O Impacto do Crescimento Pentecostal na Vida de Bandidos
Por: juliabrz10 • 16/11/2018 • Dissertação • 1.709 Palavras (7 Páginas) • 200 Visualizações
O Impacto do Crescimento Pentecostal na Vida de Bandidos
Por Júlia Braz
Segundo dados do IBGE, entre os anos de 2000 e 2010, o número de evangélicos cresceu quase 50%, enquanto a Igreja Católica perdeu 1 a cada 10 fiéis[1]. O fenômeno dinâmico do movimento de expansão das igrejas Evangélicas e aumento de sua influencia, sobretudo em áreas carentes, tem sido objeto de análise, muitas vezes pelo caráter peculiar com que esse crescimento ocorre e em relação ao impacto na vida dos moradores desses locais.
O artigo “’Traficantes Evangélicos’: novas formas de experimentação do sagrado em favelas cariocas” de Christina Vital da Cunha faz uma análise acerca do crescimento do movimento das igrejas evangélicas pentecostais nas favelas do Rio de Janeiro, procurando mostrar uma nova forma de ver a experimentação do fenômeno pentecostal tendo como objeto de estudo o traficante e sua relação com o sagrado através do uso de símbolos religiosos, do consumo do produto gospel, normalmente traduzido nas músicas, além do uso de expressões pentecostais comumente utilizadas dentro da igreja e por seus fieis.
A autora inicia o artigo relatando uma experiência vivida em uma de suas visitas de campo à favela de Acari, na qual se depara com traficantes cantarolando uma música gospel, o que a princípio gera estranheza devido à dificuldade inicial de fazer uma conexão entre o mundo dos traficantes e o meio evangélico. A partir dessa experiência, a autora começa a indagar acerca de como pode ter ocorrido essa mudança da sensibilidade religiosa desse grupo, que anteriormente era ligada às religiões de matriz africana e toda sua simbologia indo em direção à religião evangélica.
Em outro momento do texto a autora analisa o grande crescimento das igrejas pentecostais a nível mundial e como esse crescimento foi expressivo em regiões de maior vulnerabilidade econômica e social. Ora, é certo que a missão pentecostal principal é expandir a pregação do evangelho de modo que alcance o maior número de pessoas “Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura. (Marcos 16:15 NVI) As favelas, em sua maioria, são locais onde ocorrem guerras constantes, onde há uma grande “propagação do mal” que deve ser combatida com o bem, ou melhor, com a palavra e na qual há um grande número de pessoas necessitadas de acolhimento, tornando esses locais propícios para o trabalho multiplicador das igrejas pentecostais.
Além disso, a maior proximidade da liderança evangélica com os moradores da favela em relação às outras religiões pode ser justificada também pela empatia mútua gerada entre eles, visto que, na maioria das vezes os pastores e suas famílias vivem a mesma rotina difícil de medo constante dentro das favelas, eles são mais acessíveis, além de promoverem atividades constantes que envolvem e acolhem todos os tipos de pessoas inclusive bandidos e seus familiares, gerando uma rede de solidariedade que resultam na fixação do membro, pois ter um lugar que promova uma proteção emocional e espiritual, consequentemente traz uma sensação de paz e de segurança física.
A autora afirma que existiam muitas pinturas, símbolos e inscrições de vertente católica e também ligadas às religiões de matriz africana nos muros da favela de Acari, assim como altares com oferendas. Na década de 90, quando o estado do Rio reforçou as políticas de combate à criminalidade nas favelas, os policiais ocuparam as favelas e destruíram todos os altares e quase todas as pinturas ligadas ao catolicismo e sobretudo ao candomblé, que no imaginário policial, estas imagens estavam ligadas à criminalidade. Este ato tinha sido uma forma de mostrar que o Estado voltou a ter controle daquela área.
No período compreendido entre a ocupação policial e o ano de 2001, a autora fez a contagem dos templos que tinham na favela e como resultado percebeu que enquanto os templos das outras religiões diminuíam ou permaneciam estagnados, as igrejas evangélicas se multiplicavam, sendo a maioria delas pentecostais. Além disso a autora argumenta que de uma certa forma as igrejas eram apoiadas pelo estado em detrimento das religiões de matriz africana, então a igreja evangélica passou a ter cada vez mais um papel importante politicamente e socialmente dentro das favelas.
Devido ao aumento da projeção e destaque das igrejas na comunidade de Acari, os “bandidos” passaram a respeitá-las e a recorrer a elas em busca de proteção espiritual. A autora diz que com o tempo, os dias de “santos” não eram mais comemorados como antes e normalmente o que se ouvia durante a noite era o som dos cultos. Além disso, os muros que antes sustentavam imagens de santos católicos e orixás passaram a dar espaço para versículos bíblicos. Isso era apoiado e muitas vezes financiado pelos traficantes para poder “agradar a Deus e obter Dele proteção”[2], além de mostrar para todos os moradores, policiais e traficantes de outras favelas que foi o tráfico local que está promovendo aquilo.
A necessidade de recorrer a um ser superior para garantir vitórias e conquistas em meio às lutas e conflitos cotidianos é partilhada tanto pelos evangélicos quanto pelos traficantes e, com o recuo da ocupação policial, os bandidos passaram a financiar também shows gospels, de modo a agradar tanto à igreja quanto a alguns familiares que são ligados à igreja. A autora ainda cita que alguns “traficantes evangélicos” dizem que a vida no crime é provisória, que estão apenas ajudando a família e que um dia vão largar tudo e se tornar evangélico de vez.[3]
Dentre todos os planejamentos para o futuro dos traficantes, a autora cita o caso de Jeremias, traficante muito poderoso e influenciador, que introduziu a religiosidade na condução dos negócios do crime após se filiar a uma igreja evangélica e que mudou a algumas ações do tráfico, em vista de uma “política de redução de danos”[4], diminuindo a ocorrência de violência e consequentemente das mortes, reduzindo assim a atenção por parte dos policias. Nas palavras de um dos entrevistados pela autora, isso é “inteligência de comunidade”.
É interessante observar também o papel que essas igrejas exercem ao resgatar esses indivíduos do “fundo do poço”, quando estão em perigo de perder a própria vida. Esse assunto é tratado com mais profundidade no artigo “Pentecostalismo e o Sofrimento do (ex-bandido)” de Carly Barboza Machado, que faz uma análise de alguns membros da ADUD (Assembleia de Deus dos Últimos Dias), que tiveram uma passagem traumática pelo mundo do crime e foram recolhidos por essa igreja, tratados, passando por uma conversão e incluídos nas atividades da igreja.
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