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Desenvolvimento Capitalista

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Por:   •  29/10/2014  •  7.434 Palavras (30 Páginas)  •  549 Visualizações

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Uma reflexão sobre o desenvolvimento capitalista na formação

social brasileira e sua relação com o espaço rural: a desterritorialização

ou a territorialização do capital monopolista

Anderson Luiz Machado dos Santos

Acadêmico do Curso de Geografia da UFSM

Grupo de Pesquisa Educação e Território

Resumo:

A humanidade vive em um momento histórico-espacial no qual o

capitalismo se constitui enquanto o modo hegemônico de organização da vida

em sociedade. Para verificar esta hegemonia capitalista, basta abrirmos os

olhos para a concreticidade do mundo e nos depararmos com uma ordem

mundial na qual apenas três formações sociais possuem modos distintos de

organização social, político, econômica e cultural em ralação ao capitalismo:

Cuba, Coréia do Norte e China. Entretanto, nenhuma destas formações sociais,

está isenta dos impactos empreendidos pelo desenvolvimento capitalista que

incide sobre as mesmas de diferentes formas. A formação social vigente no

Brasil está inserida neste processo, apresentando especificidades, mas se

caracteriza como essencialmente capitalista. Frente este contexto, a discussão

e reflexão sobre a relação do desenvolvimento capitalista e seus impactos

territoriais se revigora no campo das ciências humanas que incorporaram o

território como uma de suas categorias de análise e sobretudo no campo da

geografia brasileira, ciência que em seu processo histórico passou a entender o

território como um dos conceitos chaves para a análise da organização do

espaço, seu objeto de estudo por excelência. O presente trabalho se

caracteriza enquanto uma revisão bibliográfica. Tem por objetivo contribuir em

uma perspectiva dialética, na reflexão sobre qual a tendência preponderante no

processo de desenvolvimento capitalista em especial em sua última fase onde

predomina o capital monopolista: a desterritorialização ou territorialização do

capital, tomando enquanto escala de análise o espaço rural brasileiro em seu

movimento histórico de transformações e como ente integrador de uma

formação social. Para tal, o trabalho toma como premissa a definição do

território em seu sentido amplo e integrador, não meramente constituído a partir

de relações sociais de produção, bem como em sua perspectiva relacional

enquanto processo dotado de historicidade e oriundo do conjunto das relações

sociais estabelecidas pelos seres humanos entre si e com a natureza.

Palavras chave: capitalismo, formação social, territorialização

'Olhares sobre o processo investigativo'

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Uma reflexão sobre o desenvolvimento capitalista na formação social

brasileira e sua relação com o espaço rural: a desterritorialização ou a

territorialização do capital monopolista

1. Introdução

O presente trabalho busca fazer uma reflexão sobre a relação existente

entre o espaço rural e o desenvolvimento capitalista vigente na formação social

brasileira. Principalmente no que diz respeito ao processo de acumulação e

reprodução do capital monopolista e suas implicações sobre as dinâmicas

territoriais presentes neste espaço.

Para tal, adota como ponto de partida o debate a cerca das diferentes

visões sobre a definição do capitalismo, bem como seu processo de gênese e

desenvolvimento no Brasil. Assim como pressupõe dentre os seus elementos

centrais para desenvolver a reflexão a cerca das dinâmicas espaciais e em

última análise territoriais inerentes a este estágio do desenvolvimento e

organização da vida em sociedade, as discussões sobre a desterritorialização

capitalista, o conceito de território e territorialização no contexto das ciências

humanas, sobretudo da geografia.

2. Uma definição do capitalismo e sua relação com a Formação Social

Brasileira

Conceber que a humanidade vive em mundo hegemonizado pelo

capitalismo pressupõe entendê-lo como um modo de organização da

sociedade que mediante o movimento histórico e as contradições inerentes ao

estado das coisas, conseguiu se consolidar enquanto força dirigente e

dominante, portanto hegemônica1 na organização social da vida humana.

Mediante esta premissa, poderemos refletir sobre a relação entre este modo

organização social com as diversas formações sociais2. Pois,

[...] é através de cada Formação Social que se cria e recria, em

permanência, uma ordem espacial de objetos que é paralela à ordem

econômica, a ordem social, à ordem política, todas essas ordens

atribuindo um valor próprio, particular, às coisas, aos homens e às

ações promanando dela. Por isso, a Formação Social constitui um

instrumento legítimo de explicação da sociedade e do espaço

respectivo. (SANTOS 1996, p 192.)

'Olhares sobre o processo investigativo'

3

No Brasil, entendemos que a formação social vigente não nasce capitalista

como algumas interpretações teóricas concebem. Mas, em seu processo

histórico e espacial realiza uma transição capitalista a partir de determinado

momento. Segundo SAES (1990 p.348) “as relações de produção capitalistas

germinam no Brasil pós-1850; em algumas indústrias, instaladas neste período,

já se configurava a existência da relação capital - trabalho assalariado do

processo capitalista de trabalho”. Contudo, o que se verifica até a década de 30

na formação social brasileira, é a confluência de diversas relações de produção

no processo de acumulação e reprodução do capital, sendo as relações précapitalistas

majoritárias.

Para SAES (1990, p. 349) “só após 1930, quando a indústria foi

progressivamente subordinando a agricultura (esta já em processo de

transformação capitalista), as relações de produção capitalistas se tornaram

dominantes”. Sobretudo, esta reflexão a respeito da relação do capitalismo com

a formação social brasileira pressupõe dois elementos fundamentais: uma

definição do capitalismo enquanto modo de organização social distinto, e o

processo contraditório no qual se tornou hegemônico na referida formação

social.

2.1 Para uma definição do capitalismo:

Segundo DOBB apud POMAR (2007, p. 54) “por terem exercido uma

influência sobre a pesquisa e a interpretação históricas, três significados

atribuídos ao capitalismo surgem com destaque”. A primeira abordagem é a

que assume a perspectiva Weberiana na análise do capitalismo, “que busca a

essência do capitalismo não em qualquer dos aspectos de sua anatomia

econômica ou sua fisiologia, mas no espírito predominante em cada época: o

espírito de empresa, de empreendimento, de aventura, de cálculo, de

racionalidade” (POMAR, 2007 p.55).

A segunda abordagem para POMAR (2007, p. 55) “identifica o capitalismo

com o comércio, ou ainda com a produção voltada para a troca. Esta

abordagem é extremamente influente e está na base de correntes teóricas

(como o utilitarismo e o marginalismo)”. A mesma busca a definição do

'Olhares sobre o processo investigativo'

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capitalismo a partir do processo de circulação de mercadorias, relegando a

segundo plano a esfera produtiva.

Já a terceira abordagem é a ligada à perspectiva materialista histórica e ao

materialismo dialético, que considera o capitalismo um modo de produção

específico, distinto de outros existentes na história da humanidade. Para

POMAR (2007 p.56) “o conceito modo de produção é adotada aqui em seu

sentido mais amplo do termo”. Não meramente enquanto o complexo

estabelecido entre as relações de produção e as forças produtivas como uma

leitura mais estreita da categoria modo de produção poderia nos conduzir. Pois,

Não se deve considerar tal modo de produção de um único ponto de

vista, a saber: a reprodução da existência física dos indivíduos. Tratese

muito mais, de uma determinada forma de atividade dos

indivíduos, de uma determinada forma de manifestar sua vida,

determinado modo de vida dos mesmos. (MARX , 1989 p. 27)

Logo, o modo de produção deve ser compreendido enquanto ”o modo pelo

qual os homens produzem seus meios de vida” (MARX, 1989 p. 27). Oriundo

“das relações que os seres humanos estabelecem entre si e com a natureza,

no processo de produção e reprodução de sua vida social” (MARX, 1989 p. 27).

Bem como pressupõe que,

[...] na produção social da vida, os homens contraem relações

determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações

de produção estas que correspondem a uma etapa determinada de

desenvolvimento de suas forças produtivas materiais.

O conjunto dessas relações de produção forma a estrutura

econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta a

superestrutura jurídica e política e qual correspondem determinadas

formas de consciência social. O modo de produção da vida material

condiciona o processo em geral da vida social, política e espiritual.

(MARX, 1982 p. 25)

Mediante esta definição do capitalismo enquanto modo de produção que

condiciona e exerce influencia sobre as diversas esferas da vida social, tanto a

econômico-social, a político-ideológica, quanto a dimensão mais subjetiva da

consciência. Ou seja, toma parte na organização da vida em sociedade, é

possível inferir que a concepção Weberiana do capitalismo apresenta grandes

limites. Pois adota como o elemento central, apenas o aspecto subjetivo, o

espírito, para definir a essência do capitalismo. A concepção marxista parte

justamente do pólo inverso, ao considerar que “não é a consciência social do

homem que determina seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que

'Olhares sobre o processo investigativo'

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determina sua consciência” (MARX, 1982 p.25). Bem como amplia a definição

do capitalismo ao considerar seu impacto sobre as diversas esferas da vida

humana em sociedade. Visto que, para MARX (1989, p. 36) “a produção de

idéias, de representações, da consciência, está, diretamente entrelaçada com a

atividade material e com o intercambio material dos homens, como linguagem

da vida real”.

Esta tese ao analisar o caráter histórico do capitalismo, ou seja, o que

distingue o mesmo dos demais modos de produção da vida social, leva em

consideração como ponto elementar para compreender sua especificidade, a

análise de sua esfera produtiva. Pois, segundo MARX (1983, p. 145) “aqui há

de se mostrar não só como o capital produz, mas também como ele é

produzido. O segredo da fabricação de mais-valia há de se finalmente revelar”.

Além disso, para que a produção e reprodução do capital se estabeleça

enquanto essencialmente capitalista nas diversas formações sociais, a

concepção marxista também pressupões algumas condições específicas que

devem ser encontradas nas sociedades para que se definam enquanto

capitalistas. Estas condições estão inseridas nas relações entre a classe

proprietária dos meios de produção e os trabalhadores, mais especificamente

no processo de compra, venda e consumo da força de trabalho.

Assim, estas condições estão intimamente ligadas e esfera da produção e

circulação de mercadorias. Pois, MARX (1983, p. 138) considera que “capital

não pode, portanto, originar-se da circulação e, tampouco pode não originar-se

da circulação. Deve, ao mesmo tempo, originar-se e não originar-se dela”.

Neste sentido, esta abordagem ultrapassa a segunda abordagem

anteriormente citada, pois considera as imbricações entre as esferas da

circulação e produção na sua definição do capitalismo.

Sobretudo, para que a produção do capital assuma sua forma capitalista,

como já citamos, algumas condições são necessárias. O elemento essencial

para descobrir a primeira destas condições, está em pressupor que na

transformação da mercadoria-dinheiro em capital, seu possuidor deve,

“descobrir dentro da esfera da circulação, no mercado, uma mercadoria cujo

próprio valor de uso tivesse a característica peculiar de ser fonte de valor, [...]

'Olhares sobre o processo investigativo'

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portanto criação de valor” (MARX, 1983 p. 139). E o possuidor de dinheiro

encontra esta mercadoria específica: a força de trabalho humana.

Entretanto, para que a força de trabalho apresente-se enquanto mercadoria

que no processo de circulação pode ser trocada por outra mercadoria, ou seja,

“para que seu possuidor venda-a como mercadoria, ele deve poder dispor dela,

ser, portanto, livre proprietário de sua capacidade de trabalho (MARX, 1983 p

139). Assim, a primeira condição para a existência do capitalismo enquanto

modo de produção distinto historicamente é o trabalho livre.

Por outro lado, a segunda condição necessária está na seguinte questão: o

possuidor da força de trabalho, não tem outras mercadorias para vender. Visto

que, “para que alguém venda mercadorias distintas de sua força de trabalho

ele tem de possuir naturalmente meios de produção, por exemplo, matérias

primas, instrumentos de trabalho etc” (MARX, 1983 p. 140). Assim, o

capitalismo tem na sua essência a existência de uma classe possuidora dos

meios de produção, a burguesia, e de outra antagônica, que possui como único

instrumento para a manutenção e reprodução de sua vida, a venda de sua

força de trabalho: o proletariado.

São estas as condições que se constituem enquanto premissas para a

existência do modo de produção capitalista nas diferentes formações sociais.

Porém, o mesmo ainda apresenta outras especificidades. Uma delas é a

relação de dependência entre trabalho assalariado e capital. Pois o capital,

compreendido enquanto um conjunto de relações sociais, não é produzido,

nem se reproduz, sem a exploração da força de trabalho alheia. Esta pode ser

considerada a lei da acumulação capitalista. Que segundo MARX (1982 p.193),

“nada mais é do que a relação entre o trabalho não-pago, transformado em

capital, e o trabalho adicional necessário à movimentação do capital adicional”.

Ou seja, no capitalismo, a força de trabalho não é comprada para satisfazer

as necessidades do seu comprador. Tão pouco a produção de mercadorias,

oriunda do consumo da força de trabalho é destina a satisfação das

necessidades dos trabalhadores e muito menos é destinada a satisfazer as

necessidades gerais da sociedade. O que acontecesse é justamente o aposto,

'Olhares sobre o processo investigativo'

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visto que no capitalismo, a compra e venda da força de trabalho da classe

proletária assume outra finalidade.

Força de trabalho é ai comprada não para satisfazer, mediante seu

serviço ou seu produto, às necessidades pessoais do comprador. Sua

finalidade é a valorização de seu capital, produção de mercadorias

que contenham mais trabalho do que ele paga, portanto que

contenham uma parcela de valor que nada lhe custa e que, ainda

assim, é realizada pela troca de mercadorias. Produção de mais valia

ou geração de excedente é a lei absoluta desse modo de produção.

(MARX, 1985 p. 191)

Esta relação social de exploração da força de trabalho para a extração

de mais-valia, determinante para a existência do capital no capitalismo,

também se estabelece de forma distinta. É o que Marx no Capítulo VI Inédito

de O Capital - Resultados do Processo de Produção Imediata, define como

subsunção real do trabalho ao capital ou o modo de produção especificamente

capitalista. Processo no qual,

[...] com a produção da mais-valia relativa (para o capitalista

individual, na medida em que toma a iniciativa, acicatado pela

circunstancia de o valor ser = ao tempo de trabalho socialmente

necessário que se objetivou no produto; estimulado pelo fato de que,

por conseguinte, o valor individual do seu produto é mais baixo do

que seu valor social e de que, por isso, pode ser vendido acima do

seu valor individual) se modifica toda a forma do modo de produção

(inclusive do ponto de vista tecnológico) e surge um modo de

produção especificamente capitalista, sobre cuja base, e ao mesmo

tempo que ele, se desenvolvem as relações de produção –

correspondentes ao processo produtivo capitalista - entre os diversos

agentes da produção e, em particular, entre capitalistas e os

assalariados.(MARX, 1985 p.92)

Imbricado a este processo, está o fato dos capitalistas se situarem apenas

como dirigentes do processo produtivo, nunca enquanto produtores diretos,

bem como ocorre um aumento qualitativo na escala de produção; uma

multiplicação, diversificação e ramificação das esferas produtivas; o aumento

da produtividade do trabalho e por fim, se desenvolve todo um complexo

sistema de circulação das mercadorias. Pois é na esfera da circulação que a

produção da mais-valia se realiza.

2.2 O desenvolvimento contraditório do capitalismo na formação

social brasileira e sua relação com o espaço rural

Ao concebermos o desenvolvimento capitalista como um processo

contraditório e na sua relação de luta pela hegemonia sobre formação social

'Olhares sobre o processo investigativo'

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brasileira. Tomamos como premissa o fato das formações sociais reproduzirem

uma ordem espacial dos objetos e ações, deste modo o espaço rural brasileiro

assume um papel relevante neste processo, pois uma das grandes bases das

relações sociais e em última instância do setor produtivo na formação social

brasileira se forja neste espaço.

No que se refere ao desenvolvimento do capitalismo no espaço rural

brasileiro, GORENDER (1994, p.34) afirma que "a gênese de desenvolvimento

desse modo de produção reside fundamentalmente na transformação da renda

da terra (pré-capitalista ou já capitalista) em capital agrário, na colocação da

terra a serviço da acumulação do capital agrário (ao invés de deseviá-la para

aplicações comerciais)".

Nesta perspectiva, o desenvolvimento capitalista neste espaço,

apresentará duas vias: a do latifúndio e a da exploração de caráter camponêsfamiliar.

a) a linha do latifúndio permeado de formas camponesas (plantagem ou latifúndio

pecuário) que se transforma, com maior ou menor lentidão, em empresa capitalista.

b) a linha da pequena exploração de caráter camponês-familial independentes

(sitiantes, posseiros, pequenos arrendatários e parceiros autônomos), a qual com a

expansão geográfica e intensificação da dinâmica do mercado interno, aumenta

seu grau de mercantilização e, por conseqüência, diminui seu grau de economia

natural. (GORENDER, 1994. p.34)

O desenvolvimento capitalista no campo, impulsionado pelo Estado

brasileiro, privilegiará os grandes proprietários, ou seja, a via do latifúndio.

Sendo o papel do Estado, um elemento distintivo na gênese e desenvolvimento

do capitalismo sobre a formação social brasileira. Segundo SAES (1990, p.

345) “existiu no Brasil no período pós-colonial um Estado escravista moderno,

mas em um contexto de crise do Estado entre 1888 e 1891, a luta de classes

no país levou a formação de um Estado burguês3”.

Esta transformação burguesa do Estado na visão do referido autor se

fez por etapas: “extinção legal da escravidão (1888), reorganização do

aparelho de Estado (proclamação da república em 1889), Assembléia

constituinte em 1890/1891. Sendo a classe média a força dirigente do processo

de transformação” (SAES, 1990. p. 346). Ou seja, foi a classe média, composta

pelos profissionais liberais a portadora da ideologia jurídico política burguesa

neste processo histórico.

'Olhares sobre o processo investigativo'

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Não obstante, esta transformação superestrutural foi condição

necessária para que o modo de produção capitalista se tornasse dominante na

formação social brasileira, sobretudo no espaço rural, visto que para SAES

(1990, p. 349) “o direito burguês passou a entrar em contradição com as

relações de produção pré-capitalistas vigentes na agricultura”. Elemento que

tornou-se fundamental para o desenvolvimento capitalista, pois o direito

burguês regulamentava o trabalho livre, que compõem uma das condições para

a existência do capitalismo, através do contrato entre proprietários dos meios

de produção e trabalhadores que vendem sua força de trabalho.

Entretanto, neste período histórico ao qual nos referimos, o trabalho livre

era praticamente inexistente no espaço rural, vigi uma relação de dependência

pessoal entre trabalhador e proprietário através de formas de trabalho como:

“o colonato, a moradia, a meação, a terça e a quarta que implicavam

na existência de uma dependência pessoal do trabalhador para com

o proprietário que cedia o uso da terra e (frequentemente) da

moradia; essa dependência pessoal excluía a possibilidade de que a

relação econômica entre proprietário dos meios de produção e

produtor direto assumisse a forma de contrato entre iguais. (SAES,

1990 p.351)

Contudo, somente algumas décadas após esta mudança

superestrutural, se realizará uma transição na estrutura da formação social

brasileira que permita caracterizá-la como capitalista.

Ainda algumas décadas após este processo, as relações précapitalistas

continuaram a ser dominantes no campo, e a indústria

permaneceu subordinada à agricultura; o que significa que as

relações de produção servis foram dominantes na própria formação

social tomada no seu conjunto. (SAES, 1990 p. 349)

Para realizar esta transição capitalista, se faz necessário o crescimento

do mercado de força de trabalho livre, desprovida de qualquer meio de

produção e possibilidade de desenvolver uma economia autônoma. Somente

mediante esta condição, o capitalismo poderá realizar a transição da

subsunção formal à subsunção real de sua produção ao capital no espaço rural

do Brasil. Em que, entende-se por subsunção formal "um domínio do capital

sem alteração ponderável de tecnologia precedente" (GORENDER, 1994 p.38),

ou seja, o aumento notório da quantidade de trabalhadores assalariados.

Enquanto na subsunção real da produção ao capital, ocorre a

substituição dos assalariados temporários por meios de produção tecnicamente

mais desenvolvidos. Configurando-se como, o "processo de assentamento do

'Olhares sobre o processo investigativo'

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capital agrário sobre uma técnica que lhe é adequada e lhe permite extrair do

trabalhador somente a mais-valia relativa, forma de mais-valia que,

especificamente caracteriza o capitalismo" (GORENDER, 1994. p. 38).

Ainda, sob a via alicerçada no latifúndio, atrelada aos interesses da

burguesia nacional e internacional, se estabelece na especulação fundiária

outra fonte de acumulação de capital, observa-se uma elevação dos preços

das terras. Logo, a terra que por si só não possui valor, mas preço, “passou a

funcionar como um mecanismo de reserva de valor, como forma de

entesouramento da burguesia agrária brasileira” (GORENDER, 1994). O que

aprofunda o processo de concentração de terras no Brasil a partir da sua fase

de desenvolvimento capitalista, como um problema estrutural vigente no

espaço rural.

Contudo,

[...] não é verdade que esteja ocorrendo o domínio absoluto do modo

de produzir industrial e a expansão total do trabalho assalariado no

campo. É fundamental explicar que o capital não transforma de uma

só vez todas as formas de produção ditada pelo lucro capitalista. O

desenvolvimento do capitalismo se faz de forma desigual e

contraditória. (OLIVEIRA, 1998 p. 471)

Isto significa dizer que no processo de acumulação e reprodução de

capital, são recriadas as condições para a manutenção do trabalho familiarcamponês

no espaço rural brasileiro, pois o mesmo incorpora em seu processo

de exploração da força de trabalho, esta forma de organização da vida social.

3. Discutindo as contradições do capitalismo em sua fase monopolista:

desterritorialização ou territorialização do capital no espaço rural

brasileiro

O debate a cerca do caráter desterritorializador do capitalismo não é

recente. De maneira implícita podemos verificá-lo na própria análise feita pela

abordagem marxista. Na Obra O Manifesto do Partido Comunista, redigida

por Marx e Engels em 1848, como plataforma política da Liga dos Comunistas,

uma associação secreta de trabalhadores inicialmente alemães que mais tarde

se tornou uma organização internacional dos trabalhadores. Este debate se faz

presente quando é analisado o papel da burguesia enquanto classe que

'Olhares sobre o processo investigativo'

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revoluciona não só as relações de produção, mas todo o conjunto das relações

sociais.

Através da exploração do mercado mundial, a burguesia deu um

caráter cosmopolita à produção e ao consumo em todos os países.

[..] Com o rápido aperfeiçoamento de todos os instrumentos de

produção, com as comunicações imensamente facilitadas, a

burguesia arrasta para a civilização todas as nações, até mesmo as

mais bárbaras. Os baixos preços de suas mercadorias são a artilharia

pesada com que derruba todas as muralhas chinesas, com que força

à capitulação o mais obstinado ódio aos bárbaros estrangeiros.

Obriga todas as nações, sob pena de extinção, a adotarem o modo

de produção da burguesia, obriga-as a ingressarem no que ela

chama civilização, isto é, a se tornarem burguesas. Numa palavra,

cria uma à sua imagem e semelhança. (MARX e ENGELS, 2004

p.49)

Nesta passagem, apesar de não citar a categoria espaço, Marx está se

referindo a escala geográfica expansível do capitalismo, e em ultima análise,

ao seu caráter desterritorializador. Tanto do ponto de vista político - ideológico

e social, através do papel da classe burguesa na luta para que suas idéias se

expandam e se tornem hegemônicas nas diversas sociedades do mundo, ou

seja, para que se tornem “civilizadas”, quanto do ponto de vista produtivo, para

que se sustente o processo de acumulação de capital nos países capitalistas

desenvolvidos no momento histórico ao qual a obra se refere, através da

construção de um mercado mundial que sustente a taxa de lucro da produção

capitalista. Logo, a desterritorialização está ligada a eliminação das barreiras

espaciais, “a derrubada das muralhas chinesas” como a passagem refere.

Nesta obra, ainda, a característica desterritorializadora do capitalismo

entendida como a eliminação das barreiras espaciais, pode ser verificada no

debate a respeito da relação entre o campo e a cidade.

A burguesia submeteu o campo ao domínio da cidade. Criou cidades

enormes, aumentou imensamente a população urbana em relação à

rural e arrancou assim uma parte considerável da população

embrutecida da vida rural. Assim, subordinou o campo à cidade,

subordinou os países bárbaros e semibárbaros aos países civilizados,

os povos camponeses aos povos burgueses, o oriente ao ocidente.

(MARX e ENGELS, 2004 p. 49)

Assim, a reflexão inserida por meio destas passagens do Manifesto do

Partido Comunista, bem como outras citações presentes em outras obras de

Marx, segundo HAESBAERT (2006 p. 21) “revelam claramente uma

preocupação com a desterritorialização capitalista, seja a do camponês

'Olhares sobre o processo investigativo'

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expropriado, transformado em trabalhador livre, e seu êxodo para as cidades,

seja a do burguês mergulhado numa vida em constante movimento de

transformação”.

Outros teóricos, marxistas e não marxistas, discutem a questão da

desterritorialização capitalista em seus diversos aspectos. Do ponto de vista

cultural, temos a leitura de Marshall Berman.

Ao contrário das interpretações que se restringem à perspectiva

econômico-política, Berman enfatiza o enfoque cultural no

materialismo histórico de Marx, cuja “verdadeira força e originalidade”

adviria da “luz que lança sobre a moderna vida espiritual” (1986:87).

Neste sentido, trata-se de uma leitura mais ampla que projeta a

desterritorialização (mesmo que sem o uso explicito do termo) como

uma das características centrais do capitalismo, e mesmo ainda, da

própria modernidade. (HAESBAERT, 2006. p.22)

Já no que se refere ao aspecto político-econômico, em uma abordagem

não marxista, temos a visão do sociólogo clássico Émile Durkheim que ao

analisar a passagem do século XIX para o século XX, “comentava a respeito da

fragilização das divisões territoriais a partir do crescente papel das

corporações” (HAESBAERT, 2006. p. 23). Assim, o debate a cerca da

desterritorialização capitalista ganha vulto nas ciências sociais, retomado de

forma ainda mais intensa neste início de século, fazendo com que se recoloca

a questão: terá o capitalismo como elemento essencial um caráter

desterritorializador dos objetos e ações?

A resposta para tal questão é complexa. Mas, ao analisarmos a própria

abordagem marxista poderemos encontrar elementos importantes para a

reflexão sobre tal discussão. Pois, ao mesmo tempo que esta abordagem faz

considerações a respeito do caráter desterritorializador do capitalismo,

dialeticamente, em seu pólo oposto, “o exame atento das obras de Marx revela

que ele reconheceu que a acumulação de capital ocorria num contexto

geográfico, criando tipos específicos de estruturas geográficas”. (HARVEY

2005 p. 43)

Nesta abordagem, o crescimento econômico no capitalismo tem como

elemento central o processo de acumulação de capital. No qual “a acumulação

é o motor cuja potência aumenta no modo de produção capitalista. O sistema

'Olhares sobre o processo investigativo'

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capitalista é, portanto, muito dinâmico e inevitavelmente expansível” (HARVEY,

2005 p.43). Por esta condição, para HARVEY (2005 p.43) “esse sistema cria

uma força permanentemente revolucionária, que incessante e constantemente,

reforma o mundo em que vivemos”.

Ao fazer esta análise David Harvey em sua obra “A produção

capitalista do espaço”, publicada pela primeira vez em 1975, propõe

encontrar o elo perdido na teoria da acumulação capitalista de Marx e na teoria

marxista do imperialismo. Ou seja, procura demonstrar como a teoria da

acumulação e do imperialismo no capitalismo se relaciona com as estruturas

espaciais.

A premissa desta relação está na compreensão de que o crescimento

econômico no capitalismo é um processo marcado por contradições internas

que freqüentemente desencadeiam crises. “No capitalismo, o crescimento

harmonioso ou equilibrado é, segundo Marx inteiramente acidental, devido à

natureza caótica da produção de mercadorias no capitalismo competitivo.

(HARVEY, 2005 p.44)

Assim, tais crises compõem a natureza do capitalismo, estão

relacionadas às barreiras estruturais encontradas dentro do próprio modo de

produção que impedem o progresso da acumulação. Entretanto, para além de

outras conseqüências sociais, do ponto de vista da produção e circulação das

mercadorias, “as crises periódicas devem ter o efeito de expandir a capacidade

produtiva e de renovar as condições de acumulação”. (HARVEY, 2005 p. 47).

Logo, podemos conceber as crises como uma mudança no processo de

acumulação de capital para um estágio novo e superior.

Neste novo estágio de acumulação, a demanda efetiva por produtos é

expandida, sendo capaz de aumentar a absorção de produtos. Contudo, os

pressupostos deste processo implicam, segundo HARVEY (2005, p 48), “na

intensificação da atividade social, dos mercados e das pessoas numa

específica estrutura espacial”, bem como “a expansão geográfica para novas

regiões, incrementando o comércio exterior, exportando capital, e em geral

expandindo-se rumo à criação do que Marx denominou “mercado mundial”.

'Olhares sobre o processo investigativo'

14

Este último processo suscita na visão de HARVEY (2005, p. 48) “a

questão da organização espacial e da expansão geográfica como produto

necessário para o processo de acumulação”. Mediante esta reflexão, é possível

estabelecer o elo de ligação entre o desenvolvimento capitalista e a

organização do espaço, como uma de suas imbricações imanentes. Portanto,

[..] o capitalismo, conclui Marx, é um notável insight, é caracterizado

necessariamente por um esforço permanente da superação de todas

as barreiras espaciais e da anulação do espaço pelo tempo”

(MARX,1973: 539). No entanto, isso denota que esses objetivos

apenas podem ser alcançados por meio da produção de

configurações espaciais fixas e móveis. (HARVEY, 2005 p. 45)

Relevar esta contradição, entre superação e ao mesmo tempo

reprodução de uma ordem espacial em novas bases, é tarefa da teoria espacial

no contexto do capitalismo. Assim, ao contrário do que uma interpretação em

uma perspectiva teleológica sobre a eliminação das barreiras espaciais poderia

nos conduzir a não entender que “a desterritorialização, é na verdade, uma

nova forma de territorialização, um processo constante de destruição e

construção de territórios” (HAESBAERT, 2004 p. 32). Discutir as contradições

do desenvolvimento capitalista, também significa reconhecer a existência da

dimensão espacial como condição para o processo de acumulação de capital.

Não obstante, o mundo capitalista moderno vivencia uma etapa distinta

de acumulação e reprodução de capital, a denominada fase monopolista.

Como ponto de partida para entendê-la se faz necessário analisar as

tendências e mudanças ocorridas no desenvolvimento do modo de produção

capitalista do final do século XIX ao início do século XX, bem como as mesmas

se mantém ou se renovam na contemporaneidade.

Dentre as tendências deste desenvolvimento situa-se o processo que o

próprio Marx já descrevia no do século XIX, quando o capitalismo ainda se

encontrava em sua fase concorrencial: “a tendência à concentração e

centralização do capital como elemento integrante do processo geral de

acumulação”. (HARVEY, 2005 p. 69).

As mudanças ocorridas estão relacionadas a esta tendência, mas são

aprofundadas pelo imperialismo, compreendido enquanto um novo estágio do

desenvolvimento capitalista. Ressaltamos que existem diversas abordagens a

'Olhares sobre o processo investigativo'

15

cerca da teoria do imperialismo, entretanto nesta reflexão adotamos a visão

desenvolvida por Lenin como a abordagem que melhor expressa às premissas

para a compreensão do capitalismo monopolista.

Lenin utiliza o termo “imperialismo” para descrever as características

gerais da forma fenomenal assumida pelo capitalismo durante um

estágio específico de seu desenvolvimento, particularmente, durante

o final do século XIX e o início do século XX. [...]. No entanto, Lenin

também procura revelar “a essência econômica do imperialismo.

(HARVEY, 2005 p. 68)

Neste estágio de desenvolvimento o capitalismo é resumido a cinco

elementos básicos:

1) concentração da produção e do capital desenvolvida em altíssimo

grau, criando monopólios que desempenham papel decisivo na vida

econômica; 2) fusão do capital bancário com o capital industrial, e

criação, com base nesse “capital financeiro”, de uma oligarquia

financeira; 3) a exportação de capital como distinta da exportação de

mercadorias adquire grande importância; 4) formação de associações

monopolistas internacionais, que dividem o mundo entre si, e 5)

conclusão da divisão territorial de todo o mundo entre as grandes

potências capitalistas. (LENIN, 1963 p. 737 apud HARVEY, 2005

p.68)

Perante estes elementos desenvolvidos pela teoria do imperialismo de

Lenin é possível avançarmos teoricamente no sentido de caracterizar este

estágio do desenvolvimento capitalista como monopolista, onde “a

concorrência cede inevitavelmente lugar ao monopólio via a concentração e

centralização do capital”. (SWEEZY, 1977 p.47)

Segundo SWEEZY (1977 p.48) “além de seus afeitos sobre o processo

de acumulação, o crescimento do monopólio e de suas formas institucionais

(as grandes empresas e o sistema financeiro que as alimentam) apresentam

enormes conseqüências”. Sendo que tais efeitos são os propulsores destas

consequências. Dentre as mesmas está a redução do número de empresas, a

luta pelo controle espacial e a diversificação de sua produção, como

fundamentos do processo de acumulação de capital nesta fase.

Logo, “o número de empresas é assim reduzido a um ponto tal em que a

concorrência cede lugar ao monopólio. (O termo monopólio é aqui usado e seu

sentido amplo, incluindo destarte, todas as diversas modalidades e todos os

diversos estágios de oligopólio)” (SWEEZY, 1977 p. 50). Ainda, o princípio

'Olhares sobre o processo investigativo'

16

base do comportamento das empresas, também é distinto no capitalismo

monopolista. Visto que,

[...] para que possa continuar se expandindo livremente, a empresa

deve transcender sua história. Dito de outra forma, a empresa nasceu

e cresceu produzindo e vendendo um determinado bem em uma

determinada região. Deve, agora, aprender a superar essas

limitações históricas, ou seja, deve lutar para adquirir novos

mercados, tanto no sentido do produto como no sentido geográfico.

Uma necessidade leva a criação de conglomerados; outra, de forma

mais ou menos direta, gera as diversas modalidades de empresas

multinacionais. (SWEEZY, 1977 p. 51)

Outro elemento inerente a teoria do capitalismo monopolista e ao papel

das empresas nesta fase da acumulação de capital diz respeito a sua taxa de

lucro. Pois,

[...] o que importa à empresa monopolista na busca de aplicações

para seus lucros (e/ou empréstimos) não é se a taxa de lucro que

pode obter em outra área é mais elevada que a taxa de lucro que

obtém no momento, mas se a taxa de lucro sobre um investimento

adicional na nova área é mais elevada ou mais reduzida do que a

taxa de lucro sobre um investimento adicional em seu atual campo de

atividade. (SWEEZY, 1977 p. 52)

Não obstante a formação social brasileira, sobretudo no espaço rural,

foco desta reflexão se integra a esta fase de desenvolvimento do capitalismo

através da relação estabelecida entre a produção agrícola, industrial e o capital

financeiro. Onde,

[...] o capitalista não se contenta apenas em seu negócio. Além de ter

outras propriedades que ele comprou na fase de concentração, ele

começa então a atuar em vários setores, não só na agricultura, mas

no comércio, na indústria, no capital financeiro. Esse movimento em

que o capitalista controla vários setores de atividades chama-se

centralização. E hoje, como conseqüência disso, não temos mais

uma burguesia agrária típica que vive só do trabalho que explora na

lavoura. Hoje, as grande propriedades brasileiras estão nas mãos de

grandes grupos econômicos que operam em várias áreas, como

banco, comércio, industria. (STÉDILE,1994. p.314)

Também, cabe salientar que “a lógica do desenvolvimento capitalista na

agricultura brasileira se faz no interior do processo de internacionalização da

economia brasileira. Esse processo se dá no âmago do capitalismo mundial e

está relacionado, portanto com a dívida externa” OLIVEIRA (1998, p.469). Pois,

é através dela que os governos dos países endividados criam as condições

para ampliar sua produção industrial.

'Olhares sobre o processo investigativo'

17

Mas, por outro lado, necessitam ampliar suas exportações para pagar

suas dívidas e o setor produtivo que ganha maior força neste processo é o

setor primário, principalmente a produção agrícola.

Para pagar a dívida eles têm que exportar, sujeitando-se a vender

seus produtos pelos preços internacionais. Os preços dessas

matérias-primas (gêneros agrícolas, minerais, exceto petróleo) têm

baixado significativamente nas últimas décadas, por isso esses

países têm que ampliar a produção para poder continuar pagando a

dívida externa. (OLIVEIRA, 1988, p. 469)

Assim, a produção agrícola se mantém na formação social brasileira

nesta fase do desenvolvimento capitalista. Sendo relevante o papel do Estado

neste processo, o que significa inferir mais uma vez quão importante é o papel

deste na própria manutenção e desenvolvimento do capitalismo, ainda que

muitos acreditem nas teses do livre mercado e advoguem sobre a superação

da intervenção do Estado na economia capitalista. Diante disso, mais do que

nunca se torna atual a máxima de Marx e Engels: “o Executivo do Estado

moderno é apenas um comitê para gerenciar os negócios comuns do conjunto

da burguesia”. (MARX; ENGELS, 2004 p.44)

Contudo, a reflexão inserida neste trabalho tomou como pressuposto a

questão da acumulação de capital somente existir mediante uma estrutura e

organização espacial específicas. Os elementos suscitados anteriormente nos

levam a crer que este processo não é diferente neste estágio do

desenvolvimento capitalista, principalmente no que se refere a sua relação com

o espaço rural brasileiro. Pois, neste espaço para além da centralização e

concentração de capitais, vigoram movimentos territoriais intimamente ligados

as duas vias de seu desenvolvimento contraditório: ao latifúndio e ao trabalho

familiar-camponês.

Ao analisar as transformações recentes no espaço rural brasileiro, é

possível inferir que

[...] este processo de desenvolvimento capitalista, está igualmente

marcado pela industrialização da agricultura, ou seja o

desenvolvimento da agricultura tipicamente capitalista abriu aos

proprietários de terra e aos capitalistas/proprietários de terra a

possibilidade histórica da apropriação da renda da terra, provocando

uma intensificação na concentração da estrutura fundiária brasileira.

A marca principal desse processo é a territorialização do capital,

sobretudo dos monopólios, que em geral atuam sob forma de

oligopólios. (OLIVEIRA, 1998, p.468)

'Olhares sobre o processo investigativo'

18

Por outro lado, contraditoriamente este processo expande a agricultura

familiar- camponesa, onde o capital monopolista desenvolveu passa a

subordinar e a apropriar-se da renda da terra produzida por estes

trabalhadores, transformando-a em capital. Segundo OLIVEIRA (1998, p 468)

“nesse caso o capital não tem necessariamente se territorializado, mas sim

monopolizado o território quando este está ocupado pelos camponeses”.

Assim, verificamos que a tendência do capitalismo em sua fase

monopolista, tem como marca não um processo de desterritorialização, mas

sim, apresenta dentre suas imbricações, movimentos de territoriais. Seja no

sentido do capital monopolista se territorializar, ou na busca pela apropriação

de territórios monopolizando sua produção. No entanto, se existem estes

movimentos isto implica sempre em discutir uma definição da categoria

território.

Seguindo este raciocínio, seria um equívoco definir o território

exclusivamente pelas relações de produção nas quais está inserido. Faz-se

necessária uma reflexão sobre a amplitude deste conceito em uma perspectiva

integradora, bem como em seu caráter relacional enquanto processo dotado de

historicidade e oriundo do conjunto de relações sociais estabelecidas pelos os

seres humanos entre si e com a natureza.

3.1 Definindo o território para entender os movimentos territoriais

do capital monopolista no espaço rural brasileiro

Definir a categoria território em uma perspectiva integradora significa

entender o território

“como um espaço que não pode ser considerado nem estritamente

natural, nem unicamente político, econômico ou cultural. Território só

pode ser concebido através de uma perspectiva integradora entre as

diferentes dimensões sociais (e da sociedade com a natureza)”.

(HAESBAERT, 2006 p.80)

Assim, a perspectiva geográfica intrinsecamente integradora, “vê a

territorialização como um processo de domínio (político-econômico) e/ou de

apropriação (simbólico-cultural) do espaço pelos grupos humanos”

(HAESBAERT, 2006 p. 17). Sobretudo, o território, “define-se antes de tudo

com referência às relações sociais (ou culturais, em sentido amplo) e ao

'Olhares sobre o processo investigativo'

19

contexto histórico em que está inserido” (HAESBAERT, 2006 p.78). Eis seu

caráter relacional.

Segundo RAFFESTIN (1993 p.143) “o território se forma a partir do

espaço, é resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que

realiza um programa) em qualquer nível”. Seja do ponto de vista políticoeconômico

e social, ou simbólico cultural, “ao se apropriar do espaço, concreta

ou abstratamente (por exemplo, pela representação), o ator “territorializa” o

espaço” (RAFFESTIN, 1993 p. 143). A partir destas considerações, voltamos a

analisar a relação entre o espaço rural brasileiro e o capital monopolista. Para

tal, alguns elementos devem ser retomados nesta reflexão.

O processo de internacionalização da economia brasileira ao qual nos

referimos anteriormente passou a estabelecer uma articulação entre agricultura

e indústria, “na qual a marca do desenvolvimento capitalista na agricultura

passa a ser a industrialização” (OLIVEIRA, 1998 p 470). Alguns setores como a

produção de soja que a partir da década de 60 se expandiu articulando-se com

a presença de multinacionais, a citricultura na década de 70 e 80 da mesma

forma e produção de álcool e açúcar a partir da exploração da cana-de-açúcar,

podem ser tomados como exemplos deste processo de industrialização.

Segundo OLIVEIRA (1998, p. 470) “essa industrialização deve ser entendida

como o processo de introdução do modo de produzir industrial no campo, que

por sua vez, provoca o inter-relacionamento intenso entre a indústria e a

agricultura”.

Ainda, para o autor “é fundamental situar esse processo no conjunto do

país e entendê-lo no processo global de expansão do capitalismo monopolista

no Brasil” (OLIVEIRA, 1998 p. 471). Sendo que no espaço rural,

O capital não tem atuado necessariamente no sentido de implementar

seu modo específico de produzir (através do trabalho assalariado) em

todo campo e lugar. Ao contrário, ora ele controla a circulação dos

produtos agropecuários, subordinando sua produção, ora se instala

na produção, subordinando a circulação. Um processo engendra o

outro. (OLIVEIRA, 1998 p. 475)

Isto significa dizer que a acumulação do capital monopolista não se

instaura somente pelas relações de produção tipicamente capitalistas. Também

se estabelece mediante a reprodução do trabalho familiar-camponês, ou seja

'Olhares sobre o processo investigativo'

20

fortalece a segunda via do desenvolvimento capitalista no espaço rural

brasileiro. Sobretudo, a acumulação de capital ainda tem como condição a a

necessidade de se desenvolver relacionando-se com estruturas e formas de

organização espaciais específicas. Estas, por sua vez se vinculam as esferas

da produção e circulação do capital.

No campo da relação entre o capital e as estruturas e formas de

organização espacial, OLIVEIRA (1998 p.478) salienta a existência de dois

processos: “a territorialzação do capital monopolista e monopolização do

território pelo capital monopolista”.

No primeiro processo, por conta da industrialização da agricultura, o

capitalista se tornou também proprietário de terras, portanto latifundiário.

Assim, “capitalista industrial, proprietário de terras e capitalista da agricultura

têm um só nome, são uma só pessoa ou uma mesma empresa” (OLIVEIRA,

1998 p.478). E para produzir utilizam o trabalho assalariado.

Logo, o capital monopolista se territorializa. Ou seja, ator sintagmático,

o capitalista territoralizou o espaço na medida em que se faz presente em

diferentes espaços, no campo e na cidade por ser ao mesmo proprietário de

terras, capitalista da agricultura e industrial. Sem falar da sua relação com o

setor financeiro, cada vez mais presente nesta fase do desenvolvimento

capitalista. Bem como realiza seu programa através do controle e dominação

espacial da produção. “Um exemplo desse processo de desenvolvimento

ocorre com as usinas ou destilarias de açúcar e álcool, onde atualmente

indústria e agricultura são parte ou etapas de um mesmo processo”

(OLIVEIRA, 1998. P. 478)

Não obstante, para RAFFESTIN (1993, p.59-60) “o território é um trunfo

particular, recurso e entrave, continente e conteúdo, tudo ao mesmo tempo. O

território é o espaço político por excelência, o campo da ação dos trunfos”.

Este elemento é importante para compreensão do segundo processo. Onde o

capital não se territorializa, mas se apropria de territórios.

Neste segundo caso, o mecanismo pelo qual o capital monopolista

estabelece seu processo de acumulação e reprodução é monopolização de

'Olhares sobre o processo investigativo'

21

territórios, como por exemplo, os territórios dos modos de vida familiar e

camponesa. Segundo OLIVEIRA (1998 p. 479) “o próprio capital cria as

condições pra que os camponeses produzam matérias-primas para as

indústrias capitalistas, ou mesmo viabilizem o consumo dos produtos industriais

no campo (ração na avicultura, e na suinocultura, por exemplo)”. Desta vez,

capitalistas e proprietários de terras, ou produtores rurais são pessoas

distintas. Porém, “nessas condições, o capital sujeita a renda da terra

produzida pelos camponeses à sua lógica, realizando a metamorfose da renda

da terra em capital”. (OLIVEIRA, 1998 p.479).

Um exemplo deste processo, segundo OLIVEIRA (1998 p. 478) “se dá

com os produtores de fumo no Sul do Brasil, que entregam sua produção às

multinacionais. Neste caso, o capitalista industrial é uma empresa industrial,

enquanto o proprietário de terra e o trabalhador são uma única pessoa, o

camponês”.

Cabe ainda ressaltar, que a ênfase ao aspecto da produção não significa

que estes territórios se definem meramente pelas relações de produção

inerentes aos modos de vida familiar e camponês. Visto que o território deve

ser concebido “como um híbrido, seja entre o mundo material e ideal, seja entre

a natureza e sociedade, em suas múltiplas esferas (econômica, política e

cultural) (HAESBAERT, 2006 p. 77). Portanto se constituem enquanto o

processo de domínio político-econômico e/ou de apropriação simbólico-cultural

do espaço por estes grupos humanos.

Sobretudo, o que se revela com este processo, é que o território se torna

o trunfo para a acumulação de capital, pois o capitalista agora não controla sua

produção, mas monopoliza o território através do processo de circulação das

mercadorias. Ou seja, monopoliza a venda dos produtos oriundos do trabalho

camponês ou familiar, tornando se seu único comprador. Assim, se

estabelecem as faces do desenvolvimento contraditório do capitalismo no

espaço rural brasileira e a sua necessidade de bases e dinâmicas territoriais

para ser produzido e reproduzir.

4. Considerações Finais:

'Olhares sobre o processo investigativo'

22

Conceber a categoria território, não enquanto um conceito abstrato, mas

como um processo concreto, intrínseco a condição humana, ou seja, ao

considerarmos que o território e a territorizalição compõem uma das dimensões

da vida humana, sendo processos construídos mediante as relações sociais

estabelecidas pelos seres humanos entre si e com a natureza. Não poderia o

modo de produção capitalista da vida social, estar alheio a esta condição.

Sobreduto porque o mesmo deve ser considerado um produto histórico e

espacial forjado pelo conjunto de tais relações sociais.

Portanto, a tendência preponderante do capitalismo em sua fase

monopolista de desenvolvimento e sua relação com o espaço rural brasileiro,

que como pode verificar-se caminha no sentido de realizar movimentos

territoriais, como base para a existência de seu processo de acumulação e

reprodução de capital. Seja na existência de um processo de territorialização

do capital monopolista, tanto quanto na monopolização de territórios pelo

capital monopolista. Revelam que este estágio do modo de organização da

vida em sociedade, denominado capitalismo, está intimamente ligado a

condição histórica das relações estabelecidas por homens e mulheres na

produção social de sua vida, ou seja, a condição de ter na esfera espacial e em

última instância territorial, um dos componentes da ontologia do ser social.

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Notas:

1 O termo hegemonia deriva do grego eghestui, que significa “conduzir”, ser guia, “ser líder”; ou

também do verbo eghmoniuo, que significa “ser guia”, “preceder”, “conduzir”, e do qual deriva

“estar à frente”, “comandar”, “ser o senhor”. Por hegemonia, o antigo grego entendia a direção

suprema do exército. Trata-se portanto, de um termo militar (GRUPPI, 1978 p.1). Entretanto, a

categoria Hegemonia é empregada neste trabalho no sentido desenvolvido por Gramsci.

'Olhares sobre o processo investigativo'

24

Segundo GRUPPI (1978 p. 3) “Gramsci – quando fala de hegemonia – refere-se por vezes a

capacidade dirigente, enquanto outras vezes refere-se simultaneamente à direção e

dominação”. Sendo que em Gramsci este conceito é desenvolvido em toda sua amplitude, isto

é, como algo que opera não apenas sobre a estrutura econômica e sobre a organização

política da sociedade, mas também sobre o modo de pensar, sobre as orientações ideológicas

e inclusive sobre o modo de conhecer.[..] também é a superação da contradição entre teoria e

prática, pois ele não se coloca automaticamente, é resultado de um processo de luta. (p.73).

Ver: GRUPPI, L. O conceito de Hegemonia em Grasmci. Rio de Janeiro: Edições Graal,1978.

2 Formação Social é uma categoria importante do materialismo histórico, suja abrangência

transcende os limites da estrutura econômica de base, é mais do que a base econômica da

sociedade e é, aqui usada para expressar a unidade e a totalidade das diferentes esferas da

vida em sociedade – econômica, ideológica, por vezes política – na continuidade e, ao mesmo

tempo, na descontinuidade de seu desenvolvimento histórico. Envolve as esferas estruturais,

superestruturais e outras – da sociedade, partindo do pressuposto que todas as relações entre

homens são sociais. (OHLWEILER, 1985 p.53) Sobre o tema ver a abra: OHLWEILER, O.C.

Materialismo histórico e crise contemporânea. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.

3 Para definir o conceito de Estado Burguês- Décio Saes analisa a teoria marxista do Estado.

Assim, não apresenta uma definição sintética desta categoria. Mas, adota como ponto de

partida dois enunciados distintos. A) O Estado Burguês organiza de um modo particular a

dominação de classe; b)O Estado Burguês corresponte a relações de produção capitalistas.

Ver: SAES, D. A formação do Estado Burguês no Brasil (1888-1891). Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1990. p. 25

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