As Estratégias Discursivas
Por: Valéria Aparecida Palmeira • 4/10/2019 • Pesquisas Acadêmicas • 4.155 Palavras (17 Páginas) • 108 Visualizações
Estratégias Discursivas e Argumentação
Willian Augusto Menezes (UFOP)
- Introdução
A argumentação é parte fundamental do nosso cotidiano. Desde o instante em que despertamos e nos colocamos disponíveis para as atividades do dia-a-dia, participamos de inúmeras relações orientadas para essa discursividade. Ela tem lugar tanto no café da manhã e na conversa matinal, quanto na escola, em processos complexos de erudição, no trabalho, nas leituras ou no lazer. Tal densidade de realização linguageira já seria suficiente para postular um papel central nas relações que desenvolvemos . No entanto, há um outro aspecto igualmente importante: a partir do momento em que argumentamos acerca de um objeto do mundo, estamos agindo sobre alguém, buscando inseri-lo em um quadro específico de crenças e convicções possíveis no interior de uma determinada comunidade de fala. Quer dizer, além do aspecto quantitativo das relações argumentativas no cotidiano, ressalta-se sua constitutividade como fator fundamental na formulação de convergências, na articulação e rearticulação de vínculos da vida social.
No que diz respeito ao ensino, a argumentação é um campo ainda coberto de nebulosidade. Para se ter uma ideia, basta consultar os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998): a opção pelo estudo centrado apenas em uma ou outra fase da formação fosse suficiente. Porém, uma coisa é certa e tem sido amplamente difundida: o ensino da argumentação pode levar a performances mais interessantes e democráticas na convivência social e política. Nesse quadro, diversas questões poderiam ser levantadas . Mas uma de grande importância, que se relaciona às diferentes formulações nesse campo, é saber o que caracteriza as estratégias argumentativas em relação ao discurso. Haveria distinção entre estratégias discursivas e estratégias argumentativas ou seriam noções semelhantes? Uma resposta satisfatória, pensamos, poderia contribuir para diminuir dúvidas nesse relacionamento e, também, para uma melhor compreensão acerca da enunciatividade.
A seguir, procuraremos refletir sobre a centralidade da argumentação no discurso, com ênfase em aspectos específicos relacionados ao campo estratégico, e tentaremos dar uma contribuição a esse respeito. O ponto de vista teórico parte de perspectivas atuais sobre a pragmática, a retórica clássica e ancora-se, decisivamente, na teoria semiolinguística (CHARAUDEAU, 1983; 1992; 1998). O seu desenvolvimento será dividido em três partes. Na primeira, apresentaremos nossa compreensão sobre as estratégias discursivas e sobre sua relação com o conjunto da organização do discurso. Na segunda, daremos enfoque à argumentação e às perspectivas de ação discursiva em situação. Na terceira, faremos uma breve ilustração, a partir do exame de um fragmento do discurso publicitário.
Estratégias Discursivas: das restrições a liberdade
Falar é agir sobre o outro. Ao dizer algo, o sujeito falante, não somente se reporta a fenômenos, seres ou atos, mas, ele próprio, como detentor da palavra, assevera, promete, declara, avisa, pergunta, ordena, informa etc., fazendo com que seu interlocutor e/ou física. Uma asserção, por exemplo, coloca o outro diante de um quadro de organização do mundo que ele deve levar em conta para as suas ações; uma informação faz com que o ambiente intelectual seja ampliado; uma ordem somente é proferida para ser acatada, condicionando a ação do interlocutor; toda pergunta demanda resposta da parte do outro; e uma promessa, não somente cria um compromisso futuro para o falante, como insere o interlocutor num quadro de expectativas quanto à realização do ato. Esse postulado, que liga a palavra à ação e que foi desenvolvido pela Pragmática de Austin e Searle têm uma importância fundamental na perspectiva discursiva. Em primeira instância , é ele que permite colocar o discurso como um espaço de ação de sujeitos no campo da linguagem.
Mas a correspondência entre o dizer e o fazer não é aleatória. A ação adequada, expressa por um locutor mediante uma proposição em uma determinada situação, depende da observação de um conjunto de regras que funcionam como parâmetros de intercompreensão e padrões convencionais de uso da linguagem. Searle (1981) destaca quatro condições principais: condições de conteúdo proposicional, condições preparatórias, condição de sinceridade e condição essencial. Seguindo esse parâmetro, para que “feche a porta” seja uma ordem, é necessário que atenda aos seguintes critérios: condições de conteúdos proposicional: que as formas linguísticas sejam reconhecidas pelo interlocutor e que expressem, em relação ao momento de enunciação, uma orientação para ação futura; condições preparatórias: que o sujeito falante tenha um estatuto que lhe permita dar ordens ao interlocutor, numa relação social pertinente (patrão/empregado, por exemplo) e que o interlocutor reconheça esse estatuto (Não julgamos importante que a ação prevista pela ordem não seja lesiva ao interlocutor, como critério das condições preparatórias. Há ordens lesivas que são cumpridas. Um exemplo extremo ocorre nos campos de prisioneiros. Ver, a esse respeito, a denúncia de tortura moral e psicológica, envolvendo os soldados americanos e os prisioneiros iraquianos. De acordo com as denúncias, uma característica das ordens dos soldados pressupõe uma permuta dos maus-tratos físicos pela tortura psicológica – como a obrigatoriedade de o prisioneiro andar despido, o que, além de ser considerado uma violência contra a intimidade do prisioneiro, tem um componente religioso especifico de ataque aos preceitos muçulmanos); condição de sinceridade: que o falante deseje realmente que a ação seja desenvolvida pelo seu interlocutor; condição essencial: que o destinatário ou interlocutor fique na obrigatoriedade de realização do objeto da ordem.
No momento em que essa dimensão ilocucionária do ato se desenvolve, é preciso considerar, também, as consequências ou efeitos que ela provoca sobre as ações, pensamentos ou crenças do interlocutor. Tanto aquele que detém a iniciativa da fala quanto o interlocutor são sujeitos de intencionalidade. Por exemplo, se “feche a porta” corresponde a uma ordem numa situação especifica de fala, o interlocutor, ao tomar a palavra para si, em seu turno, pode dizer que se sentiu humilhado por receber determinada ordem. Ele pode manifestar, inclusive, que desempenhou a ação por se sentir persuadido ou ameaçado (já que era um simples empregado). “Ao sustentar um argumento, podemos persuadir ou convencer alguém. Se eu o aviso de qualquer coisa, posso assusta-lo ou alarma-lo, pedindo alguma coisa, posso leva-lo a faze-la; informando-o posso convence-lo”. (SEARLE, 1981, p.37) Uma promessa eleitoral, no momento da sua enunciação, postula uma finalidade persuasiva, pois visa à obtenção de votos dos cidadãos. Efeitos, consequências ou sequelas pertencem a dimensão perlocucional do ato de fala.
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