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A IDADE MÉDIA ENQUANTO PERÍODO DE TRANSIÇÃO EPISTÊMICA

Por:   •  24/9/2015  •  Seminário  •  1.211 Palavras (5 Páginas)  •  285 Visualizações

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A IDADE MÉDIA ENQUANTO PERÍODO DE TRANSIÇÃO EPISTÊMICA

Thiago Cidade[1]

1. É possível traçar um paralelo entre a relação de William (Guilherme) com os religiosos beneditos e os inquisidores e o logocentrismo (razão como centro) em relação ao teocentrismo (Deus como centro)?

        Sim. Os franciscanos representavam a vanguarda intelectual da cristandade, desenvolvendo interpretações originais – e por vezes extremamente polêmicas – do Evangelho e dos textos da antiguidade greco-romana. Nesse sentido, por exemplo, lembram Padovani e Castagnola (1964), observar-se-á o fato de que dois dos maiores empiristas da Escolástica medieval, Roger Bacon e Guilherme de Ockam, eram da ordem franciscana. É necessário notar, entretanto, que não se coloca de forma tão explícita o embate entre o logocentrismo e o teocentrismo nas fileiras do clero: seria mais correto apontar um embate entre o platonismo agostiniano (racionalista) e o aristotelismo tomista (empirista) (ARANHA; MARTINS, 1993)[2]. Não nos enganemos, no entanto; ainda que São Tomás de Aquino tenha o mérito de realizar uma síntese entre a metafísica e a epistemologia aristotélica e a religião católica, a base epistêmica desta apologética permanece intrinsecamente teocêntrica: “Deus não pode infundir no homem opiniões ou uma fé que vão contra os dados do conhecimento adquirido pela razão natural”, dizia (AQUINO, 1973, p. 70).

        O romance de Eco (2003) apresenta, contudo, de fato, uma transição epistêmica importante – ainda que a especificidade histórica desta transição não pertença exatamente à época retratada[3]. Não havendo a valorização do empirismo enquanto modelo gnosiológico e, muito menos, o desenvolvimento de técnicas metodologicamente articuladas que possibilitassem a prática da pesquisa empírica (ARANHA; MARTINS, 1993), o confronto retratado na obra não é entre empirismo indutivista e idealismo teológico, mas sim entre o gérmen de um paradigma indiciário preocupado com os menores detalhes do mundo sensível – práxis típica de qualquer intento detetivesco – (GINZBURG, 1989) e um racionalismo teocêntrico encerrado no dogma cristão.

        Cabe compreender, finalmente, pois, a ausência de contradição total entre os esforços indiciários de William (Guilherme) e a exegese bíblica. De fato, se “Deus está nos detalhes”, como diria Ginzburg (1989, p. 143) inspirado por Warburg a respeito de seu paradigma indiciário, a busca do infinitamente pequeno, do detalhe revelador, insere-se, no que concerne à ação do religioso que era William (Guilherme), na concepção de que

no princípio era o Verbo e o Verbo estava junto a Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio junto a Deus e dever do monge fiel seria repetir a cada dia com salmodiante humildade o único evento imodificável do qual se pode confirmar a incontrovertível verdade. Mas videmus nunc per speculum etc in aenigmate e a verdade, ao invés de cara a cara, manifesta-se deixando às vezes rastros (ai, quão ilegíveis) no erro do mundo, tanto que precisamos calculá-lo, soletrando os verdadeiros sinais, mesmo lá onde nos parecem obscuros e quase entremeados por uma vontade totalmente voltada para o mal (ECO, 2003, p. 19, grifos nossos).

        Fica, assim, determinado tanto o caráter descontinuista do paradigma emergente, representando o compromisso para com a Razão e para com o mundo sensível – “e pur si muove!”, diria Galileu –, quanto o seu caráter contextual, representando as possibilidades garantidas pela ordem do discurso existente à época.

2. Qual o papel da Igreja para a preservação do legado da tradição clássica greco-romana que floresceria após a Idade Média?

        Autores diversos (ARANHA; MARTINS, 1993; PADOVANI; CASTAGNOLA, 1964) são precisos ao indicar que as duas fases históricas do período medieval – patrística e escolástica – correspondem a dois momentos distintos da trajetória filosófica ocidental. Durante a patrística, tem-se como ponto alto a síntese realizada por Santo Agostinho entre o idealismo platônico e os dogmas da cristandade, ao passo que, durante a escolástica, verifica-se a síntese realizada por São Tomás de Aquino entre a filosofia aristotélica e a teologia cristã. Há, portanto, uma preservação – e uma contaminação, se concordarmos com a crítica nietzschiana (NIETZSCHE, 2012) – não apenas das obras da tradição greco-romana, mas de algumas das matrizes conceituais já presentes na época clássica.

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