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Unir a humanidade: do uso correto dos direitos do Homem – Alain Supiot

Por:   •  30/5/2017  •  Resenha  •  4.282 Palavras (18 Páginas)  •  735 Visualizações

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TEXTO 1: Homo Juridicus – Cap. 6 – Unir a humanidade: do uso correto dos direitos do Homem – Alain Supiot.

        O fenômeno que chamamos globalização é a última etapa de um processo que se originou com a conquista do Novo Mundo, se identificando com a dominação exercida pelos países ocidentais sobre os outros, baseada no poder material extraído da sua ciência e da sua técnica.

        A extensão ao restante do mundo dessa técnica e dessa ciência coloca em dúvida se isso geraria valores universalmente reconhecidos formando uma base institucional, ou se cada sistema se tornaria impermeável, ignorando os demais ou entrando em guerra.

        Essa é a questão dos direitos humanos, enquanto alguns enxergam como sendo a lei universal de que o mundo globalizado precisa, outros veem como uma forma de legitimar a dominação do ocidente.

        A questão dos direitos humanos parte da crença, cumprindo uma função dogmática em relação à tecno-ciência; de um lado legitimando e de outro canalizando, para evitar a desumanização. Porém, só é possível que os recursos humanos continuem cumprindo essa função dogmática se os não-ocidentais o adotarem, enriquecendo o seu alcance e sentido, para que seja um credo imposto, mas um dogma geral, aberto à interpretação de todos

        O credo dos direitos humanos DOGMA X NATUREZA BIOLÓGICA

        Pessoas se pautam no argumento da identidade biológica dos seres humanos para justificar a igualdade jurídica entre eles, mas isso acabaria por resgatar a ideologia defendida no nazismo, porque no mesmo raciocínio, as diferenças biológicas justificariam desigualdades jurídicas.

        Dessa forma, descartando o fundamentalismo cientificista, os direitos humanos seriam postulados institucionais, afirmações indemonstráveis que representam a pedra angular dos edifícios jurídicos.

        As declarações de direitos humanos se pautam em um homem atemporal e universal, um indivíduo, tanto no sistema quantitativo quanto no qualitativo. É indivisível e único, um ser completo que transcende os grupos sociais diversos e variáveis em que se insere. Dessa forma, a sociedade é reduzida a uma coleção de indivíduos iguais, onde se rivaliza os direitos individuais e o espirito de fraternidade, de modo que a ordem justa se encontra na competição. Em outras civilizações, de maneira contrária, o homem se vê como parte de um todo que o precede e sobrevive a ele.

        O homem dos direitos humanos é soberano, nasce livre, dotado de razão e titular de direitos, está, ao mesmo tempo, sujeito à lei e protegido por ela, sendo capaz de fixar as próprias leis para si mesmo, respondendo por seus atos.

        Da declaração dos direitos humanos se extraem dois planos, o das leis científicas, que substituem a revelação divina, e o das leis civis, legitimadas pelo povo a qual se aplicam através da soberania individual: o voto (vontade individual). Em outras civilizações, pelo contrário, ocorre o apagamento da vontade individual, como no Japão e nas terras islâmicas (nestas o homem só é livre confessando sua impotência diante de deus, o verdadeiro legislador).

        O homem dos direitos humanos é, por fim, uma pessoa, cujo sentido foi dado pelo cristianismo como sendo a união do corpo e da alma. De modo que ficou como herança a visão de que em cada pessoa há um espírito único, que se desenvolve durante a vida e sobrevive à morte através das obras deixadas.

        Por isso, a personalidade jurídica passou a não ser mais enxergada como uma técnica de que se pode dispor à vontade, mas sim o objeto de um direito universal e imprescritível. Isso, mais uma vez, foge da redução do homem ao ser biológico, o que faria a sociedade se reger pela lei do mais forte.

        Assim, surge a segunda geração dos direitos do homem (ao trabalho, à proteção social, à educação, à cultura), que procede da experiência dos países ocidentais que adotaram o estado-providência, não correspondendo à experiência dos que seguiram pelo totalitarismo. Fica evidenciado, então, que esses direitos não têm nada de espontaneamente universal, só exprimem as crenças ocidentais.

        Fato é que, na linha contrária das civilizações para as quais os homens se submetem a leis inflexíveis (sejam elas originadas na revelação divina ou na descoberta da natureza), estão civilizações (a exemplo da China) para as quais a ordem natural e social procede da interiorização por cada um do lugar que lhe cabe, de modo algum se aplicando leis uniformes a todos.

        O fato de que essas civilizações devam adotar o pensamento jurídico do ocidente dá a ilusão de que elas se converteram à nossa cultura jurídica. Entretanto, a ideia de lei foi importada (ou imposta pela potência colonial) como uma condição necessária ao comércio com o oriente, não como expressão de valores humanos ou sociais, a exemplo do Japão, que adotou a cultura jurídica para uso externo mas internamente prevalece sua visão própria da ordem humana.

        A ideia de direito poderia ter ainda menos pretensão de universalidade que a da lei. O direito é fruto de uma longa história europeia que levou a reconhecer ao homem o domínio das leis que o governam, cujo momento decisivo foi a revolução gregoriana. O papado reciclou o direito romano para o seu uso, se instituindo em fonte viva de leis a serem aplicadas a toda a cristandade e, com o passar do tempo, ao mundo.

        Daí se origina a concepção ocidental de direito como sistema autônomo de regras, integrado e evolutivo, e de estado como aquele que nunca morre, fonte das leis e garantidor dos direitos individuais. Na separação de igreja e estado, a religião deu lugar à ciência, o estado tornou-se soberano nacional e internacionalmente, e o homem tornou-se para si mesmo seu próprio fim.

        Essa construção foi alterada por uma contradição: de um lado estado e direito repousam em fundamentos nacionais e a sociedade internacional é uma grande sociedade de estados; de outro a ideia romana-canônica de soberania universal aplicada a toda humanidade prevalece.

         Assim, as grandes nações procuraram (e ainda procuram) impor a crença no valor universal de seu imperium, seja por propaganda ou pelas armas. Isso fortalece aqueles que enxergam os direitos humanos como uma opressão ocidental e os incitam a revidar esse credo com o deles, voltando contra o ocidente suas próprias técnicas, o que poderia gerar um choque de civilizações e uma guerra de religiões sem precedentes. Os direitos humanos (uma das mais belas expressões do pensamento ocidental), entretanto, merecem um melhor tratamento.

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