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Os Direitos Humanos

Por:   •  26/11/2019  •  Resenha  •  2.123 Palavras (9 Páginas)  •  124 Visualizações

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a) Analise o pano de fundo sobre o qual residem as críticas ao discurso hegemônico dos Direitos humanos.

Ao demonstrar a existência de uma particular visão homogeneizante e inferiorizada de um “lugar distante e amorfo”, Said propõe, assim, uma razão consistente para explicar a resistência ou, como eu disse, a “blindagem” oriental contra o discurso dos direitos humanos, ao menos em sua versão hegemônica. Ora, o discurso hegemônico dos direitos humanos insere-se na tradição que remonta à longa história do pensamento ocidental e que se consolidou no iluminismo europeu. Essa tradição tem como principais características o empoderamento do indivíduo através da concessão de direitos, que os possui em razão da condição humana e não porque determinado governo resolve conceder-lhe. A centralização do indivíduo contribuiu, por outro lado, para a transformação de sistemas políticos autoritários em estruturas políticas democráticas, o que, aliás, é fundamental para a própria existência de seus direitos. Ocorre que, ao mesmo tempo em que, sob essas premissas, os direitos humanos foram aparecendo na Europa e nos Estados Unidos, também foram a eles se limitando e seus benefícios tiveram um alcance muito reduzido. Ao redor do mundo, prefiguravam-se as condições para o aprofundamento de um mundo desigual e opressivo que assistiria nos anos seguintes às maiores tragédias que a humanidade jamais presenciara:

Enquanto a Europa construía o edifício dos direitos individuais dentro de suas próprias fronteiras, destruía a pessoa humana em outras terras. Enquanto os direitos humanos expandiam-se entre os povos brancos, o império europeu infligiu horríveis sofrimentos sobre os habitantes de cor do planeta. A eliminação das populações nativas das Américas e da Australásia e a escravização de milhões de africanos durante o comércio escravo europeu foram duas das maiores tragédias da época colonial. De fato, a supressão de milhões de asiáticos em quase todas as partes do continente durante os longos séculos de dominação colonial foi também outra colossal calamidade para os direitos humanos. O colonialismo ocidental na Ásia, na Australásia, na África e na América Latina representa a mais massiva e sistemática violação dos direitos humanos jamais vista na história.

Como explica Enrique Del Percio, na passagem da metafísica da substância à metafísica do sujeito, o burguês se autoerige em sujeito universal e os diferentes (os bárbaros, o vulgar, os indígenas, os judeus e os mouros) não chegam, portanto, a essa categoria. Estes não são considerados propriamente humanos ou, pelo menos, não são suscetíveis de ser considerados sujeitos de direitos plenos. Ademais, a relação custo-benefício se tornará o critério de avaliação da realidade desse novo sujeito moderno, de modo que todo evento não passível de cálculo será visto como sem valor, nascendo aí a razão instrumental que caracterizará a modernidade europeia. De fato, como explica Weber, esta se caracteriza pela racionalização formal, baseada na equação meio e fim, na medida em que o homem age cada vez menos por convicção ou por respeito a valores e cada vez mais justificando as suas ações pelos resultados esperados. Assim, o tipo de ação social predominante se torna a ação racional em relação a fins, que é determinada por um cálculo que mede os fins a serem atingidos pelos meios adequados, sendo a burocracia o ápice do processo de racionalização dessa sociedade e o direito o seu critério de validade.

b) Apresente as (in)consistências que o modelo ocidental de DH traz para a (não) aceitação entre povos de tradição não ocidental e da América Latina.

Atitudes discriminatórias baseadas na percepção das diferenças como a expressão de uma suposta superioridade de uns (colonizadores europeus) em relação aos outros (povos colonizados) baseou-se fortemente na presunção da maior aptidão daqueles para atingir altos níveis de civilização em face da primitividade dos povos conquistados. Trata-se dos efeitos práticos do padrão de racionalidade europeu que se afirmou na modernidade como principal critério de avaliação que escalonou o valor dos seres humanos. Chama a atenção, neste contexto, o teor dos escritos de um jurista brasileiro pouco lembrado em relação a esta temática, mas que, num período em que a crítica aos padrões racionais estabelecidos recém começavam a aparecer, trouxe à tona uma série de argumentos que refutam abertamente os pressupostos nos quais se baseou, por longo período, a legitimidade política e cultural do Ocidente. Em seus comentários aos direitos fundamentais da Carta Constitucional Brasileira de 1946, Pontes de Miranda contrariava a verdade incontestável de que os povos da Ásia, da África e da América mestiça eram naturalmente incapazes para obterem conquistas científicas ou para produzirem grandes obras, demonstrando grandes avanços filosóficos de personalidades negras em seu tempo e em sua sociedade e denunciando que a suposição da inferioridade dos não ocidentais decorria da sistemática falta de acesso “aos aparelhos e aos meios econômicos indispensáveis à investigação”. Para tanto, lembrou que, enquanto os gregos estavam no auge de sua civilização, os germânicos não passavam de meros bárbaros ou povos absolutamente periféricos na Europa que, mesmo com todo o desenvolvimento da ciência e da técnica, não tinham legitimidade para atribuir a si qualquer condição de superioridade: “A própria afirmação de Hiroiuki Kato de que os povos do ocidente são predeterminados à democracia e os povos do oriente ao despotismo nos faz rir, hoje em dia, com o que se passou na Alemanha e na Itália, ameaçando o mundo”.

Assim, o autor defendia a revisão das interpretações eurocêntricas em relação ao

alegado “torpor intelectual e a imoralidade, a inadaptação daqueles que correspondem na Austrália, na África, na Ásia e na América, aos homens primitivos”, já que os relatos da colonização sempre deram conta da grande riqueza compreensiva desses povos e da sua capacidade de assimilar as ciências e a técnica. Quanto a este aspecto, Pontes de Miranda revela o quão mal-intencionada é essa visão dos fatos, ao lembrar que, ao mesmo tempo em que os europeus apregoavam a dificuldade de convencer os índios americanos de que a Terra é redonda, na Europa continuavam colocando em fogueiras os indivíduos que tinham a coragem de afirmar tal fato.

Desta forma, a ligação com pressupostos filosóficos da cultura ocidental lançam sobre a ideia de direitos humanos uma séria desconfiança que desafia a sua afirmação como um ideal libertário para a humanidade. Aceitar a sua validez representa, para muitos povos de matriz não ocidental, permanecer subjugado ao ideal de vida boa da Europa e dos Estados Unidos, que, paradoxalmente, só pode servir a poucos ou, dito de outro modo, só funciona na medida em que a maioria dos seres humanos fique alijada do processo de fruição de bens, mesmo os mais essenciais. Esse ideal de vida boa, por outro lado, tem definido as políticas internacionais a respeito dos direitos humanos e que estão, em grande parte, dominadas pelos interesses das grandes potências, especialmente os Estados Unidos, que se tornaram os herdeiros do projeto ocidental. Esta tendência de subordinar a defesa dos direitos humanos aos imperativos estratégicos do ocidente é bem clara na ofensiva contra o terror, deflagrada pelos acontecimentos de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, combinada com a omissão, por exemplo, em relação ao genocídio em Ruanda e em outras partes da África.

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