GUERRA SANTA EM PAÍS CRISTÃO": A CRUZADA ALBIGENSE
Artigos Científicos: GUERRA SANTA EM PAÍS CRISTÃO": A CRUZADA ALBIGENSE. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: JUNNIORPHD • 21/1/2015 • 6.767 Palavras (28 Páginas) • 334 Visualizações
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“GUERRA SANTA EM PAÍS CRISTÃO”: A CRUZADA
ALBIGENSE*
Era o dia 22 de julho de 1209, ou, como os escritores medievais preferiam dizer
seguindo o costume do tempo, o dia da festa de Santa Maria Madalena. Um grandioso
contingente de cavaleiros armados, vindos do Norte da atual França, da atual Bélgica, da
atual Alemanha e da Inglaterra cercou a cidade de Béziers. Falava-se de vinte mil
cavaleiros equipados e mais de duzentos mil guerreiros a pé. Exagero evidente quando se
sabe que, naquele tempo, as guerras não envolviam mais de cinco mil combatentes.
Exagero compreensível quando se tratava de relatar um evento destinado a glorificar as
coisas da fé! O objetivo das tropas não deixava qualquer margem de dúvida: derrotar os
hereges que pululavam nas cidades e fortalezas situadas no Viscondado de Béziers e
Carcassonne e no condado de Toulouse.
Entre os que tomaram a cruz de Cristo para lutar em seu nome estavam importantes
feudatários do rei Filipe Augusto, como Eudes III, duque da Borganha, Hervé IV, conde de
Nevers e Gaucher de Chantillon, conde de Saint Pol. Havia também representantes da elite
eclesiástica do tempo: o arcebispo de Sens e o arcebispo de Bourdeaux, os bispos de Autun,
de Clermont e de Nevers, os bispos de Cahors e de Agen. Depois, alinhavam-se os grandes
barões e destacados cavaleiros, entre os quais Guilherme de Roches (senescal de Anjou), o
conde de Bar-sur-Seine, Gaucher de Joigny, Guichard de Beaujeau; ou senhores feudais
menos poderosos, como o conde Simão de Montfort, o conde Gui de Auvergne, o
visconde de Turenne, Bertrand de Cardaillac e o senhor de Gourdon. O exército compunhase
ainda de vassalos dos senhores eclesiásticos e laicos assinalados, de mercenários e
guerreiros a pé. Todos eram liderados pelo legado papal de Inocêncio III chamado Arnaldo
Amauri.
A exigência dos “cavaleiros de Cristo” era uma só: que os moradores de Béziers - a
primeira cidade a ser atacada - entregassem os hereges que ali encontravam guarida. O
bispo local serviu de intermediário entre os recém-chegados e os habitantes, uma vez que o
senhor feudal da localidade, Raimundo Rogério Trencavel, abandonara a localidade e
* Conferência apresentada no Seminário Guerra Santa e Cristandade na Idade Média, promovido pelo GT de
Estudos Medievais, em 10/08/2000.
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buscara refúgio na vizinha Carcassonne. O sacerdote aconselhou os governantes municipais
a render-se diante das evidências e evitar os ferimentos das espadas de aço cortante. Mas a
resposta contrariou as expectativas. Declararam que não expulsariam os supostos hereges e
preferiam resistir: não entregariam nada aos cruzados que pudesse acarretar qualquer
mudança no governo da comunidade.
A ação dos sitiantes foi rápida, eficaz e fulminante. Atacadas pelos mercenários que
acompanhavam a expedição, e depois pelos próprios cavaleiros cruzados, as muralhas de
Béziers não ofereceram proteção por muito tempo. Aos gritos de “ao assalto” e “às armas”,
a comunidade foi ocupada. Abandonando suas posições de defesa, os sitiados deixaram as
torres e muros, refugiando-se com mulheres e crianças no interior da igreja catedral de
Madalena. Fora do recinto os fossos e paliçadas eram transpostos, casas e estabelecimentos
eram pilhados e incendiados, toda a população encontrada era passada ao fio da espada. Em
pouco tempo, nem mesmo o templo sagrado ofereceu proteção aos refugiados. Como diz
um dos testemunhos contemporâneos:
“Nada pôde salvá-los, nem cruz, nem altar, nem crucifixo.
Os mercenários mataram clérigos, mulheres e crianças; ninguém escapou.
Se Deus quiser, receberá suas almas no Paraíso!
Não creio ter havido tal massacre desde o tempo dos sarracenos.”1
Do relato até aqui apresentado, chama de imediato a atenção o fato de que os
testemunhos oculares tenham registrado em pormenor as circunstâncias da investida sobre a
primeira comunidade importante da Occitânia. Com efeito, o episódio conhecido como
“massacre de Béziers” ocupa lugar de destaque nos eventos da Cruzada Albigense seja
devido às suas consequências imediatas – o princípio da derrota dos senhores feudais do
Languedoc, uma vez que a mesma foi abandonada pelo seu senhor pouco antes do sítio –
seja devido à carnificina promovida pelos sitiantes. Os testemunhos contemporâneos não
deixaram de expressar sua perplexidade e, ao mesmo tempo, seu júbilo em face da derrota
iminente dos “inimigos da Cristandade”.
1 La Chanson de la Croisade Albigeoise (Les Classiques de l’Histoire de France au Moyen Age). Éditée et
traduite du provençal par Eugene MARTIN-CHABOT. Paris: Ancienne Honoré Champion, 1931. Tome I,
Estrofe
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