Missionarios
Tese: Missionarios. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: gecinhalima • 9/8/2013 • Tese • 9.483 Palavras (38 Páginas) • 230 Visualizações
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O Missionário
de Inglês de Sousa
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O Missionário
de Inglês de Sousa
CAPÍTULO I
Padre Antônio de Morais devia chegar a Silves naquela esplêndida manhã de
fevereiro.
A carta que escrevera ao Macário sacristão anunciava o dia da partida,
designando o paquete, e pedia uma casa modesta e mobiliada simplesmente.
Macário fizera o cômputo do tempo necessário à viagem, rio acima até Silves, e
espalhara por toda a vila, havia exatamente quinze dias, a notícia da próxima vinda
do vigário enviado pelo Sr. D. Antônio “na solicitude paterna de pastor que não
descura a salvação das suas mais obscuras ovelhas”, conforme lera o professor
Aníbal na Boa nova da última semana. A casa não fora difícil de arranjar, bem perto
da Matriz, na melhor situação, olhando para o lago. Era pequena, mas muito arejada
e estava caiadinha de novo. Cedera-a por seis mil-réis mensais o presidente da
Câmara, que a mandara preparar para si, com umas veleidades de deixar o sítio ao
rio Urubus e vir morar para a vila; mas a força do hábito o fizera desistir do projeto, e
depois... a D. Eulália... coitada! não queria ouvir falar em tal mudança, por causa dos
seus queridos xerimbabos. Assim o Neves Barriga preferira alugar a casinha, branca
e asseada, e resignara-se a continuar enterrado naquele sertão do Urubus, matando
carapanãs e fazendo farinha de mandioca. O Antônio Capina, por muito empenho,
só pudera fornecer uma mesa de pinho, envernizada e decente e a marquesa de
palhinha que fora do último juiz municipal, reformada para servir a “algum desses
esquisitos lá de fora que não gostam de dormir em rede”. As cadeiras, a mesa de
jantar, o lavatório, a bacia de banho, tinha-os o Macário pedido emprestado ao
capitão Mendes da Fonseca, que, em toda a vila, possuía as melhores coisas desse
gênero. Para ornar a parede do fundo da sala, o professor Aníbal emprestara uma
grande gravura, representando a batalha de Solferino, e retratos de Pio IX, de
Antonelli, de Cavour, da princesa Estefânia e do conselheiro Paranhos. A louça,
tanto a de mesa como a de cozinha, compunha-se do que o Macário pudera
arrancar à cobiça da Chiquinha do Lago, restos do espólio do finado padre José, e
do que comprara na casa do Costa e Silva. Estava tudo decente.
Depois de aprontar a casa e arranjar a mobília, Macário assumira as funções
de diretor da recepção do novo pároco e, naquele dia, ao romper da alva, envergara
a sobrecasaca de lustrina, pusera na cabeça o seu boliviano de seis patacas,
engolira, a ferver, uma tigela de chá de folhas de cafeeiro adoçado com rapadura, e
saíra para a rua, não se podendo ter dentro de quatro paredes, cheio de ansiedade,
receando o surpreendesse o apito do vapor, ardentemente esperado.
Era ainda muito cedo. Macário deteve-se à porta, olhos na rua, desejando
avistar um amigo, um vizinho, uma criatura qualquer com quem desabafasse a
extraordinária emoção da hora, até ali nunca esperada, de ser o diretor da recepção,
o organizador da festa, a fonte de informações, o único homem da vila que
entretinha relações com S. Rev.ma, a quem S. Rev.ma escrevia.
A rua estava deserta e as casas fechadas. Macário, passeando a sapata de
pedras desiguais, esburacada e velha, não podia expandira agitação intestina que
lhe escaldava o sangue e bulia com os nervos; só oferecia derivativo à atividade a
que se entregava a passos incertos, ziguezagueando às vezes como um ébrio,
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dando topadas que lhe irritavam os calos e despelavam o bezerro novo das botinas
de rangedeira.
O sol subia lentamente no azul esbranquiçado do céu, banhando a frente das
casas e dando pinceladas verdes na massa escura da floresta da outra banda.
Sobre a superfície do lago Sacracá deslizava pequena montaria, tripulada por um
tapuio de movimentos automáticos e vagarosos, que com o remo chato cortava a
água cuidadosamente, para não acordar o peixe. Na vila ladravam cães e cantavam
galos, e da próxima capoeira vinham vozes confusas de pássaros e de bichos.
Sentindo-se só, Macário concentrava o espírito, sem se deter
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