UMA ALEGAÇÃO INTELIGÍVEL
Por: Arthur Matos de Cirio • 15/4/2016 • Trabalho acadêmico • 4.021 Palavras (17 Páginas) • 236 Visualizações
UMA ALEGAÇÃO INTELIGÍVEL
Trata-se de um contrato de locação de um imóvel residencial firmado entre Gertrudes
(locatária) e Adalgisa (locadora), em que ficou acertado que no dia 10 de cada mês, deveria
ser pago a importância de R$300,00, acrescido das despesas condominiais e de IPTU, sendo
que após essa data seria cobrado uma multa de 10% sobre o valor. O contrato foi realizado
com prazo de 12 meses, e na falta de manifestação das partes, passando a vigorar por prazo
Gertrudes, com 16 anos, locou o apartamento para morar com seu esposo. No
decorrer do primeiro ano pagou o aluguel sem nenhum atraso. Após o 13º mês, procurou
Adalgisa explicando que o valor não seria pago na data estipulada, pois estava passando por
dificuldades financeiras em virtude de seu divórcio. Adalgisa, sensibilizada, perdoou o
pagamento da multa contratual. No mês seguinte, novamente, Gertrudes procurou Adalgisa,
pois não havia conseguido um emprego, e ainda ela pôde pagar o valor combinado fora da
data estipulada e sem o acréscimo da multa prevista no contrato, assim se sucedeu nos sete
meses que se seguiram. Nesse tempo, Gertrudes descobriu que estava grávida, de 9 meses, e
percebeu que as condições de pagamento estavam insatisfatórias não tendo como pagar a
locação do próximo mês na data estipulada. Ao ser procurada, Adalgisa disse que não poderia
mais aceitar o pagamento fora da data estipulada sem o acréscimo previsto no contrato.
Gertrudes alegou que não teria condições de pagar o valor acrescido da multa devido a sua
situação financeira. Adalgisa então decidiu rescindir o contrato, solicitando a desocupação no
1 Graduandos de Direito da UniRitter da turma CNB.
O advogado de defesa de Gertrudes poderia embasar eventual ação contra Adalgisa
alegando ofensa ao princípio da boa-fé objetiva. Tal princípio orienta os contratantes a
manterem um comportamento probo, leal, e à observância dos deveres anexos, os quais
entram em toda a relação jurídica obrigacional, com a intenção de complementar o correto
cumprimento da obrigação principal e a satisfação dos interesses envolvidos no contrato.2
Uma das funções do princípio da boa-fé é a limitação, o que impede que uma pessoa
pratique determinado ato e em seguida realize outro oposto ao anterior. “O venire contra
factum proprium, parte da premissa de que os contratantes, por consequência lógica da
confiança depositada, devem agir de forma coerente, segundo a expectativa gerada por seus
Dessa forma, os advogados de Gertrudes poderiam alegar a ocorrência do surrectio,
“o surgimento de um direito exigível, como decorrência lógica do comportamento de uma das
partes”.4 Contudo, tal alegação não pode ser aceita, pois Adalgisa não foi negligente, apenas
aceitou o pagamento parcial, sem a multa de mora, por alguns meses, esperando uma melhora
na situação financeira de Gertrudes, cumprindo com seu dever de cooperação e cuidado,
buscando o equilíbrio e a restauração da relação contratual.
De acordo com a doutrina,
A locação de coisas é o negócio jurídico por meio do qual uma das partes (locador)
se obriga a ceder à outra (locatário), por tempo determinado ou não, o uso e gozo de
coisa infungível, mediante certa remuneração. (GAGLIANO, 2015, P.192)5
Tal concessão não gerou direito ou expectativa de direito na locatária, que ao firmar
o contrato deve observar fielmente o Princípio da Força Obrigatória do Contrato (pacta sunt
servanda), que determina que o mesmo deva ser cumprido fielmente pelas partes, princípio
este que não estava sendo observado por Gertrudes.
Não há o que se falar, ainda, em revisão contratual, princípio que autoriza a revisão
do contrato pela ocorrência de fatos extraordinários que tornem a execução excessivamente
onerosa para uma das partes.6 A gravidez e separação de Gertrudes, com a sua consequente
redução de capacidade econômica, não são fatos extraordinários nem imprevisíveis, são
2 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro - Contratos e Atos Unilaterais. Vol.3,.
9.Ed., São Paulo, Editora Saraiva, p.53-54
3 GAGLIANO, Pablo Stolze & PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil –
Contratos: Teoria Geral, Vol.4: Tomo.I – 11.Ed.– São Paulo: Saraiva, 2015, p.119
5 GAGLIANO, op. cit., p.192
6 GONÇALVES, op.cit.,. p.194-195
ocorrências naturais e que não preenchem os requisitos para eventual revisão.
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