ANTROPOLOGIA E PODER
Trabalho Escolar: ANTROPOLOGIA E PODER. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: claudiotn • 15/10/2014 • 8.466 Palavras (34 Páginas) • 329 Visualizações
SÉRIE ANTROPOLOGIA
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ANTROPOLOGIA E PODER:
CONTRIBUIÇÕES DE ERIC WOLF
Gustavo Lins Ribeiro
e
Bela Feldman-Bianco
Brasília
2003
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Antropologia e Poder: Contribuições de Eric Wolf∗
Gustavo Lins Ribeiro (UnB)
Bela Feldman-Bianco (UNICAMP)
Eric R. Wolf (1923-1999) é leitura obrigatória para estudiosos da política, do
campesinato e para todos interessados em etnografias do capitalismo. Representante de
uma linhagem de antropólogos da esquerda americana propôs-se o desafio de revelar as
interseções entre cultura, poder e economia política. Através de abordagens
comparativas que privilegiam a história econômica e cultural, processos, interconexões
e interstícios sociais, procurou desvendar os meandros do poder e as formas de
dominação, no contexto da expansão do capitalismo. Suas pesquisas pioneiras
realizadas em Porto Rico, México e Europa, contribuíram para retratar as
complexidades culturais, econômicas e políticas subjacentes à vida rural, à formação do
Estado-nação, ao nacionalismo, à etnicidade e ao sistema capitalista mundial. Eric Wolf
produziu uma obra coerente que, progressivamente, abarcou cenários cada vez mais
complexos e notabilizou-se, em última instância, por expor sistematicamente a “história
do presente como uma história do poder” (Ghani, 1995:32).
Muitas de suas problemáticas de pesquisa provêm de inquietações provocadas
por circunstâncias históricas que moldaram a sua própria trajetória pessoal, informaram
o seu engajamento político e sua sensibilidade face às situações diferenciadas de classe,
etnia e nacionalidade (vide sua “Autobiografia Intelectual”, Wolf 2003). Nascido na
Austria, suas contribuições para a antropologia do poder relacionam-se a uma
experiência de vida marcada pela emergência do nazismo, por guerras e migrações
forçadas. Dessa vivência, emergiu uma visão da antropologia como “modo de
conhecimento” que possibilita a busca incessante por uma explicação engajada do
mundo, uma disciplina que, por distinguir-se ao mesmo tempo enquanto ciência e uma
forma de humanismo, une as ciências sociais e as humanidades. Para ele, a antropologia
nunca foi sobre trivialidades - sua tarefa principal consiste em decifrar as
complexidades, as heterogeneidades e as desigualdades do mundo moderno.
Wolf iniciou sua carreira em meados da década de 1940 em um período de
mudanças e diversificação das perspectivas teóricas e das áreas de estudo na
antropologia que se fazia nos Estados Unidos. Com a expansão dos interesses
internacionais norte-americanos no pós-guerra e o influxo de novas verbas,
antropólogos dos Estados Unidos, até então especializados em sociedades consideradas
“primitivas” e prioritariamente envolvidos em pesquisas sobre índios americanos,
passaram cada vez mais a focalizar sua atenção sobre populações rurais ou às margens
das aglomerações urbanas em novas áreas geográficas, em escala global (Murphy
1976:6). Wolf não fugiu à regra e embarcou no estudo das assim chamadas “sociedades
∗ Agradecemos a leitura cuidadosa e os comentários críticos de Emília Viotti da Costa a uma versão
anterior deste texto. Nos beneficiamos também das discussões realizadas por alunos de graduação e pósgraduação
de dois cursos ministrados por Bela Feldman-Bianco na UNICAMP sobre a obra de Eric Wolf.
Este texto é a introdução do livro de mesmo nome publicado em 2003 pelas Editoras da UnB e da
Unicamp, com a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.
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complexas”. Frente ao essencialismo e à rigidez conceitual de estudos que persistiam
em tratar “comunidades” e “culturas” enquanto totalidades distintas, homogêneas,
estáveis e atemporais, dispôs-se a elucidar as complexidades, heterogeneidades e
fluência dos processos políticos, econômicos e sociais através do tempo. Influenciado
pelos trabalhos de Alexander Lesser, Julian Steward e Norbert Elias, privilegiou um
enfoque relacional, com ênfase nas interações e interconexões sociais que emergem de
fontes de poder e hegemonia (Schneider 1995).
A prática antropológica de Eric Wolf é marcada por uma constante crítica à
naturalização e essencialização de conceitos, em especial aos pressupostos holísticos
imanentes ao conceito boasiano de cultura - magnificados nos estudos sobre caráter
nacional liderados por Ruth Benedict. Foi igualmente crítico da noção atemporal e
homogênea de sociedade folk elaborada por Robert Redfield para a análise do
campesinato. Em sua trajetória, sempre
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