ORDEM ECONÔMICA: Princípios Constitucionais
Por: Saulo Jardim • 9/4/2016 • Artigo • 10.055 Palavras (41 Páginas) • 396 Visualizações
ORDEM ECONÔMICA: Princípios Constitucionais
1 ORDEM ECONÔMICA: Fundamentos
1.1 Diferença entre fundamento e princípio da ordem econômica
Há de se tomar o "fundamento" como a causa da ordem econômica, ligando-se, portanto, ao próprio objetivo por ela pretendido. Enquanto que os princípios serão os elementos pelos quais aquela ordem se efetivará, ou seja, o ponto de partida para esta efetivação, e que, portanto, não pode ser relegado. Fundamento é tomado como causa no sentido de razão de ser. Já princípio caracteriza o ponto de partida de um processo qualquer. A história constitucional foi dúbia e insegura na adoção destes elementos ora situando-os como fundamento ora como princípios. Esses dois termos “fundamentos” e “princípios”, no seu uso jurídico, as vezes adquirem um sentido mal definido, sendo por vezes assemelhados.
1.2 Valorização do Trabalho humano
A valorização do trabalho humano e a livre iniciativa revelam que a Constituição de 1988 prevê uma sociedade brasileira capitalista moderna, na qual a conciliação e a composição entre os interesses dos titulares de capital e trabalho são necessidades a serem viabilizadas pela atuação do Estado.
Anote-se: a valorização do trabalho humano encontra-se prevista como fundamento da República Federativa do Brasil (inc. IV do art. 1° da Constituição), como fundamento da ordem econômica (caput, do art. 170) e como base da ordem social (art. 193).
Celso Ribeiro Bastos destaca que a Constituição refere-se à valorização do trabalho humano também no seu sentido material, qual seja, a de que o trabalho deve receber uma contrapartida monetária que o torne materialmente digno. Mas valorizar o trabalho humano diz respeito a situações em que haja também mais trabalho (busca do pleno emprego), melhor trabalho e quando o trabalho não sofre tratamento antiisonômico. Além disso, o trabalho humano e sua valorização encontram-se intimamente relacionados com a dignidade da pessoa humana, pois na medida em que se valoriza aquele, está-se valorizando a pessoa humana. Por isso, com razão, ensina José Afonso da Silva que a valorização do trabalho humano se sobrepõe aos demais princípios da ordem econômica.
Ademais, deve-se levar em conta que em razão do modelo econômico adotado (capitalismo), o qual se caracteriza pela liberdade de iniciativa e pela divergência, a priori, dos interesses entre aqueles que detêm a mão-de-obra (trabalhadores) daqueles que são titulares dos meios de produção (proprietários), robustece-se a necessidade de que o trabalho seja valorizado e que a ele seja assegurado, conforme Eros Grau, uma "política racional".
Nessa política racional, além das normas protetivas do trabalho (art. 6o da Constituição), inclui-se a justa contraprestação monetária capaz de assegurar ao trabalhador condições mínimas de sobrevivência e dignidade. Essa é uma das razões pelo qual se justifica a proteção ao trabalho e aos direitos dos trabalhadores e, também, porque a Constituição incluiu a busca pelo pleno emprego como princípio da ordem econômica. Há de se repudiar visões demasiadamente patrimonialistas na análise do trabalho. Valorizar o trabalho humano equivale a valorizar a pessoa humana, e o exercício de uma profissão pode e deve conduzir à realização de uma vocação do homem.
Por outro lado, o mercado não pode prescindir das consequências da valorização do trabalho humano. Como lembra a doutrina especializada, num mundo integrado, interdependente e globalizado, há sinais de esmaecimento de uma relação laboral, por assim dizer, "fixa", produto da revolução industrial. O mundo cambiante e distinto que marca os dias atuais sugere uma remodelação do próprio desenvolvimento do Direito do Trabalho. O antagonismo trabalhador-empregador, ao menos em parte, há de ser substituído por uma visão da empresa como um local para onde afluem interesses comuns, não tão contrapostos e antagónicos, onde pessoas participam em comunhão de esforços para o aumento do produto social. Como o problema do desemprego é crucial e as empresas, principalmente as menores, mas não somente elas, sentem-se fragilizadas para uma sobrevivência no mercado global, a proteção da parte mais fraca (trabalhador, mormente o desqualificado) não há de ser tutelada olvidando-se da tutela da própria empresa, sendo razoável supor que a fragilidade desta, quando de diminutas dimensões, aproxima-se da fragilidade do trabalhador. Como anota Geraldo Feix:
"O mercado pode prescindir do trabalhador substituindo-o por capital, tecnologia, informação e escala, mas não pode sobreviver sem consumidores e sem ideologia. Sem trabaiho, os homens perdem o referencial enquanto homens modernos e não sabem o que fazer das mãos e mentes desocupadas, e muito menos o que fazer para o sustento próprio e das suas famílias. O descarte do trabalho enquanto finalidade econômica e até mesmo enquanto fator de produção em setores genéricos da economia, se a curto prazo representa ganho na redução de custos e diminuição de preços, a médio e longo prazo gera o rompimento da precária homeostase do sistema, acirrando a competição entre grupos, nações e etnias. Por outro lado, a redução das pessoas empregadas faz reduzir, na mesma proporção, o potencial de consumo, desestabilizando social e economicamente todo o sistema. Durante séculos, por necessidade e por sobrevivência, mas também por prazer, inteligência, o ser humano ensinou a seus filhos e gerações que o trabalho era fonte da riqueza e da dignidade, modo de agradar a Deus e aos homens e de multiplicar os dons da natureza. Sem acenarem com qualquer alternativa ou salvaguarda, os economistas e estrategistas neoliberais deixam milhões de pessoas no vácuo econômico sem salário, emprego ou condição de sustento. A humanidade desenvolveu a agricultura. A agricultura propiciou a polis. A polis tornou possível a agora e criou o mercado para trocar o produto dos camponeses. O mercado moderno asfixiou a cidade, os camponeses e os próprios mercadores, os comerciantes. Pode haver comércio sem compradores para as mercadorias? Pode haver consumidores sem emprego que os assalarie? O estágio atual do capitalismo asfixiou a polis e o camponês, mas agora começa a asfixiar o próprio conceito e suporte do mercado, sem o qual não sobrevive."
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