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Aborto Eugênico

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Por:   •  17/3/2015  •  4.858 Palavras (20 Páginas)  •  131 Visualizações

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A legalidade do aborto eugênico em casos de anencefalia

Resumo: O presente trabalho aborda questões referentes à prática abortiva em situações em que o feto padece de anencefalia. A análise far-se-á por meio de exame do tema sob uma perspectiva jurídica, social e humanitária, relacionando-as à negativa influência que a religião ainda exerce no âmbito normativo. Pretende-se, com isso, defender a tese da legalidade do aborto eugênico em casos de anencefalia.[1]

Palavras-chaves: anencefalia; aborto eugênico; dignidade da mulher

1 INTRODUÇÃO

A prática do aborto sempre foi tema muito controvertido, tendo sempre provocado muita polêmica e controvérsias em nossa sociedade. É assunto remoto, mas que, de épocas em épocas, ressurge discutindo situações que estremecem os ditames sociais.

A interrupção da gravidez de feto portador da anencefalia fez retornar ao panorama nacional as aventadas discussões acerca da legalidade ou ilegalidade da prática abortiva. Diante da propositura, em 2004, da Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 54, pelo Conselho Nacional dos Trabalhadores na Saúde - CNTS, a polêmica e as discrepâncias de idéias existentes acerca do tema em análise voltaram a figurar na sociedade brasileira. Questiona-se: deve-se sempre proibir a prática abortiva quando o feto não possuir qualquer viabilidade de vida extra-uterina? Uns optam pela liberalidade, integral e indiscriminada. Outros, fervorosamente, clamam pela tipificação total e incondicional, mormente respaldados pelos apelos religiosos e morais.

Sabe-se que o Direito, contudo, visa à realização do bem comum, que seria o bem individual de cada pessoa, enquanto esta pertence a um todo. Desta forma “o indivíduo colima o bem da comunidade, na medida em que ela representa o seu próprio bem” [2], segundo as noções da justiça social e solidária. Para tanto, faz-se mister reunir os anseios controvertidos e resolvê-los de forma equilibrada. Haverá o Direito, de fato, bem como a justiça, conseqüentemente, sempre que a sociedade, organizadamente, sopesar seus valores e guiá-los a um fim comum, o qual será essencial para a harmonia do coletivo.

Assim sendo, é necessário que o tema aqui proposto receba um respaldo jurídico equilibrado. Os extremos são perigosos. Deve haver um contrapeso entre as idéias alvitradas, para que nem as tendências religiosas que marcam a personalidade de alguns profissionais de direito, nem os ideais anárquicos, que alguns juristas carregam consigo, se sobreponham indiscriminadamente um ante o outro diante da discussão da prática abortiva, mais precisamente, o aborto em casos de anencefalia. Discutir-se-á a justiça e o Direito, não o moralismo.

O objetivo do presente escrito, desta forma, incide em analisar nomeadamente a prática do aborto em casos de anencefalia sob uma perspectiva jurídica, social e humanitária. Para tanto, buscar-se-á por meio de uma pesquisa teórica e bibliográfica, coletar as informações mais atinentes à matéria e coordená-las em um pensamento que possa servir como sugestão à conjuntura jurídica atual.

Utilizaremos, igualmente, o método dialético e hipotético-dedutivo, na medida em que será necessário contrapor e harmonizar idéias e normas, para que o problema possa ter uma solução juridicamente aceitável.

2 A PROBLEMÁTICA DO ABORTO

Primeiramente, a palavra aborto provém do latim ab-ortus, ou seja, “privação do nascimento” [3]. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), abortamento é “a morte do embrião ou feto antes que seu peso ultrapasse 500g, atingido antes das primeiras 22 semanas de gravidez”[4]. Por tratar-se de tema polêmico, houve a necessidade de aperfeiçoarem-se os conceitos, utilizando termos menos pejorativos e menos agressivos. O aborto, neste caso, seria a interrupção da gravidez, espontânea ou provocada, de um embrião ou de um feto antes do final de seu desenvolvimento normal, com a conseqüente destruição do produto da concepção.

As mais remotas notícias sobre métodos abortivos datam do século XXVIII a.C, na China, de acordo com Célia Tejo[5]. No antigo Império Romano, lembra José Maria Marlet[6], por considerarem ser o feto parte do corpo da mulher e de suas vísceras, o ato em questão não era considerado crime. Foi o apogeu do Cristianismo que influenciou fortemente as concepções do mundo antigo, por meio das severas punições atribuídas pela Bíblia Sagrada àqueles infiéis que praticassem ou se permitissem praticar o aborto. Desde então, o abortamento foi erigido à categoria de crime na maior parte do mundo.

Assim sendo, a transformação cultural e histórica comparece no quadro causal-explicativo do problema do aborto, na medida em que se questionam tradições, alteram-se costumes, criam-se novos conceitos e normas e leis se modificam e propõem. A polêmica é motivada, sobretudo, pelos diversos ângulos de visão existentes e possíveis sobre o assunto.

A questão ético-religiosa, imperativamente, é crucial em relação ao aborto, posto que cruza com as noções de contracepção, um dos temas mais delicados da Igreja, em que são registradas graves posturas de transponibilidade extremamente difícil. Isto se explica pela forte influência que a religião possui e sempre possuiu perante os homens, e pelo posicionamento de subordinação que estes mantêm ante esta Instituição. A Igreja é a responsável pela formação do caráter moral do indivíduo, influenciando cegamente e interferindo na liberdade de reflexões de cada um, convertendo-o sempre em favor de seus dogmas. Tal intocabilidade e incondicionalidade são, no entanto, inaceitas por correntes que se opõem a esse tipo de argumentação. Surge, assim, a disputa, pois os legisladores são suscetíveis às paixões e influências religiosas, éticas e filosóficas, sendo praticamente impossível agirem de forma neutra em suas criações normativas.

Belíssima é a posição da teóloga Ivone Gebara, a favor da descriminalização e legalização do aborto como forma de abrandar a violência contra a vida:

Uma sociedade que não tem condições objetivas de dar emprego, saúde, moradia e escolas é uma sociedade abortiva. [...] Uma sociedade que silencia a responsabilidade dos homens e apenas culpabiliza as mulheres, desrespeita seus corpos e sua história é uma sociedade excludente, sexista e abortiva. [...] Nessa linha de pensamento, concentrar a defesa do inocente somente no feto, é uma maneira de [...] não

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