O PRECEDENTE VINCULANTE NA COMMON LAW NORTE AMERICANA
Por: Thales Lucena • 29/3/2021 • Seminário • 1.815 Palavras (8 Páginas) • 227 Visualizações
O PRECEDENTE VINCULANTE NA COMMON LAW NORTE AMERICANA
Matheus Martins Alves Pereira
Thales Duarte Souza Lucena
Com o CPC de 2015 e a criação de um “micro sistema de precedentes”, como chamado por alguns autores na doutrina, o sistema civil law brasileiro importou algumas técnicas do sistema common law. O novo código de processo avançou significativamente em um caminho que a legislação processual vinha percorrendo timidamente há vários anos. Fato é que estas mudanças são realidade, portanto precisamos nos adaptar e tirar o melhor proveito da técnica de precedentes vinculantes da common law. Ademais, este fenômeno ocorre em diversos países da civil law e em casos como na Suécia já existe um sistema híbrido.
A proposta deste trabalho é levantar os fundamentos dos precedentes vinculantes na common law, a fim de viabilizar ao leitor a interpretação e aplicação da técnica importada. Dos diversos países que adotam o sistema da common law, neste trabalho será usado como paradigma o sistema dos Estados Unidos.
Na cultura jurídica dos Estados Unidos quando uma Corte Recursal, estadual ou federal, em um julgamento colegiado, decide um caso concreto é estabelecido um precedente. Desde ponto em diante a Corte e os juízes daquela circunscrição aplicarão aquele precedente aos casos futuros em que os fatos relevantes sejam semelhantes. A vinculação criada pelo precedente da Corte é chamada de doutrina do Stare decisis.
No sistema common law norte americano a vinculação está ligada ao precedente. Basta um único julgado para vincular todas as demais futuras decisões. Quanto à jurisprudência, esta tem função de lapidar o precedente, ajuda a entendê-lo melhor e coloca limites para seu alcance como veremos adiante. A doutrina do Stare decisis preconiza que casos iguais devem ser decididos da mesma maneira. A expressão vem da frase em latim “stare decisis et non quieta movere”, que significa: “deixar quieto o que já foi decidido e não alterá-lo”. Este princípio compõe natureza da vinculação dos juízes ao precedente criado pela Corte a qual estão subordinados ou da qual fazem parte. O sistema se fundamenta na noção básica de justiça de que casos iguais devem receber o mesmo tratamento e casos diferentes, tratamento diferente.
Para a aplicação do precedente é fundamental que se extraia da decisão a regra aplicada ao caso e que será repetida nos casos futuros. A seguir serão analisados os princípios essenciais para extração de uma norma do precedente a ser aplicada em casos futuros. Para tanto, imagine-se que certo dia o gerente de um shopping center que se deparou com um incidente. O cachorro de um cliente comeu o lanche e derrubou o prato e bebida de outro cliente na praça de alimentação. Diante do fato, o gerente instruiu os seguranças que dali em diante que era proibido a entrada de cachorros na praça de alimentação. Dias depois, veio uma cliente com um gato na praça de alimentação. Os seguranças, na tentativa de evitar um novo incidente, impediram-na de permanecer ali, ainda que não se tratasse exatamente de um cachorro, o que foi avalizado pelo gerente. Em outro momento entrou no shopping um cego utilizando um cão guia e após conversar com o gerente foi liberado para usar a praça de alimentação junto com seu cachorro. Para explicar a situação aos seguranças o gerente afirmou que aquele tipo de cachorro recebe um treinamento especial e que o direito de locomoção do cego, neste caso, deveria prevalecer sobre a regra do estabelecimento.
A norma extraída do caso concreto é chamada de holding ou ratio decidendi. Essa questão é uma das mais importantes para se entender o funcionamento de um sistema common law, afinal é a compreensão e delimitação do holding que vai determinar os rumos do direito naquela matéria. Uma das técnicas mais simples para verificar se determinada questão é essencial a solução do caso compõe-se do seguinte exercício: inicialmente, inverte-se o significado da referida questão. Caso a inversão enseje a alteração do resultado do julgamento trata-se de um ponto essencial a solução do caso. Do contrário, trata-se um uma questão marginal e por consequência não vinculante.
No common law o magistrado deve preocupar-se em trazer justiça para o caso presente, contudo, deve ainda utilizar uma argumentação capaz de ser aplicada a casos futuros. Há um senso de que se a mesma lógica da decisão atual não puder ser aplicada a casos futuros esta não pode ser considerada uma decisão justa. A fim de evitar decisões arbitrárias a common law credita menos valor às singularidades de cada caso e mais valor a isonomia e coerência. De fato, no sistema civil law brasileiro experimentamos o oposto, com diversas decisões do STF reiterando que aquela argumentação é estrita àquele caso, de que se trata de um caso único ou de uma exceção. Tal disposição não faria o menor sentido para um jurista norte americano principalmente quando pronunciada por uma suprema corte.
Uma das hipóteses para não aplicar determinado precedente a um caso é o uso do distinguishing. Tenta-se mostrar que os fatos em análise são diferentes dos fatos do precedente e por isso deve ser aplicado outro precedente ou outra lei. Não é qualquer fato ou detalhe que autoriza a aplicação do distinguishing. Apenas fatos relevantes e centrais para a decisão são capazes de afastar um precedente.
É importante destacar que um precedente, geralmente, é lapidado por casos futuros com fatos semelhantes. Estes novos casos acabam por ampliar ou restringir o alcance do holding. Por mais clara e determinada que uma regra seja, ela pode se revelar restritiva demais. De volta ao exemplo, seria razoável que a proibição de cachorros no estabelecimento se estendesse também a gatos e demais animais de estimação. Restringir o precedente apenas a cachorros e não aos demais animais seria uma afronta aos motivos centrais da decisão. Fica claro que se a regra fosse aplicada de modo restritivo perderia sua força argumentativa, justamente por lhe faltar coerência com seus fundamentos basilares.
De modo contrário, há situações em que a ampliação do alcance do precedente produz um confronto do holding com sua finalidade. É a hipótese de aplicar a proibição de animais para animais de pelúcia. Quando a abrangência do termo “animais” alcança animais de pelúcia, toda a argumentação de garantir a higiene e o conforto na praça de alimentação do shopping perde o sentido. Então, neste tipo de situação, o distinguishing deve ser usado e o alcance do precedente deve ser reduzido sob pena da regra se tornar incoerente com seu fundamento e, consequentemente, injusta.
Ademais,
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