Militância, globalização e pluralização: O Islã nos séculos XX e XXI
Por: rafaelalvim • 9/8/2018 • Artigo • 3.014 Palavras (13 Páginas) • 280 Visualizações
Militância, globalização e pluralização: O Islã nos séculos XX e XXI
No final do século XIX e início da XX, quase a totalidade dos territórios muçulmanos no Oriente Médio e Norte da África caíram sob controle colonial das potencias europeias.
Nesse contexto a questão do Estado e de modelos “nativos” de soberania ganhou uma enorme relevância, direcionando a reflexão dos intelectuais muçulmanos para a elaboração do ideário do “islã político”. A novidade do islã político não estava no uso da religião como fator de mobilização social, pois boa parte das revoltas anticoloniais do século XIX foi feita em nome do islã, mas sim em propor uma teoria política construída a partir de categorias islâmicas. O conceito central do islã político é o de “Estado Islâmico”, que tem antecedentes no pensamento de Rashid Rida, mas representa uma ruptura com o equilíbrio tradicional entre o poder político e a moral religiosa tal qual ele se estabeleceu na história islâmica.
Em busca do Estado Islâmico: os Irmãos Muçulmanos
O grupo dos irmãos muçulmanos (al-Ikhwan al-Muslimun), também conhecido como irmandade muçulmana, foi fundado em 1928 por Hassan al-Banna em Ismailiyya, no Egito. Al-Banna propunha um movimento social que mobilizasse os egípcios em torno do Islã e criasse as bases da verdadeira liberdade. Essa mobilização teria como finalidade a produção de um quadro político-institucional dentro do qual os muçulmanos poderiam viver de acordo com seus valores.
O Estado Islâmico, para al-Banna, seria aquele comprometido com a implementação da lei islâmica (shari`a), já entendida como um código legal, e não apenas jurisprudenciais.
Em pouco tempo, os irmãos muçulmanos constituíram uma forte presença entre a classe média profissional e os funcionários da burocracia egípcia, de onde provinha a maioria de seus membros.
Até os anos 40 os Irmãos Muçulmanos egípcios viam como principal adversário a política parlamentar liderada pelo partido Wafd, que, apesar de seu nacionalismo secular, era impotente para mudar a situação colonial do Egito. Para se contrapor ao jogo político, os Irmãos vão buscar uma aliança com a monarquia egípcia em troca de uma islamização das instituições. Essa aliança mostrou-se ilusória, uma vez que o rei buscava apoio dos ingleses contra os nacionalistas, e Hassan al-Banna foi assassinado pelo serviço secreto egípcio em 1949. A partir da morte de al-Banna, os irmãos Muçulmanos aliaram-se a grupos nacionais e apoiaram o golpe dos oficiais que levou Gamal ´Abd al-Nasser ao poder em 1952 (Mitchell, 1969).
Com a prisão, tortura e assassinato de seus líderes e militantes, os Irmãos Muçulmanos foram levados a ciclo de radicalização e violência durante o nasserismo. Nesse contexto surgiu o pensamento Sayd Qutb (1906-1966), que, como Hassan al-Banna, era um professor secundário de origem humilde.
A primeira obra de sucesso de Qutb foi A Justiça Social do Islã, publicada em 1949, na qual ele delineia a ideia de “socialismo islâmico”. Este consistiria no controle econômico de um Estado forte e comprometido com as noções de justiça e equidade inscritas na lei islâmica. Por se opor ao caráter secular do “socialismo árabe” de Nasser, Qutb foi preso e torturado em 1954.
O pensamento de Qtub se radicalizou na prisão, onde escreveu boa parte de sua obra. Qubt radicalizou o programa da revolução islâmica, dizendo que o inimigo a ser combatido não era apenas o Estado, mas a própria sociedade egípcia que havia caído em um estado de jahiliyya (ignorância do islã). Qutb foi preso e enforcado em 1966.
Embora a linha oficial dos Irmãos Muçulmanos tenha continuado a reforma moral do indivíduo como condição para a ação política, uma leitura estritamente política das ideias de Qutb alimentou o radicalismo dos grupos islâmicos que proliferaram nos anos 70.
Da reforma religiosa à revolução islâmica: O xiismo no século XX
No mundo xiita, o movimento de reforma religiosa começou mais tarde que entre os sunitas, tomando corpo entre o final do século XIX e as primeiras décadas do XX. A reforma religiosa do xiismo foi iniciada por especialistas religiosos do Jabal ‘Amil no sul do Líbano e teve em Muhsim al-Amin (1867-1952), o mufti xiita de Damasco, sua figura principal.
Radicalização e globalização: O islã político e a emergência da Jihad Transnacional
Nos anos 70, a quase totalidade dos países de maioria muçulmana se encontrava sob regimes políticos autoritários. No oriente médio árabe, esses regimes geralmente buscavam afirmar sua legitimidade através da ideologia do nacionalismo árabe e, em alguns casos do socialismo árabe. A crise econômica e o declínio do padrão de vida durante a década de 70 só aumentou e ampliou o espectro social da oposição aos regimes nacionalistas nas sociedades árabes. Nesse contexto, o islã político ganhou força como veículo de um descontentamento social cada vez mais amplo.
Durante esse período, muitos grupos islâmicos se lançaram na luta armada visando a derrubada do regime de Sadat e a criação de um Estado Islâmico no Egito.
A partir de 1974, o Egito foi abalado por atentados e sequestros que visavam alvos e pessoas ligados ao Estado. A repressão estatal foi brutal, gerando uma espiral de violência na qual ataques-repressão-retaliação se sucediam de forma cada vez mais frequente no cotidiano da sociedade egípcia.
A revolução islâmica no irã reascendeu as esperanças de uma tomada violenta do poder e fez com que os grupos militantes intensificassem seus esforços para conquistar o poder.
As esperanças de uma “internacional islâmica” estavam em ascensão, uma vez que o Irã procurava exportar sua revolução, promovendo grupos militantes como o Hizbollah criado no Líbano, em 1982.
No entanto, a influência saudita também se fez sentir na constituição do jihadismo transnacional, que emergiu como produto do confronto entre EUA e União Soviética no Afeganistão. A invasão soviética no Afeganistão no natal de 1979 propiciou uma aliança entre os Estados Unidos, a Arábia Saudita e o Paquistão com o objetivo de transformar a resistência tribal afegã em uma “guerra santa” contra os soviéticos.
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