Vende-se segurança
Por: gartotinhas • 9/5/2016 • Resenha • 3.429 Palavras (14 Páginas) • 412 Visualizações
VENDE-SE SEGURANÇA
Vanessa Maria Feletti
É necessário que o modo de produção capitalista tenha ordem para seu eficaz funcionamento. Entretanto, a busca por tal ordem significa a naturalização de suas próprias contradições.
Uma das formas de se obter ordem é controlar, pois é necessário para que haja domínio sobre a força de trabalho, mercadoria mais importante no processo produtivo, em busca da mais-valia.
A mais-valia é a diferença entre a quantidade de valor que a mercadoria produz no processo produtivo e o valor pago pela mercadoria/força de trabalho. A força de trabalho passou a ser a única posse do trabalhador, como forma lícita de sobreviver, e o aceite deste para trabalhar mais decorre de um controle de suas mentes e corpos. Algumas destas formas de controle é o religioso, políticos, social, escolar, moral, etc.
Não se submetendo o indivíduo a sua força de trabalho de modo voluntário ao trabalho explorado, é necessária a utilização da pena privativa de liberdade, de modo a adequar esse indivíduo à produção capitalista.
O cárcere não existia como pena autônoma no Sistema Feudal. No entanto, durante a Idade Média, o fundamento da pena era de origem divina, como uma retribuição e um castigo de Deus. Entre a transição do feudalismo para o capitalismo foi preciso combater, no plano ideológico, a ideia de que o trabalho deveria ser uma tarefa estritamente necessária para a sobrevivência. Neste sentido, a manipulação religiosa foi fundamental.
A fundamentação utilizada foi a da vocação e da predestinação. Essa concepção alterou profundamente a relação entre o homem e o resultado de seu trabalho, servindo como importante apoio aos interesses do capitalismo.
Assim, entra a privação de liberdade como forma de punição, bem como política social para os pobres em sua aplicação. A regra que rege o cárcere é transformar a vida do interno em uma vida pior à daquele que aceitou vender sua força de trabalho, chamado de legitimação da pena. Tanto para o adestramento da força de trabalho, o cárcere serve também como um local para explorar a mesma força.
Somente em terras norte-americanas no século XIX que a exploração do trabalho produtivo do preso terá maior espaço de investimentos privados como forma de acumulação de riqueza.
No século XVIII e XIX houve grande oferta de mão de obra, expulsão dos camponeses das terras, grande imigração e aumento dos custos de manutenção pelo Estado da vigilância dos presos. Neste contexto surgiu o Sistema Filadélfia, cujo modo operacional se baseava no isolamento celular dos internos, na obrigação ao silêncio, na meditação e na oração. O pensamento implementado foi que o trabalho não deve ser necessariamente produtivo, mas sim uma vontade de transformar o criminoso em ser subordinado. Desta forma, o trabalho coletivo no dia permitiu que o trabalho produtivo do preso fosse explorado como nas fábricas.
No Brasil, com o fim da escravidão, o mesmo processo ocorreu, pois foi necessário aceitar o ex-escravo como força de trabalho. Agora, o trabalho precisava estar fundado em uma relação contratual, o que fez ser necessário fomentar a existência de agrupamentos sociais sólidos. Como a ideia da burguesia era substituir o trabalho escravo pelo assalariado emigrado da Europa, foi necessário estabelecer formas de controle de massa liberta.
Assim, foi estabelecida a relação entre o foco de doenças e o foco de crimes, sendo a nova classe trabalhadora uma ameaça, um perigo à sociedade. Quanto ao crime de vadiagem, este não era atribuído a todos os ociosos, apenas a junção da ociosidade e a pobreza foi criminalizada. Entretanto, neste período de formação de classe trabalhadora, não se visualiza no Brasil a formação de uma burguesia suficientemente desenvolvida para perceber a potencialidade econômica da exploração do trabalho do preso.
Não obstante as lutas do movimento sindical pelo fim do trabalho do preso ter exercido certa pressão social, as mudanças que ocorreram na exploração econômica do trabalho do ambiente penal não tem sua causa nestas lutas. Ademais, o período que parte entre o fim da Segunda Guerra Mundial até meados da década de 1970 terá a máxima expressão da regulação estatal da economia, chamando-se esse momento de capitalismo monopolista.
O Estado de Bem-Estar teve variações em diversos países nos quais ocorreu, porém, a regulamentação econômica do mercado e a afirmação das políticas econômicas de inspiração keynesiana foram características comuns a qualquer deles.
Surgiu o chamado previdencialismo penal, que significa a tomada Estado da gestão penal, adotando características que correspondiam às necessidades produtivas do capital no contexto do Estado Previdenciário. Tratava-se de uma perspectiva correcionalista em relação à reabilitação do criminoso.
Durante todo o século XIX o controle do crime foi visto, cada vez mais, como uma atividade estatal, sendo seus agentes procurados para solucionar os problemas de natureza criminal. A apropriação da punição pelo Estado, em nome do povo, permitiu o surgimento de todo um corpo burocrático formado para desenvolver a nova racionalidade da punição.
Assim, a reabilitação, e não mais a retribuição, passa a ser a justificativa oficial da pena, como conformação social. Este é o ponto mais importante da nova mudança, pois se trata da alteração das funções que são desempenhadas pelo controle penal da força de trabalho em função da necessidade produtiva do capital.
A atual fase do capitalismo neoliberal apresenta as seguintes características: a reestruturação produtiva, a globalização e a ideologia neoliberal, na qual ocorre a busca incessante pela flexibilidade, o que significa, este último, a derrubada de qualquer barreira ao movimento dos capitais à acumulação. Para desmontar o sistema de bem estar social, o neoliberalismo adotou algumas medidas, como, criar um Estado forte para romper com o poder dos sindicatos, controlar a moeda, poucos gastos sociais, regulamentação econômica, estabilidade monetária como meta, forte disciplina orçamentária voltada a conter gastos sociais e restaurar uma taxa natural de desemprego visando recompor o “exército industrial de reserva”, reforma fiscal para diminuir os impostos sobre rendimentos mais altos e o desmonte dos direitos sociais.
Este cenário ocasionou a criação, pelo próprio Estado, de um aparato penal em expansão, invasivo e proativo, o qual penetra nas regiões mais baixas do espaço social e físico para conter as desordens e o tumulto gerados pela difusão da insegurança social e pelo aprofundamento da desigualdade. Ou seja, punir os pobres para enriquecer a burguesia.
Neste contexto, surgiram diversas políticas de punição à classe trabalhadora, como a política de tolerância zero e a política de prevenção geral. A tolerância zero significa a relação direta entre o pequeno delito e o grande delito. Para ilustrar tal conceito, observa-se o exemplo da “janela quebrada”, onde, se um delinquente vê uma casa mal cuidada, com janelas quebradas, entende que o local não está protegido e comete outros atos criminosos sobre aquele objeto; porém, se um casa é bem cuidada, ela passa a aparência de segurança e de que está sendo vigiada, o que desestimularia os delinquentes como um alvo de atos criminosos.
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