O Caso Alphonsus
Por: Wendy Faquim • 24/8/2015 • Dissertação • 1.224 Palavras (5 Páginas) • 167 Visualizações
E então era isso, aquele seria seu fim. Uma vida tão curta, e terminaria tão subitamente, afinal, ao acordar pela manhã, ele não havia nem imaginado que cometeria tal crime. Fora um acidente, ele nunca teve intenção de matar Alphonsus. Tudo bem, ele o irritava um pouco, principalmente quando fazia manha para comer, mas isso não era motivo para ele querer matá-lo. Na maior parte do tempo, eles se davam bem. Costumava passar horas com Alphonsus, brincavam juntos, especialmente nos dias de chuva.
E agora, Alphonsus estava morto. E ele, Liam, era o culpado. Ele ainda estava todo molhado, o que só o fazia lembrar-se do crime. Por mais que não tenha sido intencional, ele agora era um criminoso. E, coitadinho, era tão jovem.
Sua maior preocupação era com a família. Alphonsus fazia parte da família, o que diria sua mãe? Seu pai? Pior, o que diria seu irmãozinho mais novo? Niall adorava tanto o pobre Alphonsus, provavelmente nunca mais falaria com ele quando descobrisse quem havia sido o culpado. Teria que fugir, talvez se esconder por um tempo, até que todos esquecessem o pobre Alphonsus. Até lá, viveria nos becos escuros que sua mãe sempre disse para ficar longe, porque era perigoso. Mas ele era perigoso, era um assassino, pertencia aos tais becos escuros agora. Não poderia continuar vivendo em sua casa, sentia vergonha.
Por outro lado, não podia fugir. Sua mãe havia ensinado a sempre assumir o que havia feito, e ele sempre o fez. Assumiu que havia rabiscado a parede da sala com giz de cera, e também assumiu quando quebrou a cama da mãe. Porém, agora era diferente. Ele havia matado alguém! Por Deus, como ele poderia assumir isso para a mãe? Era o certo a fazer, sim, e talvez apenas por isso ele assumisse. Porque Liam sempre fazia o que era certo. Menos matar Alphonsus.
Decidiu-se então que contaria a verdade para a mãe. Contaria tudinho, todos os detalhes. Talvez se ele fosse honesto como ela havia ensinado, a punição seria menor. Talvez ele não fosse para a cadeia, talvez ele pudesse apenas ficar trancado em seu quarto. Sem vídeo game? Talvez, mas ele precisaria ter seu chocolate. Não, que tolice, ele era um criminoso, não merecia chocolate algum!
Estava decidido. Contaria a verdade agorinha mesmo. Tudinho! Ficaria preso em seu quarto, sem vídeo game, sem chocolate. Talvez pudesse sair apenas para ir à escola, achava que poderia fazer parte do castigo. Porém, ele ia à escola há tantos anos, será que isso já não contava como punição pelo crime? Não! Ele havia cometido o crime hoje, teria que pagar a partir de agora! Só não entendia o motivo de ir à escola antes, já que ele não havia cometido crime algum.
Encheu o peito de ar e caminhou para a cozinha. Era quase hora do café, sabia que a mãe estaria fazendo bolo. Bolo. Ele nunca mais comeria bolo, assassinos não merecem bolo. Começou a imaginar o que assassinos comiam, talvez minhocas fritas. Parecia algo bem ruim de comer, e o pai sempre dizia que criminosos não mereciam nada de bom. A mãe achava que eles tinham muitas mordomias e reclamavam mesmo assim. Comida ruim e sem mordomias, e tudo porque ele havia matado Alphonsus! Ele merecia, merecia isso e muito mais.
Uma vez ouviu no telejornal sobre um preso que havia sido solto por bom comportamento. Ele era comportado, só havia matado o pobre Alphonsus. Se ele fosse preso em seu quarto, sem chocolate, vídeo game e mordomias, mas continuasse sendo comportado, talvez fosse solto também. Ou, quem sabe, continuaria preso, mas poderia jogar vídeo game na sala. Ficaria preso no quarto e na sala, apenas isso. E se precisasse usar o banheiro? Não havia pensado nisso. Oh não, será que ele teria que usar fraldas novamente? E quem iria trocá-las? Ele não sabia trocar fraldas! Tentou trocar as fraldas de Niall uma vez e irmãozinho acabou com fita crepe e pomada até no nariz. Não, definitivamente, ele não poderia usar fraldas, porque a mãe estaria ocupada trocando as fraldas do irmão, e o pai... Não sabia se o pai sabia trocar fraldas, mas achava que não.
Preso no quarto, na sala, no banheiro (ele poderia usar o banheiro, não?), sem chocolate, sem mordomias. Mas ainda teria o vídeo game se fosse um preso comportado. É, ele merecia isso, porque havia matado o pobre Alphonsus.
Empurrou a porta da cozinha e viu a mãe batendo a massa do bolo. Se ele não tivesse matado Alphonsus, poderia pedir para raspar a tigela do bolo depois. Mas agora, sabia que não poderia, porque a mãe ficaria furiosa com ele depois que ele contasse sobre o assassinato e logo daria sua punição. Nada de tigela com massa de bolo. Bem, ele poderia raspar a tigela primeiro e contar a verdade depois, não? Não! Isso era errado e deixaria a mãe mais chateada ainda. Ele precisava ser justo com a mãe, o pai, o irmãozinho e, principalmente, com o pobre Alphonsus.
Chegou bem pertinho da mãe, pelas costas, sem fazer barulho algum. Depois deu leve puxadinhas no avental da mãe, até que esta virou-se para ele, encarando-o surpresa.
– Liam, querido, por que está todo molhado? – ela o questionou, limpando as mãos no avental. Ele respigou mais fundo, olhando para cima, a fim de encarar firmemente os olhos da mãe.
– Eu matei Alphonsus, mamãe. – a mulher franziu a testa, parecia tão ter entendido a gravidade da situação – Matei nosso peixinho.
– E como isso aconteceu, Liam? – oh-oh, ali estava o tom de voz que ele temia. Ela estava desconfiada.
– Foi um acidente, eu juro! Estava brincando com meu Woody no corredor, e daí eu tropecei no meu cadarço e caí, só que eu acabei derrubando o aquário quando caí, e daí ele quebrou e eu não consegui salvar o Alphonsus, mamãe. – ele precisava demonstrar que havia tentado salvar o peixinho, porque ele havia mesmo! A mãe fez uma cara estranha, parecia prestes a sorrir.
Nenhuma punição. Ela apenas concordou com a cabeça, pegou a tigela com a massa do bolo, colocou a massa na forma e a forma no forno. Ela estava sendo cruel, ele sabia disso. Ela colocaria a tigela na pia e encheria com água, e depois iria castigá-lo! A mãe aproximou-se com a tigela, colocou a mesma sobre o balcão e o pegou no colo. Começou a imaginar se ela seria tão cruel assim e faria um bolo com ele, mas ela apenas o colocou sentado no banco alto do balcão, de frente para a tigela. Ela passou a mão pelos cabelos dele e lhe beijou o topo da cabeça.
– Termine de limpar a tigela para mim querido, enquanto eu limpo a bagunça que você fez lá em cima. – ela disse enquanto afastava-se em direção à porta. Ele não entendeu nada, apenas continuou olhando a mãe, fazendo cara de choro – E não se preocupe filho, amanhã compramos outro peixinho para vocês. – e então ela deixou a cozinha.
Ele não entendia. Não entendia nadinha. Havia matado Alphonsus e não precisa limpar a bagunça feita pelo aquário quebrado. Ao invés disso, ganhou uma tigela com massa de bolo, e amanhã ganharia outro peixinho. E Alphonsus, pobre Alphonsus, desceria pela descarga, igualzinho como aconteceu com Lolita, a peixinha roxa. E com Porthos, o peixinho azul. E com Rony, o peixinho laranja. E com Leo, o peixinho vermelho.
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