Música: Explicatio Textus, Prædicatio Sonora
Dissertações: Música: Explicatio Textus, Prædicatio Sonora. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: aldomoraes • 3/3/2014 • 1.880 Palavras (8 Páginas) • 575 Visualizações
Música: Explicatio Textus,
Prædicatio Sonora
Quando Martinho Lutero referiu-se à música de boa qualidade como eficiente veículo para
explicação do texto, serva, portanto, e não espetáculo por si mesma, estava, na verdade,
refletindo parte do pensamento de sua época: música boa agradava a Deus, música má
agradava a Satanás, independente de ela estar associada ao culto ou não. Os critérios
que definiam a qualidade e a conseqüente utilidade da música eram absolutamente
claros. Falava-se, assim, objetivamente, em música própria para adoração a Deus e em
música objetivamente imprópria para o serviço litúrgico.
Se Lutero enfatizava a importância da anunciação da Palavra de Deus através da prédica
no culto, entendia que boa música poderia fixar as verdades teológicas anunciadas. É
neste contexto que deve-se entender sua concessão: "Depois (ao lado) da teologia, à
música o lugar mais próximo e a mais alta honra".(1) É que, para ele, teologia e música
pertencem-se, relacionam-se estreitamente, já que música é veículo apropriado para
anunciar a Palavra de Deus, e o faz de forma especial, em sons. Entendeu Lutero que do
maravilhoso presente divino (donum divinum et excellentissimum) dado exclusivamente
aos homens, a união dos sons vocálicos (vox) à palavra (sermo), de música e canto,
deviam ser corretamente utilizados para que esses mesmos homens adorassem seu
Deus.(2)
"As notas musicais vivificam o texto".(3) Elas intensificam a força da palavra. Na tradição
musical reformada luterana, a música revela o texto. Ela o explica (explicatio textus).
Nesse sentido ela deverá ser uma espécie de exegese, uma explanação do texto, um
"sermão em sons" (prædicatio sonora). Segundo Lutero, "Deus mesmo fez com que o
evangelho fosse anunciado com música".(4) O cântico congregacional só atingirá seu
objetivo se a Palavra de Deus puder ser anunciada, absorvida e preservada pelo povo por
meio dele.(5) É este o "cântico popular" defendido por Lutero para o culto. Um cântico
que explicasse o evangelho para o povo e o interiorizasse. "Cântico popular", neste
contexto, não se refere à música profana da época, se considerada música má, e
portanto, agradável apenas aos ouvidos de Satanás. A música que se canta no culto deve
"fortalecer e intensificar o Santo Evangelho e também impulsioná-lo".(6)
• Boa música, música má
O conceito de "qualidade", ou a definição do que seria bom ou mau no que se referia à
música, era, nos séculos XVI a XVIII, bastante objetivo e claro. Falava-se em música boa
e má usando-se parâmetros muito bem determinados e que iam além da beleza do
produto final, da intenção de quem o produzira e, até mesmo, da finalidade da obra.
No ano de 1700 foi editado em Hamburgo uma espécie de método de estudo para o
Baixo-cifrado, técnica musical bastante comum na época. O editor, Friedrich Erhard Niedt,
escreveu no prefácio:
...a finalidade e a razão de toda música devem ser somente a glória de Deus e a
recreação sadia da alma. Onde isto não é levado em conta, não há música propriamente,e aqueles que abusam desta nobre e divina arte são "musicantes" do demônio, pois
Satanás tem seu prazer em ouvir tais coisas infamantes. Para ele, tal música é boa o
suficiente, mas para os ouvidos de Deus, são berros infamantes. Quem deseja, na sua
profissão de músico, ter a graça de Deus e uma consciência limpa, não desonra esta
grande dádiva de Deus, pelo seu abuso.(7)
Niedt nos revela aqui parte do pensamento corrente do seu tempo e que, por sua vez, era
uma síntese do pensamento dos dois séculos anteriores. Seguindo-se seu raciocínio, toda
música, mesmo a secular, devia ser escrita "para a glória de Deus". Para isso, devia
preencher, naturalmente, alguns requisitos. Se o fizesse agradaria a Deus. Mas se não o
fizesse, agradaria a Satanás, mesmo que houvesse sido composta para agradar a Deus!
• O Princípio da ordem e do número
No período do barroco, "boa música" estava associada ao princípio da ordem e do
número. Falava-se em "harmonia sonora", uma arte baseada em regras bem
determinadas. O princípio da ordem, musical ou não, era divino. O princípio do caos,
musical ou não, era satânico. Satanás era, aliás, o principal desestruturador da ordem
divina. A música que recebia aceitação e aprovação como "boa" era aquela possível de
ser racional e intelectualmente decodificada. Devia "falar ao intelecto". Quando isto
acontecia, então podia-se falar em uma verdadeira Ars, ou seja, em Arte no sentido mais
restrito da palavra. A Ars Musica baseava-se no princípio da ordem e do número. Se não
o fosse era objetivamente
...