História e Antropologia Jurídica - I Unidade - Estudo Dirigido
Por: Anne Kelly • 20/11/2016 • Trabalho acadêmico • 3.812 Palavras (16 Páginas) • 458 Visualizações
Estudo dirigido – Unidade I
1. “Quando uma boa chuva cai sobre ele, ele se envolve com o seu manto, e se distancia com passos lentos sob a chuva” (NIETZSCHE, 1870 – 1873, p. 21). Analise a afirmativa e explane acerca do papel dos intelectuais na formação de uma consciência social, a partir dos pressupostos de Hespanha, Nietzsche e Foucault.
R: Para Nietzsche, dentro da parábola do rebanho, há o pastor que revela a verdade para os indivíduos constituintes do rebanho e cada rebanho possui o seu baluarte já edificado, onde se encontra o acervo cultural de verdades do mesmo, que vai constituir a sua consciência social. Ele afirma também sobre a hipocrisia dos filósofos que, mesmo sabendo que a linguagem e os conceitos que são produzidos através dela são fugaz, fúteis e relativos, eles ainda preferem continuar com o baluarte já edificado que eles construíram para aquela sociedade e que, quando existe a chance de que a essa sociedade (rebanho) seja mostrado novos enunciados, eles escolhem se afastar.
Foucault afirma que para um discurso ser válido é necessário que ele seja legitimado e essa legitimação só ocorre por certas instituições que detém o poder para tal ato. Logo, os discursos estão atrelados às instituições e, assim, as verdades que serão produzidas e a consciência social que é formada através desses discursos serão aquelas que as instituições de poder formarão. Sendo assim, nós não somos livres para dizer qualquer coisa a qualquer momento, pois o discurso é controlado por procedimentos externos, que controlam sua circulação, e internos, que controlam sua produção. Então, os intelectuais que atuam na formação da consciência social, diante da perspectiva de Foucault, estão atrelados às instituições legitimadoras de discursos, logo, a consciência formada é aquela que as instituições constroem e disseminam.
No texto de Hespanha, é visto como o Estado controla os documentos que serão utilizados pelos historiadores para a produção da história. Logo, única fonte que se tem sobre o passado é controlado pelo Estado, sendo ele o garantidor da verdade. Segunda a escola metódica o historiador manteria a neutralidade e seu papel seria fazer uma mediação entre o passado e a narrativa sobre o passado e, para isso, ele usaria os documentos antes oferecidos pelo Estado, sendo assim a história contada pela verdade do Estado. Formando, dessa maneira, uma construção extremamente interessada. Já na escola de Annales, o historiador neutro é um mito e a análise seria de toda produção cultural, pois visava construir um retrato da época. Diante dessas análises, o historiador decide o que é passível de ser historicizado e aquilo que não é. Diante dessas duas escolas, é possível ver que há a manipulação, de certa forma, da história, tanto quando o Estado controla a verdade quanto quando historiador escolher o que é historicizável ou não. Dessa forma, a construção da consciência social em cada momento é totalmente controlada de ambos os lados.
2. Partindo do pressuposto do surgimento da(s) verdade(s) como processo antropomórfico, analise o significado desse conceito aplicando-o ao deslocamento semântico promovido por Hespanha no que se refere tanto aos vícios e estruturas de legitimação presentes na historiografia, como ao direito visto na forma de “cultura jurídica”.
R: Nietzsche aponta o caráter antropomórfico do conhecimento humano, pois por carecer de conhecimento absoluto e/ou por não conhecer a coisa em si, o homem conceitua tudo ao seu redor a partir de suas experiências, ou seja, ele dá características humanas aos acontecimentos, antropomorfiza os conceitos e a verdade. Logo, a verdade é uma junção de metáforas (que são esquecidas como metáforas e postas como verdade revelada, o que se caracteriza como esclerose da metáfora) e antropomorfismos, é a soma de relações humanas que foram consolidadas. São ilusões construídas numa tentativa de explicar o mundo a partir da perspectiva do homem.
Hespanha parte da premissa da dicotomia que existe entre o Direito e a História e que, ao invés de haver um diálogo entre os campos, o que há é uma imposição de métodos dos juristas sobre o conhecimento historiográfico. Trazendo para Foucault, vemos que todo conhecimento precisa ser legitimado e reconhecido por uma certa instituição, um grupo de poder. Nesse caso em específico, lidamos com dois grupos: os historiadores e os juristas, cada um em seu próprio grupo, campo e método. Seria, por exemplo, como cada pastor em seu rebanho difundindo sua verdade. Na escola metodológica vemos a interferência da ação humana na construção da historiografia, como o Estado, por exemplo, atua como estrutura de legitimação das produções historiográfica onde o Estado também seria o pastor do rebanho, aquele que escolhe a verdade que será revelada e a legitima de acordo com a construção interessada que ele próprio propos.
Hespanha também fala sobre certos vícios metodológicos presentes na análise da história como o anacronismo, pela forma que alguns historiadores (da escola metódica principalmente) analisam apenas os conceitos sem considerar o contexto, e a teleologia, a produção de uma linha evolutiva que tende a ligar o passado ao presente de forma a construir uma relação de causa e consequência, de forma também a legitimar o presente por algo ocorrido no passado, a ideia do presente ser certo pela sacralização do passado. E ele critica justamente essa noção teleológica do direito estatal, com o Estado centralizando o direito a partir de leis que tem sua base no passado. Critica também a validação dos enunciados e de como o processo antropomórfico é esquecido. Critica a escola metódica quando se trata da neutralidade do sujeito. Neutralidade essa que não existe, pois primeiro se estabelece o documento que é produzido pelo Estado e esses documentos não podem ser tidos como verdade, tendo em vista que ele próprio é uma metáfora e que passou pelos interesses de quem o produziu, já que o Estado não vai produzir documentos que conflituem com seus interesses. Sendo assim, os historiadores só têm acesso àquilo que o Estado disponibiliza, portanto, a historiografia produzirá apenas uma historiografia política.
3. “[...] uma espécie de temor surdo desses acontecimentos, dessa massa de coisas ditas, do surgir de todos esses enunciados, de tudo que possa haver aí de violento, de descontínuo, de combativo, de desordem, também, e de perigoso, desse grande zumbido incessante e desordenado do discurso” (FOUCAULT, 1971, p. 50). Explique sobre qual eixo de análise o autor está se referindo e defina os fenômenos estruturados em “A Ordem do Discurso” que intuem garantir o controle metodológico dos fazeres discursivos.
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