixamos de ser colônia, pois ainda é muito forte em nosso país as relações coloniais de poder existentes entre países e entre sujeitos, vivenciadas por meio das categorias de gênero, raça, classe e sexualidade. Lugones (2014) nos chama a atenção para um ponto importante com relação à colonialidade do gênero que:

“constitui-se pela colonialidade de poder, saber, ser, natureza e linguagem, sendo também constitutiva dessas. Elas são crucialmente inseparáveis. (...). Mas quero aqui me adiantar dizendo que não existe descolonialidade sem descolonialidade de gênero. Então, a imposição colonial moderna de um sistema de gênero opressivo, racialmente diferenciado, hierárquico, permeado pela lógica moderna da dicotomização, não pode ser caracterizada como circulação de poder que organiza a esfera doméstica, como oposta ao domínio público da autoridade e a esfera do trabalho assalariado (e o acesso e controle da biologia de sexo e reprodução), como em contraste à intersubjetividade e ao saber cognitivo/epistêmico, ou como natureza oposta à cultura”. (LUGONES, 2014, p. 940, grifos nosso).

O que Lugones quis dizer como colonialidade do poder, saber, ser, natureza e linguagem? É através da linguagem que criamos o mundo e nos reconhecemos como sujeitos. Lugones nos chama atenção para a necessidade de se estabelecer uma nova forma de ver o mundo, a partir de uma “nova linguagem” a fim de nos proporcionar uma descolonialidade do ser. Só poderemos deixar de ser colônia quando deixarmos de ter um sistema de gênero opressivo, hierarquizado, não binário. Não há desenvolvimento sem um mundo mais igualitário e justo para as mulheres (e para todos os corpos tidos como não-humanos), como diria Tiburi (2018) um mundo mais justo para todos, todes e todas[9].

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