Queda - Gênesis
Por: Bruno Arruda • 28/5/2024 • Artigo • 4.563 Palavras (19 Páginas) • 71 Visualizações
Criação, Queda e Redenção
A origem do Pecado e a dinâmica da tentação – Gn 3
A ideia da proibição tem a ver com a proibição de o homem querer ser como Deus. Deus criou o homem com a capacidade de escolher. Deus em sua infinita sabedoria permitiu que o homem passasse por uma situação de tentação. Mas se Deus é tão bom porque ele permitiu que o homem passasse por essa situação?
Na verdade observamos que Deus sabe de tudo e entende o que acontece. Deus permitiu que o homem passasse por uma situação que era externa a ele. O homem poderia escolher entre ceder ou não à tentação. A misericórdia divina é revelada no fato que Deus permitiu ao homem cair e estendeu a mão para tirá-lo da situação que este não poderia sair sozinho.
Esse é o risco do amor uma vez que o ser humano tem a liberdade de escolha (livre-arbítrio). O risco do amor que sugere liberdade, pois senão seria outra coisa, implica na livre escolha do homem em escolher contra seu Criador. E isso teve a participação especial da serpente.
A serpente é a ideia do mal. A serpente dirige sua palavra de tentação à mulher que se deixa enganar por “o serpente” (a palavra nachash no original está no masculino). A mulher se encanta com o discurso, observa o fruto (não sabemos como é esse fruto). Ela come e entrega o fruto ao marido. Ironicamente os dois abrem seus olhos, descobrem que estão nus e procuram resolver a situação por suas próprias mãos. Observemos que houve também uma situação de distanciamento (Adão não está com ela) ou de omissão (Adão poderia estar com ela, mas fica calado).
Quanto ao fruto, não há nenhuma indicação no texto de qual era ele. A maçã foi sugerida no passado porque historicamente a maçã estava ligada a deusa Afrodite, que na Grécia antiga era considerada a deusa do amor entre os gregos. Portanto aquela ideia de ligação ao pecado de Adão e Eva à sexualidade é que trouxe essa ideia da maçã, mas isso não tem a mínima base no texto bíblico e o pecado dos primeiros pais não tem nada a ver com a sexualidade. Veja que em Gênesis 2, Deus disse que o homem deveria crescer e se multiplicar e então o sexo é algo bom e estabelecido antes da Queda.
Outras pessoas têm uma ideia equivocada, de que Adão e Eva viviam em uma absoluta situação de inocência e ingenuidade. Isso não é possível porque quando alguém vive assim, essa pessoa não tem como receber ordens e separar o que é certo e o errado. Comer o fruto conhecimento do bem e do mal não indicaria que a partir daí o homem teria acesso a um conhecimento de uma situação que ele não teria como saber em absoluto. A ideia no original é de “conhecimento pleno, total, absoluto” independente do Criador, significando o querer ser igual a Deus.
Há espaço para o aparecimento do mal porque o mal existe pelo uso indevido da liberdade humana. O mal não é criado por Deus. A existência do mal é fruto da escolha do ser humano em dizer não a Deus.
A dinâmica da tentação nos dá condições de entender muita coisa para nossa realidade hoje. No primeiro versículo existe uma distorção da palavra de Deus de forma muito astuta pela serpente que exagera ao nível do absurdo sobre a ordem de Deus. A serpente faz uma jogada com esta ordem de modo a trazer uma visão negativa. Enquanto Deus disse: vocês podem comer de todos os frutos, menos o da árvore do conhecimento do bem e do mal; a serpente diz: vocês não podem comer dos frutos.
Outra opção para este versículo é entender que a serpente fez a mulher enxergar pelo lado negativo a ordem de Deus: então vocês não tem todos frutos do jardim, né?
O erro de Eva é dar atenção ao mal e aceitar dialogar com a serpente. Ela participa do diálogo como se isso não fosse lhe trazer problemas. E este engano faz com que Eva, entrando em um processo de enfraquecimento espiritual e criando um legalismo, ela mesma altera a palavra de Deus e acrescenta: “nem toquem!”. O exagero da serpente fez com que Eva exagerasse na ordem de Deus. Ou seja, Eva no fundo aceitou que a serpente tinha razão: de fato Deus não era tão bom assim por me negar este fruto.
A serpente não mentiu inicialmente, mas fez a mulher analisar negativamente a questão. A mulher passou a analisar todas as bênçãos a partir do limite, pois sua atenção foi chamada para aquilo que não podia e não mais para tudo o que podia. Para esconder tudo o que Deus nos deu, o diabo nos faz enxergar apenas aquilo que Deus não nos deu, gerando em nosso coração a ingratidão, que vai lançar dúvida sobre a bondade de Deus.
A serpente encontra espaço para prosseguir no seu intento maligno e dizer: “Deus mentiu”. Ela questiona a bondade de Deus, sugerindo que Deus é egoísta e que não quer alguém que vá competir com ele.
Isso faz com que Eva rompa com a palavra divina e se guie apenas pelos seus desejos. E ela se concentra no fruto, se concentra no ver ao invés de no ouvir.
Vejamos as expressões para a atitude da mulher e como elas são bastante significativas dando uma sensação de intensidade a seu desejo a cada novo ato:
Gn. 3.6 “Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos e árvore desejável para dar entendimento, tomou-lhe do fruto e comeu e deu também ao marido, e ele comeu.”
- Vendo (ra’ah; inspecionar, examinar);
- Agradável (chamad; desejo, cobiça);
- Desejável (ta’avah; anseios do coração);
- Implicitamente, descrença na palavra de Deus de que ela morreria;
- Internamente, a corrupção da vontade pelo orgulho do ser como Deus (Gn.3.5);
- Externamente, a desobediência;
- Segundo Tiago: Tg. 1.13-15
- Cobiça concebe e dá a luz ao pecado que gera a morte.
- Mas percebemos também outras raízes além da cobiça, que corrompe os desejos e emoções: o orgulho que corrompe a vontade e a incredulidade que rejeita a Palavra de Deus, corrompendo o intelecto.
É interessante observarmos estes pontos ou raízes do pecado que surgem no relato da Queda. Primeiro a incredulidade de não confiar na palavra de Deus ou de ignorá-la, deixando a mente ser corrompida. Em seguida, a cobiça se alastrando, os maus desejos tendo espaço e por fim a corrupção das emoções. E o terceiro, o orgulho de querer estabelecer-se, de querer experimentar por si só as coisas de modo independente de Deus, como amostra da corrupção da vontade. Podemos, pelo pecado original, inferir que todo o pecado possui estas três raízes: a incredulidade, a cobiça e o orgulho, em maior ou menor grau.
...