Questões de Gênero e Liberdade Religiosa
Por: Alex Barata • 19/5/2017 • Trabalho acadêmico • 5.254 Palavras (22 Páginas) • 489 Visualizações
QUESTÕES DE GÊNERO
Camila Asato Ohoua - As relações de gênero na educação infantil a partir da ótica das crianças
Através dos temos permeia a cultura do patriarcalismo e busca por uma naturalização –cristalização- de comportamentos femininos e masculinos com apelo à ciência e certa predeterminação biológica. Este trabalho trata das experimentações de determinados alunos da Professora Camila Asato Ohouan durante o período em que lecionou por 6 anos em uma escola da rede pública de Educação Infantil que atende crianças com idades entre 3 a 6 anos em São Bernardo do Campo, em São Paulo. Nessa instituição, Camila Ohouan atua como coordenadora pedagógica desde 2010.Nele, ainda no resumo ela deixa clara a interação de um aluno chamado Paulo com brincadeiras tidas como femininas e a naturalidade com a qual ele se interessava por elas. A princípio causando estranhamento da parte de alguns colegas de sala do sexo masculino, com comentários apelidando-o de “menininha”, depois passando a ser tido como normal.
Camila ainda relata que alguns anos depois desses episódios chegou a ler a tese de doutorado de Daniela Finco (2010) onde há uma história onde a professora responsável pela turma coibiu um aluno de se fantasiar de noiva, fazendo-o optar por outra roupa. Depois que o jovem escolheu uma roupa de rumbeira, a autora escreve que: a reação da professora frente a esta possibilidade de rompimento das fronteiras de gênero foi classificar aquele garoto como anormalidade.
A autora fala também da estranheza com a qual as adultas (trabalhavam naquele ambiente apenas mulheres) da escola recebiam certos comportamentos, quando as crianças brincavam sem fazer distinção do “gênero da brincadeira”. Nesse sentido, consta em sua dissertação os seguintes dizeres acerca das questões levantadas por suas colegas de trabalho: você não acha que ele vai virar.... Você sabe, né? Quando se deparavam com a liberdade ministrada por Camila Ohouan na educação do menino Paulo. Essas pessoas perguntavam para a educadora também se ela não se preocupava com a reação que os pais de Paulo poderiam ter ao descobrir tamanha a permissibilidade para brincar e, desse modo, se expressar concedida por Camila.
Nesse tempo, por menos que fosse o conhecimento que Camila julgava ter acerca das questões de gênero –principalmente no que tange a educação escolar- ela acreditava que seu papel era proporcionar uma diversidade de experiências para todas as crianças e respeitar suas escolhas em meio ao bombardeio de comandos sobre o que deveria ser o ideal de uma menina e de um menino. Como Finco afirma: a rigidez dos papéis masculino e feminino em nosso cotidiano por meio das instituições de educação infantil leva a classificação e hierarquização de diferentes práticas que promovem a distinção entre comportamentos tidos como normais e anormais. Essa divisão de “preto no branco” quanto ao feminino e masculino não nos permite ver todos os tons possíveis entre eles e mesmo fora deles.
Para Scott (1995), o termo gênero arremetia inicialmente a mulheres. Gênero, segundo Scott, passa a denominar construções culturais; portanto, uma categoria imposta sobre um corpo sexuado. Acerca das lutas de movimentos sociais da década de 60, destaca-se o feminismo e o apelo pela igualdade entre os gêneros que se distanciava dos valores vigentes na época. Esses valores patriarcais são realidade de nosso cotidiano e em pleno século XXI são reproduzidos constantemente. Ohouan fala ainda sobre a dialética entre as figuras de Eva e Maria em nossa sociedade judaico-cristã, simbolizando respectivamente corrupção e pureza, treva e luz.
Logo, Joan Scott fala que a constituição de gênero se dá por meio de: representações simbólicas de nossa cultura (Eva e Maria); os conceitos normativos que estão expressos nas doutrinas religiosas, educativas, políticas, científicas ou jurídicas (normas sócias); a concepção de organização política e econômica (mercado de trabalho); e a construção de identidades subjetivas. Dessa forma é possível concluir que homens e mulheres não encontram diferenciações apenas por causas naturais mas por construções históricas de âmbito social, cultural e corporal.
A seguir a autora, Camila Ohouan, faz um breve histórico da educação infantil. Ela narra que, por vezes, a educação de crianças era prestada por profissionais não qualificados e com função compensatória uma vez que buscavam suprir carências culturais, afetivas, linguísticas de crianças provindas de classes menos abastadas e com caráter assistencialista. Durante a década de 70 ocorre, no Brasil, uma vasta expansão de escolarização de crianças na faixa etária de 0 a 10 anos.
Entretanto, reconhecimento do direito à educação só foi possível a partir de conquistas sociais da década de 80, em especial com a Constituição Federal de 88. A autora ressalta que a construção de uma criança como ser de direitos e da valorização da Educação Infantil não é um processo natural e não partiu de iniciativas governamentais.
Para Abramowitz (2003), a história da criança sempre foi constituída sobre a criança e não para a criança. Uma vez que a criança, sobre essa visão é destituída de razão é válido frisar que a palavra infância vem do latim infans que significa aquele incapaz de falar. Além disso, segundo Barbosa (2007), a socialização deveria ser emanada da geração mais velha para a mais nova. No entanto, esse fenômeno se alterou nas sociedades ocidentais contemporâneas passando a se estabelecer de modo não apenas vertical, mas agregando vivências em ambientes diversos como família, amigos, creche, veículos de mídia, etc.
Ohouan ainda cita Corsaro (2002, 2011) ao falar do trabalho exercido por ele no campo da reprodução interpretativa. Tal reprodução não se dá de maneira passiva, mas com certa reinterpretação do mundo adulto sob a perspectiva infantil com culturas e saberes próprios. E é por meio da brincadeira que se articula essas interpretações. Portanto, “o brincar define-se por uma maneira que as crianças têm para interpretar e assimilar o mundo, os objetos, a culturas, as relações e os afetos das pessoas”, segundo Wajskop (1995).
A posteriori, a autora descreve o ambiente, espaço, objeto de estudo, metodologia e agentes da pesquisa em si. Nessa explanação, Camila reitera que busca fugir ao foco adultocêntrico como linha de pesquisa e colocar a criança como elemento principal e não apenas como o papel de sujeito passivo a ela comumente empregado. Segundo Oliveira-Formosinho as crianças percebem, descrevem, analisa, interpretam contextos educativos com alicerce em suas experiências como pensam ser o mundo dos adultos.
A seguir, Camila Ohouan fala acerca das crianças e suas brincadeiras. No espaço lúdico construído em 2014 (trata-se de um evento anual) para ser semelhante a um salão de beleza verídico, as crianças costumam se divertir independente do comportamento delineado como feminino ou masculino e transitam (principalmente os meninos) na escolha do manejo dos materiais. Elas se divertem com a maquiagem disponível, as meninas tentam retratar o look adulto enquanto os meninos se surpreendem com as cores em profusão em seus rostos. Nesse ambiente, é possível ocorrer inclusive a ressignificação dos objetos trabalhados a exemplo da frase proferida por uma das professoras a um estudante chamado Júlio: esse esmalte aqui é do Homem-Aranha, você quer passar? Utilizando de um “mecanismo de incentivo” para associar aquele esmalte ao universo de masculinidade familiar aos meninos.
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