A Visão da Eucaristia no Período Pós-Niceno
Por: Alisson Silva • 15/8/2020 • Artigo • 7.139 Palavras (29 Páginas) • 245 Visualizações
A VISÃO DA EUCARISTIA
NO PERÍODO PÓS-NICENO
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Prof. Dr. Pe. Vital Corbellini1
Professor da FATEO - PUCRS
Resumo
Os Padres desse período eclesial e patrístico terão mais presente o Evange-lho de João, capítulo seis, do que os relatos sinóticos e de São Paulo sobre a instituição da Eucaristia. Eles realçam a Eucaristia como o corpo e sangue do Senhor, alimento superior ao maná no deserto. Cristo Jesus é o enviado do Pai, o pão descido do céu, dado em alimento para todos. A sua recepção traz vida em abundância ao ser humano, ainda que o fiel deva um dia morrer. Quem comer do seu corpo e beber do seu sangue une-se a Cristo, neste mundo, para um dia gozar da eternidade. A Eucaristia impulsiona ao testemu-nho de vida, ao amor fraterno. Há uma profunda ligação dos acontecimentos da última ceia com os da cruz: a sua paixão, morte e ressurreição. A Eucaris-tia é a memória e a ressurreição de Cristo na história.
Abstract
This paper deals with the Eucharist, based on the Gospels, in the Patristic pe-riod. The Fathers of this time have emphasized Christ’s body and blood as bread for all sent from heaven by God. Though we must die, the heavenly bread is a guarantee of immortality for the soul. At the same time, this bread impels us to the love for all the mankind without distinction, viewing Christ’s resurrection.
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- Pe. Vital Corbellini, Diocese de Caxias do Sul – RS, Doutor em Teologia e Ciências Patrísticas, Professor na FATEO-RS.
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Rev. Trim. Porto Alegre v. 36 Nº 151 Mar. 2006 p. 003-024
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Introdução
O período que se iniciou com a pax constantiniana (313) e, um pouco mais tarde, com o Concílio de Nicéia (325) até ao Concílio de Calcedônia (451), é comumente chamado de “Idade de Ouro” na Patrologia patrística. Uma nova etapa da história da Igreja estava se iniciando, não só pela liberdade e paz que o Im-pério concedera aos cristãos, mas também pela elaboração teoló-gica, cristológica, eclesiológica e bíblica. Diversas são as justifi-cativas para essa caracterização importante:
- a realização dos primeiros quatro Concílios da Igreja antiga e da patrologia: Nicéia (325), Constantinopla (381), Éfeso
- e Calcedônia (451);
- o debate teológico em alta na Igreja, com a participação popular e a definição conciliar da divindade do Filho e do Espíri-to Santo;
- o debate cristológico aprofundou a questão da unidade da pessoa de Cristo e as suas naturezas: divina e humana;
- houve elaboração de catequeses pré-batismais, mista-gógicas, e o aprofundamento dos sacramentos da iniciação cristã pelo catecumenato;
- foi um período de grandes autores cristãos, Padres da Igreja, como os da Capadócia, Atanásio de Alexandria, João Cri-sóstomo, Ambrósio, Agostinho e os Papas Leão Magno e Gregó-rio Magno, entre outros.
A Eucaristia mereceu uma atenção particular pelos Padres desses séculos, aprofundando mais, em relação aos Padres pré-nicenos, dados do mistério em si, o que é a Eucaristia, e a missão que ela acarreta ao cristão, quando a pessoa participa desse sa-cramento. No entanto, como pelos Padres do período pré-niceno, ela será vista como dom, graça, que o fiel recebe para atuar em uma vida de caridade junto aos seus: ao mesmo tempo, frisava-se a preparação à vida eterna. Cristo é o pão descido do céu, para o bem daqueles e daquelas que são dispostos a uma vida de paz,
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concórdia e amor. A seguir, daremos uma visão sobre os princi-pais Padres da Igreja e da historia da salvação, os quais marca-ram as suas comunidades.
1 A Eucaristia como dom, missão, nesse período histó-rico e patrístico
- fundamental perceber como o primeiro Concílio ecu-mênico e os Padres dessa etapa eclesial analisaram a Eucaristia como dom de Deus, através de seu Filho Jesus Cristo e, ao mes-mo tempo, a necessidade de vivê-la bem na cotidianidade da e-xistência de cada fiel cristão.
O Concílio de Nicéia (325) foi o Concílio que marcou a doutrina cristã pela defesa da divindade do Verbo. Ele teve como ponto referencial o homooúsios tô Patrí (“o consubstancial ao Pai”) – o Filho é da mesma substância do Pai. Ele foi gerado, não criado: (gennênthénta oú poiêthénta). Os Padres, ao condenarem o arianismo, doutrina que defendia a criaturalidade do Filho, queriam dizer que o Filho é Deus como o Pai é Deus. Ele não é do lado das criaturas, mas é do lado do Criador, assim como o Pai é Criador. O Concílio foi importante também do ponto de vista da disciplina, por exemplo daqueles que eram chamados de cátaros e desejavam entrar na comunidade eclesial, da consagra-ção de um bispo, entre outras normas. Sobre a Eucaristia os Pa-dres conciliares reforçaram a antiga norma de dar o indispensá-vel viático para aqueles e aquelas que estão em perigo de morte2. Desde o início, percebe-se a preocupação da Igreja pelos mori-bundos, para que assim fossem assistidos através do santo viáti-co.
Ambrósio de Milão (337/339-397) realçava a Eucaristia como pão espiritual para a vida de todos. Ele colocava a diferen-
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- Cf. CONCILIORUM OECUMENICORUM DECRETA, can. XIII, a cura di G. ALBERIGO. Bologna: EDB, 1991.
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ça entre o maná e o alimento superior, que é o Senhor e vem de-le. Se aqueles, que se alimentaram no deserto, morreram, ao con-trário, o alimento, que o Senhor Jesus é em substância, dá a vida eterna, e todo aquele que dele comer “jamais morrerá”, porque ele é o corpo de Cristo3. Ele faz uma distinção fundamental entre os dois alimentos, devido a sua proveniência: se aquele (o maná) vinha do céu, aquele de Cristo vem de acima do céu; se aquele esteve sujeito à corrupção, caso fosse guardado para o dia se-guinte, este não sofre corrupção, porque, saboreando-o, a pessoa não experimentará a corrupção das coisas4. Para eles (os judeus), a água da rocha corria para matar a sede de uma forma momen-tânea; para os cristãos, o sangue de Cristo flui para a vida de to-dos e é dado para sempre. O fiel seguidor de Cristo deve buscar o alimento que permanece e não por aquele que passa; se aquele era figura, o pão que é Cristo é realidade5.
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