Teorias e Conceitos de Política Internacional
Por: rebecavianan • 24/3/2019 • Abstract • 9.933 Palavras (40 Páginas) • 296 Visualizações
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TEORIAS E CONCEITOS DE POLÍTICA INTERNACIONAL
Maria Regina Soares de Lima
IUPERJ/UCAM e IRI/PUC-Rio
(mrslima@iuperj.br)
Setembro de 2001
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Introdução
Quando se busca apresentar as principais correntes teóricas em qualquer campo do
conhecimento, e as relações internacionais não são uma exceção, há que se levar em conta o
grau de arbitrariedade que esta tarefa encerra. Isto porque a maneira como se narra a história
intelectual de uma disciplina é resultado de uma convenção entre os especialistas daquela
área do conhecimento. Em determinados momentos do tempo esta convenção é aceita como
legítima pela comunidade de especialistas, mas em outros a própria organização do campo
passa a ser desafiada por abordagens teóricas alternativas, deixando de existir o consenso
prévio. No presente, esta é a situação no campo das relações internacionais, por razões
diversas que não cabe aqui desenvolver. Ainda que momentos como este adicione mais
complexidade à tarefa, ela permite também maior liberdade a quem a ela se propõe.
É neste espírito que este capítulo foi redigido e a maneira como decidi apresentar as
diferentes perspectivas teóricas reflete uma escolha particular e, em certo sentido, arbitrária,
uma vez que vivemos hoje uma época de conflito de paradigmas. Por outro lado, o modo de
organização escolhido não é de todo aleatório porque procura dar conta de um dos
principais eixos do debate paradigmático corrente, qual seja a natureza e o papel do Estado
nas relações internacionais, até recentemente o principal referente teórico e empírico no
campo internacional, bem como de uma de suas principais implicações: a separação entre
política internacional e política doméstica.1
Desta forma, as diferentes perspectivas teóricas foram agrupadas em função de duas
representações distintas da esfera internacional, como anarquia e como sistema social.
Estas duas representações podem ser tomadas como categorias analíticas a partir das quais
são construídas as teorias e os modelos nos estudos internacionais. Do ponto de vista
metodológico, a representação da esfera internacional como anárquica parte da premissa
que os Estados são unidades autônomas e o sistema internacional é derivado da interação e
da distribuição de poder entre os Estados. A origem desta representação são as teorias de
1 Esta distinção é uma convenção que reflete o processo de institucionalização das disciplinas de relações
internacionais e de ciência política. No ambiente acadêmico anglo-saxão, dois padrões são perceptíveis: o caso
inglês em que os programas de relações internacionais se desenvolveram em unidades distintas e separadas das
de governo/ciência política e o caso norte-americano em que, de modo geral, um mesmo departamento abriga
as duas disciplinas. Mesmo no último caso, as duas áreas mantiveram suas respectivas autonomias teórica e de
pesquisa. Só mais recentemente, este padrão começou a se modificar com maior interpenetração entre as
disciplinas e programas de investigação.
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“razão de Estado” que tiveram grande influência nos teóricos de relações internacionais nos
anos 30 e 40. Estas últimas, como se sabe, estão baseadas na idéia do “primado da política
externa”, não apenas desvinculada da política doméstica, mas acima dela. Posteriormente, a
representação da anarquia − e do ator unitário seu correlato − foi adotada pela teoria
estratégica e dos jogos, cuja premissa é considerar o Estado como um ator maximizador em
um contexto anárquico. Desta perspectiva, tal como na economia, em que o mercado pode
ser caracterizado como oligopólico ou competitivo, o sistema internacional poderia variar
de uma estrutura unipolar, bipolar ou multipolar, dependendo da distribuição das
capacidades materiais dos Estados.
Ao contrário, a representação do campo internacional como sistema social parte da premissa
que os Estados estão inseridos em estruturas sociais, materiais e simbólicas e são por elas
modelados. Assim como a sociologia considera que as regras socialmente construídas, as
normas de comportamento e as crenças compartilhadas fornecem aos indivíduos os mapas
cognitivos e prescritivos para a ação, a estrutura social internacional definiria as identidades
e os interesses dos Estados e, consequentemente, seu comportamento internacional. Por
exemplo, na perspectiva neomarxista da abordagem de sistema mundial, a estrutura está
representada pela lógica do sistema capitalista e os Estados definidos a partir de sua
inserção neste sistema e das funções que desempenham na estrutura e funcionamento da
economia capitalista mundial.
Do ponto de vista substantivo, a utilização do conceito de anarquia para representar
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