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Por:   •  29/5/2013  •  299 Palavras (2 Páginas)  •  270 Visualizações

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A palavra

Tanto que tenho falado, tanto que tenho escrito — como não imaginar que, sem querer,

feri alguém? Às vezes sinto, numa pessoa que acabo de conhecer, uma hostilidade surda, ou

uma reticência de mágoas. Imprudente ofício é este, de viver em voz alta.

Às vezes, também a gente tem o consolo de saber que alguma coisa que se disse por

acaso ajudou alguém a se reconciliar consigo mesmo ou com a sua vida de cada dia; a sonhar

um pouco, a sentir uma vontade de fazer alguma coisa boa.

Agora eu sei que outro dia eu disse uma palavra que fez bem a alguém. Nunca saberei

que palavra foi; deve ter sido alguma frase espontânea e distraída que eu disse com

naturalidade porque senti no momento — e depois esqueci.

Tenho uma amiga que certa vez ganhou um canário, e o canário não cantava. Deramlhe

receitas para fazer o canário cantar; que falasse com ele, cantarolasse, batesse alguma

coisa ao piano; que pusesse a gaiola perto quando trabalhasse em sua máquina de costura;

que arranjasse para lhe fazer companhia, algum tempo, outro canário cantador; até mesmo

que ligasse o rádio um pouco alto durante uma transmissão de jogo de futebol... mas o canário

não cantava.

Um dia a minha amiga estava sozinha em casa, distraída, e assobiou uma pequena

frase melódica de Beethoven — e o canário começou a cantar alegremente. Haveria alguma

secreta ligação entre a alma do velho artista morto e o pequeno pássaro cor de ouro?

Alguma coisa que eu disse distraído — talvez palavras de algum poeta antigo — foi despertar

melodias esquecidas dentro da alma de alguém. Foi como se a gente soubesse que de

repente, num reino muito distante, uma princesa muito triste tivesse sorrido. E isso fizesse bem

ao coração do povo; iluminasse um pouco as suas pobres choupanas e as suas remotas

esperanças.

BRAGA, Rubem. Ai de ti, Copacabana. Rio de Janeiro: Record.

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