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Educação

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Por:   •  14/3/2015  •  8.038 Palavras (33 Páginas)  •  144 Visualizações

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Paulo Freire

Não se pode encarar a educação a não ser como um que fazer huma­no. Que fazer, portanto, que ocorre no tempo e no espaço, entre os homens uns com os outros.

Disso resulta que a consideração acerca da educação como um fenô­meno humano nos envia a uma análise, ainda que sumária, do homem.

O que é o homem, qual a sua posição no mundo - são perguntas que temos de fazer no momento mesmo em que nos preocupamos com educação. Se essa preocupação, em si, implica nas referidas indagações (preocupações também, no fundo), a resposta que a ela dermos encaminhará a educação para uma finalidade humanista ou não.

Não pode existir uma teoria pedagógica, que implica em fins e meios da ação educativa, que esteja isenta de um conceito de homem e de mundo. Não há, nesse sentido, uma educação neutra. Se, para uns, o homem é um ser da adaptação ao mundo (tomando-se o mundo não apenas em sentido natural, mas estrutural, histórico-cultural), sua ação educativa, seus métodos, seus objetivos, adequar-se-ão a essa concepção. Se, para outros, o homem é um ser de transformação do mundo, seu que fazer educativo segue um outro caminho. Se o encaramos como uma "coisa", nossa ação educativa se processa em termos mecanicistas, do que resulta uma cada vez maior domesticação do homem. Se o encaramos como pessoa, nosso que fazer será cada vez mais libertador.

Por tudo isso, nestas exposições, para que resulte clara a posição educativa que defendemos, abordamos - ainda que rapidamente - esse ponto básico: o homem como um ser no mundo com o mundo.

O próprio homem, sua "posição fundamental", como diz Marcel, é a de um ser em situação - "situado e fechado". Um ser articulado no tempo e no espaço, que sua consciência intencionada capta e transcende.

• Resumo de palestras realizadas numa conferência verificada em Maio de 1967, em Santiago, sob o patrocínio da OEA, do governo do Chile e da Universidade do Chile. Publicado in: FREIRE, Paulo.Uma educação para a liberdade. 4a ed. Textos Marginais 8, Porto: Dinalivro, 1974, p. 7-21, foi reproduzido com a autorização do Professor Moacir Gadotti, Diretor Geral do IPF - Instituto Paulo Freire.

Tão somente o homem, na verdade, entre os seres incompletos, viven­do um tempo que é seu, um tempo de que fazeres, é capaz de admirar o mun­do. É capaz de objetivar o mundo, de ter nesse um "não eu" constituinte do seu eu, o qual, por sua vez, o constitui como mundo de sua consciência.

A possibilidade de admirar o mundo implica em estar não apenas nele, mas com ele; consiste em estar aberto ao mundo, captá-lo e compreendê-lo; é atuar de acordo com suas finalidades a fim de transformá-lo. Não é simplesmente responder a estímulos, porém algo mais: é responder a desafios. As respostas do homem aos desafios do mundo, através das quais vai modifi­cando esse mundo, impregnando-o com o seu "espírito", mais do que um puro fazer, são atos que contêm inseparavelmente ação e reflexão.

Porque admira o mundo e, por isso, o objetiva; porque capta e com­preende a realidade e a transforma com sua ação-reflexão, o homem é um ser da praxis. Mais ainda: o homem é praxis e, porque assim o é, não pode se reduzir a um mero espectador da realidade, nem tampouco a uma mera inci­dência da ação condutora de outros homens que o transformarão em "coisa". Sua vocação ontológica, que ele deve tomar existência, é a do sujeito que opera e transforma o mundo. Submetido a condições concretas que o transformem em objeto, o homem estará sacrificado em sua vocação fundamental. Mas, como tudo tem seu contrário, a situação concreta na qual nascem os homens-objetos também gera os homens-sujeitos. A questão que agora enfrentamos consiste em saber, na situação concreta em que milhares de homens estejam nas condições de objetos, se aqueles que assim os transformam são realmente sujeitos. Na medida em que os que estão proibidos de ser são "seres para outro", os que assim o proíbem são falsos "seres para si". Por isso, não podem ser autênticos sujeitos. Ninguém é, se proíbe que outros sejam.

Essa é uma exigência radical do homem como um ser incompleto: não poder ser se os outros também não são. Como um ser incompleto e consciente de sua incompleticidade (o que não ocorre com os "seres em si", os quais, também incompletos, como os animais, as árvores, não se sabem incomple­tos), o homem é um ser da busca permanente. Não poderia haver homem sem busca, do mesmo modo como não haveria busca sem mundo. Homem e mun­do: mundo e homem, "corpo consciente", estão em constante interação, impli­cando-se mutuamente. Tão somente assim pode-se ver ambos, pode-se com­preender o homem e o mundo sem distorcê-los.

Pois bem; se o homem é esse ser da busca permanente, em virtude da consciência que tem de sua incompleticidade, essa busca implica em:

a) um sujeito

b) um ponto de partida

c) um objeto

O sujeito da busca é o próprio homem que realiza. Isso significa, por exemplo que não me é possível, numa perspectiva humanista, "entrar" no ser de minha esposa para realizar o movimento que lhe cabe fazer. Não posso lhe prescrever as minhas opiniões. Não posso frustrá-la em seu direito de atuar, não posso manipulá-la. Casei-me com ela, não a comprei num armarinho, como se fosse um objeto de adorno. Não posso fazer com que ela seja o que me parece que deva ser. Amo-a tal como é, em sua incompleticidade, em sua busca, em sua vocação de ser, ou então não a amo. Se a domino e se me agrada dominá-la, se ela é dominada e se lhe agrada sê-lo, então em nossas relações não existe amor, mas sim patologia de amor: sadismo em mim, ma­soquismo nela.

Do mesmo modo e pelas mesmas razões, não posso esmagar meus filhos, considerá-los como coisas que levo para onde me pareça melhor. Meus filhos, como eu, são devenir. São, corno eu, buscas. São inquietações de ser, tal como eu.

Não posso, igualmente, coisificar meus alunos, coisificar o povo, manipulá-los em nome de nada. Por vezes, ou quase sempre, para justificar tais atos indiscutivelmente desrespeitosos da pessoa, busca-se disfarçar seus objetivos verdadeiros com explicações messiânicas. E necessário, dizem, sal­var essas pobres massas cegas das influências malsãs. E, com essa salvação, o que pretendem os que assim atuam é salvarem-se a si mesmos, negando

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