Religião, diversidade e valores culturais: conceitos e educação para cidadania
Artigo: Religião, diversidade e valores culturais: conceitos e educação para cidadania. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: saladinha • 14/5/2014 • Artigo • 4.413 Palavras (18 Páginas) • 442 Visualizações
Religião, Diversidade e Valores Culturais: conceitos
teóricos e a educação para a Cidadania
Eliane Moura da Silva* [elmoura@unicamp.br]
Resumo
Neste artigo são apresentadas algumas das questões conceituais e teóricas que nortearam
a implantação do Ensino Religioso nas escolas públicas de São Paulo. Defendendo o ensino
público laico, a diversidade, o multiculturalismo e o pluralismo, o estudo dos fenômenos
religiosos foi valorizado como patrimônio cultural e histórico, enfatizando as diversas
expressões e crenças definidas como religiosas no campo da História Cultural. Chamando a
atenção para os diferentes sentidos e usos de termos que, em determinada situação, geram
crenças, ações, instituições, condutas, mitos, ritos. Como atividade pedagógica, o trabalho
com a diversidade religiosa se torna elemento central de ação pró-ativa em favor de atitudes
de tolerância e respeito às diferenças e compreensão da alteridade.
Abstract
Since Brazil’s public educational system is grounded on the separation between State and
Church, courses in religion are a means of preserving the cultural heritage in all its diversity in
terms of belief, institution, action, behavior, myths and rites. The author argues that to deal
with this plurality within the framework of public education represents a privileged opportunity
to foster mutual tolerance and respect for religious differences among the pupils.
Ao elaborar uma proposta teórica conceitual adequada ao projeto de implantação do Ensino
Religioso nas escolas públicas do Estado de São Paulo, alguns desafios foram
apresentados. Em primeiro lugar, em se tratando de escola pública, havia que garantir a
separação entre Estado e religião considerando que aquele não deve patrocinar “ensino de
religião”. Numa sociedade democrática essa é uma questão de foro íntimo, de decisão
própria. Ensino de religião, entendido como catequese ou pregação apologética de uma
determinada expressão religiosa, é um direito de instituições religiosas, mas deve ser
* Professora Doutora no Departamento de História/IFCH/UNICAMP.
www.pucsp.br/rever/rv2_2004/p_silva.pdf 1
Revista de Estudos da Religião Nº 2 / 2004 / pp. 1-14
ISSN 1677-1222
realizado em escolas confessionais, seminários ou círculos de estudo e não no âmbito das
escolas públicas, não-confessionais. A defesa desse princípio de separação norteou todo o
material produzido, bem como as capacitações feitas com os profissionais da rede estadual
de ensino (atp’s, diretores e professores).
Como ênfase central do trabalho estabelecemos alguns pressupostos, partindo da noção de
diversidade. Somos diversos. Essa verdade fundamental é sempre ameaçada por ações
individuais e coletivas de intolerância. Somos diversos historicamente, etnicamente,
lingüisticamente e, da mesma forma, somos diversos religiosamente. A diversidade religiosa
é profunda. Ela existe entre ateus e religiosos, entre formas distintas de religião (cristãos e
budistas, por exemplo), entre ramos religiosos com pontos em comum (como judeus e
muçulmanos), entre expressões internas de uma mesma religião (católicos carismáticos e
adeptos da Teologia da Libertação) e mesmo entre expressões geográfico-históricas da
mesma fé (católicos espanhóis e católicos norte-americanos).
Em nenhum período da história houve uma única religião em todo o mundo, como também
nunca foram dominantes as atitudes de tolerância no passado da história das religiões. A
associação entre Estado e Igreja é uma dessas formas de intolerância, não deixando, por
isso mesmo, uma boa lembrança. A imposição de uma fé como oficial e a conseqüente
exclusão das outras (inclusive com perseguições declaradas) deixou seu rastro perverso no
passado. No presente, muitos conflitos continuam sendo alimentados a partir de convicções
ou sob a justificativa de crença, como vemos no Oriente Médio ou na Irlanda.
Observando tais conflitos, a defesa da absoluta separação entre Estado e Igrejas constituise
num valor muito importante. Nesse sentido, a defesa feita pelos filósofos iluministas,
consagrada nas emendas da Constituição dos EUA e repetida por liberais e muitos
pensadores do século XX, conserva sua atualidade e importância: a liberdade de crença
deve ser absoluta. Essa liberdade deve incluir, também, a liberdade de não-crença, da
expressão de ateísmos, agnosticismos ou da simples indiferença frente aos valores
religiosos. Além disso, é importante lembrar que as religiões são parte importante da
memória cultural e do desenvolvimento histórico de todas as sociedades. Desse modo, o
ensino de religiões (e não de uma religião) na escola não deve ser feito para defesa de uma
delas,
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