A CONTRADIÇÃO DA REPRODUÇÃO URBANA EM UM ZONEAMENTO RURAL
Por: Efraim50 • 21/6/2017 • Artigo • 4.148 Palavras (17 Páginas) • 237 Visualizações
A CONTRADIÇÃO DA REPRODUÇÃO URBANA EM UM ZONEAMENTO RURAL[1]
Roberto Silva de Souza[2]
rmichilles@yahoo.com.br
Introdução
A contradição da reprodução urbana em um zoneamento rural sugere analisar o processo socioespacial ocorrido em um fragmento do espaço urbano de Olinda, principalmente, nas duas últimas décadas do século XX.
A Zona Rural de Olinda está localizada na porção Centro-Norte do município e, como produto social, traz em seu contexto histórico-geográfico, as razões de sua formação e contradição, “resultado de ações acumuladas através do tempo, e engendradas por agentes que produzem e consomem espaço.”[3]
As contradições do espaço passam pela questão do valor que é central para o entendimento desse processo, isto porque se observa a expansão urbana requalificando a área então delimitada para a manutenção de atividades rurais de trabalhadores dependentes exclusivamente delas.
O processo de produção do espaço em questão pode ser refletido à luz do conceito de espaço social em Henri Lefèbvre[4].
No espaço socialmente produzido, o autor considerou três níveis de análise do real: o percebido, o concebido e o vivido.
No espaço percebido, pode-se observar, em um momento mais específico para a discussão deste tema, que a prática espacial de “proprietário(s)” de terras em Olinda, sobretudo, reservou uma área “verde” (forma) para a futura expansão da cidade. Nesse ínterim, dá-se a apropriação do espaço por trabalhadores, ao sobreporem à área, novas formas, ou seja, unidades agrícolas.
No nível do espaço concebido (representação do espaço) a Zona Rural de Olinda aparece como um espaço criado e delimitado com base em um projeto político-partidário de um deputado (planejador e arquiteto), e em uma lei federal. Nesse processo também é envolvido um corpo técnico de órgãos, como: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por exemplo.
O espaço vivido (espaço da representação) corresponde às atividades do cotidiano dos trabalhadores que, ao se apropriarem do espaço, atribuem-no uma nova função espacial.
Nos últimos anos, o espaço apropriado pelos trabalhadores da terra tem sido alvo da expansão de atividades comerciais e de serviços, que atendem a demandas de novos agentes, permitindo que novas relações sociais se estabeleçam, em contraposição àquelas dos antigos trabalhadores, no tocante à produção agrícola e pecuária em seus estabelecimentos.
Portanto, a Zona Rural de Olinda apresenta, nos dias atuais, fenômenos como o incremento de condomínios e loteamentos (clandestinos), atividades de lazer e religiosa, escritório de Rede de TV, etc., ocasionando mudança no uso do solo, ainda que isto contrarie o conteúdo de documentos oficiais do poder público local como a Lei Orgânica e o Plano Diretor.
Verdadeiramente, “as contradições inerentes ao processo social realizam-se também como contradições do espaço, inclusive, delimitando territórios e requalificando os lugares.”[5]
Neste artigo, entende-se a Zona Rural de Olinda como um fragmento do espaço urbano do município, pois, antes mesmo de sua criação legal, a área estava reservada para futura expansão da cidade – compreendida em nível metropolitano –, e os imóveis rurais tinham recebido a característica de urbanos, embora a política do poder público local tenha bloqueado, pelo menos, naquele momento, a pretensão da urbanização.
Assim, concorda-se que “(...) sempre que observamos diferentes frações do espaço urbano, (...), estamos, segundo Lefèbvre, descrevendo um espaço social, ao qual corresponde uma prática espacial que se expressa através da forma de uso deste espaço.”[6]
Diante desta problemática é que se pretende discutir a contradição da reprodução urbana na Zona Rural de Olinda, refletindo acerca do processo de transformação de uma área, destinada exclusivamente à manutenção de atividades rurais.
Deste modo, “(...) o espaço entra na troca, torna-se mercadoria; áreas antes desocupadas entram na comercialização, posto que ocupadas por novas indústrias, como a da cultura, do turismo e do lazer.”[7]
Inicialmente, aborda-se a evolução da relação espaço-tempo da área onde hoje está definida a Zona Rural. Em segundo lugar, destaca-se o processo de criação legal do zoneamento rural em Olinda e, finalmente, enfatiza-se a realização contraditória da expansão urbana na Zona Rural olindense.
A evolução da relação espaço-tempo anterior à criação da Zona Rural de Olinda
Durante séculos o espaço onde hoje está delimitada a Zona Rural de Olinda apresentou várias funções.
Nos primórdios da colonização, observa-se que a referida área esteve inserida nos limites do primeiro engenho de Pernambuco – denominado “Nossa Senhora da Ajuda”. Este surgiu como uma doação do primeiro donatário de Pernambuco, Duarte Coelho Pereira, ao seu cunhado Jerônimo de Albuquerque, em 1542, para que fosse cultivada a cana-de-açúcar.
No período da invasão holandesa a Pernambuco (1630), o Engenho Nossa Senhora da Ajuda ou Engenho Velho, como ficou conhecido, não se encontrava mais em funcionamento, fato constatado, em 1637, por meio de um documento denominado de “Breve discurso sobre o estado das quatro capitanias conquistadas”[8] que trazia uma relação detalhada de todos os engenhos de Pernambuco em atividade sem fazer referência ao engenho supracitado.
Na verdade, após o cultivo da cana-de-açúcar destacou-se a produção da cal na área do engenho porque “dispunha a propriedade dos necessários elementos, abundantes jazidas de excelente pedra calcárea, fartura dágua potável e extensas florestas para o fornecimento da lenha necessária aos fornos de calcinação (...) vindo daí a denominação de Forno da Cal dada à propriedade (...)”[9] (grifo nosso).
No início do século XVIII, dá-se o processo de meação das terras do engenho Forno da Cal e, logo após, observa-se sua doação a ordens religiosas.
Outro fato importante a ser destacado na relação espaço-tempo do recorte espacial enfatizado é aquele da aquisição das terras do Forno da Cal, em 1904, pelo Dr. José Antonio de Almeida Pernambuco (Dr. Pernambuco) para ampliação da atividade do Matadouro de Peixinhos que estava sendo construído desde 1874.
O Dr. Pernambuco adquiriu o aforamento de todas as terras perdidas pelo inglês Henry Gibson. Este, na verdade, não realizou os projetos onerosos para a cidade prometidos à Câmara de Olinda quando foi lavrado o contrato de aforamento das terras pretendidas, em 1859. Pelo contrário, o inglês enriqueceu com a exploração de madeiras, os arrendamentos de terras para culturas e pastagens, etc.[10]
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