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Por: tuzafono • 2/10/2015 • Trabalho acadêmico • 1.718 Palavras (7 Páginas) • 165 Visualizações
Introdução
Com o objetivo de aprofundarmos o assunto referente à mulher vítima de violência, entrevistamos uma Psicóloga que trabalha no Centro de Referência à Mulher Eliane Grammont, primeira casa da prefeitura de São Paula (e do Brasil), criada em 1990, voltada ao atendimento integral às mulheres vítimas de violência. Geralmente o centro conta com um psicólogo e um assistente social. Porém, no momento a casa conta com duas psicólogas e uma assistente social, onde a média é de 200 atendimentos por mês, contando a primeira visita e retorno de atendimento. Entrevistamos a Psicóloga Branca Paperetti, com quase trinta anos de profissão, uma referência no tema de violência contra a mulher. Ela está no Centro de Referência à Mulher Eliane Grammont desde 1996, com formação voltada para a Psicanálise e para Jung, porém sem deixar de lado a perspectiva social da psicologia para realizar seu trabalho.
Desenvolvimento da entrevista
Perguntada a respeito de sua abordagem e interesse por essa área de atuação, a psicóloga respondeu que logo quando ingressou na fundação, se apaixonou pela área, permanecendo até hoje. A abordagem utilizada para trabalhar com os casos é o conceito de gênero, que ainda é pouco estudada nas graduações de psicologia. Esta abordagem tem como objetivo dar empoderamento e fortalecimento da autonomia para que a mulher possa ser sujeito da própria vida e faça suas próprias escolhas.
O conceito do centro é social, voltado à reflexão da desigualdade com relação à mulher, imposta pela sociedade, como por exemplo, a diferença salarial, maioria masculina na ocupação de cargos de chefia e responsabilidade doméstica feminina. Sendo assim, submetida a essa desigualdade naturalizada, a mulher fica mais sujeita a sofrer violência, ocupando um lugar de servidão e subalternidade, porém nem sempre isso é muito claro para as mulheres que são atendidas na casa. No geral, as mulheres procuram o trabalho da casa (porque já estão sofrendo violência), como a psicoterapia, orientação judicial, avaliação de qual decisão tomar com relação à situação. E o trabalho exercido então é ajudar a mulher encontrar um caminho com o qual ela possa lidar daquele momento em diante, pois não adianta o profissional mostrar alternativas que não são suportadas pela vítima por não se sentir segura, fortalecida ou por depender diretamente do agressor. O trabalho realizado é com uma equipe multidisciplinar, pois o suporte psicológico nem sempre é o bastante para o caso.
Existem mulheres que precisam sair de suas residências, conseguir um emprego, entrar com uma causa judicial e, portanto, se faz necessário o apoio de assistentes sociais, defensores públicos, em convênio com a rede de serviços públicos. Segundo a Psicóloga, a maior dificuldade encontrada no trabalho é na fluidez na rede de serviços integrada, como o poder judiciário, delegacias e rede de saúde, pois muitas vezes a mulher recebe orientações de como proceder com a denúncia ao agressor por parte do centro, pois nem sempre é bem recebida e bem atendida na delegacia (os profissionais ainda não estão capacitados para prestarem os serviços necessários para as vítimas), e muitas vezes ocorre até o arquivamento do caso por parte do juiz. Em outros casos, a casa de apoio solicita a medida protetiva para a vítima, mas o juiz, engessado pelo desinteresse e insensibilidade, pede que seja provada a real necessidade da medida, enquanto a Lei Maria da Penha não faz essa exigência, pelo caráter de urgência.
A Psicóloga relata que não existe uma regra para o encaminhamento das mulheres a casa. Em alguns casos elas são encaminhadas pela delegacia, o que é positivo, pois a própria delegacia percebe a situação de violência e quer trabalhar em conjunto com a casa de apoio. Em outros casos as mulheres não recebem o apoio necessário das delegacias e chegam à casa ainda mais fragilizadas. Por ser um local público, as mulheres o conhecem através da mídia, ou de pessoas próximas ou serviços públicos que fazem a indicação.
A Psicóloga informa também que o perfil das vítimas é bem variado, pois o problema atinge mulheres de todas as idades e níveis sociais, desde moradoras de rua até mulheres econômica e socialmente melhor posicionadas, como médicas, juízas, advogadas, mulheres de delegados e juízes. O perfil do agressor também é bastante variado, identificado em todos os níveis sociais. A Doutora Branca comenta que geralmente o agressor, seja ele marido, namorado ou companheiro, apresenta uma boa imagem fora do convívio conjugal. A postura é diferente perante a sociedade, mas se mostra agressivo em casa, dentro da relação conjugal, causando surpresa nas pessoas próximas que tomam conhecimento da violência. Outra informação importante é ser comum na família das vítimas um histórico de violência contra a mulher. Obs.: Uma informação alarmante que obtivemos é que se tornou crescente o número de violência entre casais adolescentes.
Perguntada se existe alguma forma de identificar se a mulher está sofrendo violência, a Psicóloga respondeu que em geral, alguns sinais são revelados pela vítima, como o afastamento da família e dos amigos, deixar hábitos com sair sozinha, deixar de estudar ou trabalhar.
Existem mulheres que buscam apoio logo no início da agressão, mas infelizmente outras passam vinte ou trinta anos sofrendo violência para então decidirem procurar ajuda. No segundo caso (mais comum), os profissionais questionam o que mudou nessa relação para que elas tenham decidido procurar ajuda depois de tanto tempo e as respostas são, por exemplo, a percepção da perda de controle delas no relacionamento, por conta de agravantes como ameaças com armas de fogo por parte do agressor e a falta de manejo para lidar com o relacionamento e agressão.
Na opinião da psicóloga, o que faz uma mulher se submeter à situação de violência tem relação com a educação machista que se repete de geração em geração, onde a mulher é feita para servir o homem e que existe divisão de posições ocupadas por ambos. Além da naturalização do comportamento machista por parte da sociedade, onde existem falas do tipo “É desse jeito mesmo” ou “Não dá para mudar isso”. Com isso, o trabalho da psicóloga junto a paciente é de desconstruir esse conceito e mostrar que existem outras possibilidades para um relacionamento homem-mulher mais igualitário e saudável, com respeito, com democratização de tarefas, e com a construção de novos valores.
Um aspecto muito importante, e que nos deixou surpresos, relatado pela Doutora Branca está na média de superação da violência por parte das mulheres atendidas na casa que é de 80% (o que não significa necessariamente separação do agressor, mas o fim da violência), sendo que não existe um prazo limite para que o tratamento finalize, onde há casos de mulheres que passam anos sendo atendidas na casa até se sentirem totalmente seguras.
A psicóloga acredita que para melhorar ainda mais o serviço oferecido, em primeiro lugar, a Lei Maria da Penha deveria ser aplicada da mesma forma como foi pensada. Informa que a lei em si é muito boa, mas por não ser colocada em prática em sua totalidade, acaba não ajudando tanto quanto poderia. Um bom exemplo a ser mencionado é a medida protetiva que deveria ser concedida sem burocracias. Em segundo lugar, o atendimento nas delegacias que deveria ser melhor, pois muitas vezes o atendimento realizado pelos profissionais (profissionais esses que não estão preparados para esse trabalho) acaba desmotivando a vítima a mudar sua situação. Em terceiro lugar, que todos os serviços públicos pudessem identificar situação de violência e dar o suporte devido para que as devidas providências sejam tomadas. Além disso, faltam campanhas de orientação e também educação de gênero nas escolas, e isso desde cedo, para se evitar a naturalização e separação de posições e profissões ocupadas tanto por homens quanto por mulheres na sociedade (As profissões, menos remuneradas, relacionadas ao cuidado, como a educação, a enfermagem, bem como os afazeres domésticos geralmente são atribuídos às mulheres, enquanto que as profissões mais remuneradas e a responsabilidade de suprir as necessidades da casa são atribuídas aos homens).
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