O GOVERNO DOS HOMENS
Por: Cristiane Savaris Sima • 21/8/2019 • Resenha • 1.866 Palavras (8 Páginas) • 305 Visualizações
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ Programa de Pós-Graduação em Direito - Mestrado em Direitos Humanos Disciplina: Estado de Direito e Garantias Fundamentais Prof.: Dr. Gilmar Antonio Bedin Aluna: Cristiane Andreia Savaris Sima Resumo do texto: Governo dos Homens ou Governo das Leis? BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia. São Paulo, Paz e Terra, 2006 |
Com a pergunta “Qual o melhor governo, o das leis ou o dos homens?” o autor não está a discutir a forma de governo, mas ao modo de governar e procede sob a insígnia de outra distinção entre o bom e mau governo: “Bom governo é aquele que os governantes são bons porque governam respeitando as leis ou aquele em que existem boas leis porque os governantes são sábios?”.
Para Platão (Leis, 715d), onde a lei está submetida aos governantes e carece de autoridade, pronta a ruína da cidade. Ao contrário, aonde a lei é a senhora dos governantes e os governantes seus escravos, a salvação da cidade.
Já para Aristóteles (Política, 1286a) as leis anunciam apenas princípios gerais, pois não dão diretrizes para fazer face aos casos particulares, mas os governantes devem estar imbuídos no princípio geral da lei, as leis não estão sujeitas a influência das paixões, mas toda alma humana está, traduzindo-se no principal argumento em favor da tese contrária (sustentada por Platão) à superioridade do governo dos homens sobre o governo das leis.
A tese da superioridade do governo dos homens altera a tese do governo das leis pela sua “generalidade” que não consegue abarcar todos os casos possíveis, necessitando da intervenção do governante. O que defende o “governo das leis” pelo fato de ser “sem paixões”, pois, conforme Aristóteles onde o governante respeita a lei não pode fazer valer as próprias preferências pessoais, o respeito à lei impede o governante de exercer o próprio poder parcialmente, em defesa de interesses privados. Assim, enquanto o primado da lei protege o cidadão do arbítrio do mau governante, o do homem o protege da aplicação indiscriminada da norma geral, desde que o governante seja justo.
A alternativa seria subtrair o individuou a singularidade da decisão e, a generalidade da prescrição, pressupondo um bom governo e, uma boa lei.
O primado da lei pressupõe que os governantes sejam maus, pois tendem a usar o poder em benefício próprio. O primado do homem se baseia no pressuposto do bom governante, cujo tipo ideal era o grande legislador. Se o governante é sábio que necessidade temos de constringi-lo na rede de leis gerais que o impedem de avaliar os méritos/deméritos de cada um? Mas se o governo é mau não é melhor submetê-lo ao império das normas gerais que impedem a quem detém o poder de erigir o próprio arbítrio à condição de critério de julgamento do que é justo e do que é injusto?
O governo para o bem comum distingue-se do governo para o próprio bem; o governo segundo leis estabelecidas distingue-se do governo arbitrário, cujas decisões são tomadas caso a caso, fora de qualquer regra pré-constituída.
A superioridade do governo das leis percorre sem solução de continuidade toda a história do pensamento ocidental. O pensamento político da Idade Média está dominado pela ideia de que bom governante é aquele que governa observando as leis de que não pode dispor livremente. Na concepção dinâmica do ordenamento jurídico dos modernos, o soberano faz a lei apenas se exerce o poder com base numa norma do ordenamento e é, portanto, soberano legitimo; e exerce o poder de fazer as leis dentro dos limites formais e materiais estabelecidos pelas normas constitucionais.
A universalidade do “Estado de Direito”, ou seja, na subordinação de todo o poder ao direito. Existem duas manifestações reveladoras da universalidade desta tendência à submissão do poder político ao direito: a weberiana, do Estado moderno como Estado racional e legal, cuja legitimidade repousa no exercício do poder em conformidade com as leis e a Kelseniana, do ordenamento jurídico como cadeia de normas que criam poderes e de poderes que criam normas, não pelo poder dos poderes, mas pela norma das normas, da qual depende a validade de todas as normas do ordenamento e a legitimidade de todos os poderes inferiores.
Por “governo da lei” se entendem duas coisas diversas embora coligadas: além do governo subordinado e mediante leis de normas gerais e abstratas, uma coisa é o governo exercer o poder segundo leis preestabelecidas (sub lege), outra coisa é exercê-lo mediante leis (per leges), não mediante ordens individuais e concretas.
O primeiro legislador (o legislador constituinte) exerce o poder per leges, no momento que emana uma constituição escrita. Na formação do Estado moderno, a doutrina do constitucionalismo, na qual se resume toda forma de governo sub lege, e caminha à doutrina do primado da lei como fonte do direito, como expressão máxima da vontade do soberano e como norma geral e abstrata, em oposição às ordens dadas caso a caso.
Pode-se duvidar que Hobbes, Rousseau e Hegel devem ser incluídos entre os partidários do governo da lei, mas são defensores do primado da lei como fonte do direito, como instrumento principal de dominação, prerrogativa máxima do poder soberano.
O governo sub lege consiste em impedir ou obstaculizar o abuso de poder. A preferência pelo governo da lei em detrimento do governo dos homens está vinculado ao exercício do poder mediante normas gerais e abstratas, cujos valores fundamentais (igualdade, segurança e liberdade) estão garantidos pelas características intrínsecas da lei entendida como normal, geral e abstratas, mais que pelo exercício legal do poder. A generalidade de uma lei, independentemente do conteúdo (leis igualitárias e desigualitárias), não permite ao menos, no âmbito da categoria de sujeitos à qual se dirige, nem o privilégio, nem a discriminação. Já a função de segurança, depende da abstratividade, objetivando assegurar a previsibilidade das consequências das próprias ações.
Problemático é o nexo entre a lei e o valor da liberdade, a interpretação sobre a liberdade positiva, “...e quando obedeço as leis acato apenas a vontade pública, que é tanto minha como de qualquer outro”, pois emanada da vontade geral. Para atribuir a lei enquanto tal também a proteção da liberdade negativa é preciso uma limitação ainda maior do seu significado. É preciso considerar como leis próprias e verdadeiras apenas as normas de conduta que intervenham para limitar comportamentos dos indivíduos com o objetivo de permitir a cada um o desfrute de uma esfera própria de liberdade, protegida da interferência dos outros.
...