Crenças A Respeito Da Alma E Da Morte
Artigos Científicos: Crenças A Respeito Da Alma E Da Morte. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: karinecastro • 14/2/2015 • 2.059 Palavras (9 Páginas) • 696 Visualizações
Até os últimos tempos da história da Grécia e de Roma, vemos persistir entre o vulgo um conjunto de pensamentos e costumes que, certamente, datavam de época muito remota, pelos quais poderemos conhecer quais opiniões o homem tinha a princípio a respeito da própria natureza, da alma e sobre o mistério da morte.
Quanto mais nos aprofundamos na história da raça indo-européia, na qual se ramificaram os povos gregos e itálicos, constatamos que essa raça sempre pensou que depois desta vida breve tudo acaba para o homem. As mais antigas gerações, muito antes que aparecessem os filósofos, acreditaram em uma segunda existência depois da atual. Encararam a morte não como dissolução do ser, mas como simples mudança de vida.
Mas em que lugar e de que maneira se desenrolava essa existência? Acreditavam que o espírito imortal, uma vez livre do corpo, ia animar a outro? Não; a crença na metempsicose jamais tomou raízes no espírito das populações greco-romanas; também não é a mais antiga opinião entre os árias do Oriente, pois os hinos dos Vedas contrariam essa crença. Acreditava-se então que o espírito ia para o céu, para a região da luz? Nem isso; o pensamento segundo o qual as almas entravam em uma morada celeste é de época relativamente recente no Ocidente; a morada celeste era considerada apenas recompensa para alguns grandes homens e benfeitores da humanidade. De acordo com as mais antigas crenças dos itálicos e dos gregos, a alma não passava sua segunda existência em um mundo diferente do em que vivemos; continuava junto dos homens, vivendo sobre a terra(1).
Acreditou-se até por muito tempo que durante essa segunda existência a alma continuava unida ao corpo. Nascendo junto a ele, a alma não se separava, mas fechava-se com ele na sepultura.
Por mais antigas que sejam essas crenças, delas nos ficaram testemunhos
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A Cidade Antiga - Fustel de Coulanges
autênticos. Esses testemunhos são os ritos fúnebres, que sobreviveram a essas crenças primitivas, mas que certamente haviam nascido ao mesmo tempo, servindo para que as compreendamos melhor.
Os ritos fúnebres mostram claramente que quando colocavam um corpo na sepultura acreditavam enterrar algo vivo. Virgílio, que sempre descreve com tanta precisão e escrúpulo as cerimônias religiosas, termina a narração dos funerais de Polidoro com estas palavras: “Encerramos a alma do túmulo.” — Idêntica expressão encontra-se em Ovídio e em Plínio, o Jovem; não que elas correspondessem à idéia que esses escritores tinham da alma; mas, desde tempos imemoriais, essa crença perpetuara-se na linguagem, atestando antigas crenças populares(2).
Era costume, no fim da cerimônia fúnebre, chamar três vezes a alma do morto pelo nome do falecido, desejando-lhe vida feliz sobre a terra. Diziam-lhe três vezes: Passe bem. — E acrescentavam: Que a terra lhe seja leve(3) — tanta era a certeza de que a criatura continuava a viver sobre a terra, conservando a sensação de bem-estar ou de sofrimento. No epitáfio declarava-se que o morto ali repousava, expressão que sobreviveu a essas crenças, e que de século em século chegou até nós. Nós usamos ainda este costume, embora ninguém hoje pense que um ser imortal possa repousar em um túmulo. Mas antigamente acreditava-se tão firmemente que ali vivia um homem, que nunca deixavam de enterrar junto com o corpo objetos que supunham ser-lhe necessários, como vestidos, vasos e armas(4). Derramava-se vinho sobre o túmulo, para matar-lhe a sede; levavam-lhe alimentos, para saciar-lhe a fome(5). — Degolavam-se cavalos e escravos, pensando que essas criaturas, sepultadas juntamente com os mortos, prestar-lhes-iam serviços dentro do túmulo, como o haviam feito durante a vida(6). Depois da tomada de Tróia os gregos retornam a seu país; cada um deles leva uma bela escrava, mas Aquiles, que está morto, também exige uma escrava, e lhe entregam Polixena(7).
Um verso de Píndaro guardou-nos curioso vestígio desse pensamento das gerações antigas. Frixos havia sido constrangido a deixar a Grécia, fugindo até a Cólquida, onde morreu. Mas, embora morto, desejava retornar à Grécia. Apareceu, portanto, a Pélias, e lhe ordenou que fosse à Cólquida para de lá trazer sua alma. Sem dúvida essa alma sentia a nostalgia do solo pátrio, do túmulo da família; mas, unida aos restos corporais, não podia deixar sozinha a
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Cólquida(8).
Dessa crença primitiva derivou-se a necessidade do sepultamento. Para que a alma se mantivesse nessa morada subterrânea, necessária para sua segunda vida, era preciso que o corpo, ao qual permanecia ligada, fosse coberto de terra. A alma que não possuía sepultura não possuía morada, e ficava errante. Em vão aspirava ao repouso, que deveria desejar depois das agitações e trabalhos desta vida; e era obrigada a errar sempre, sob a forma de larva ou de fantasma, sem se deter jamais, e sem receber nunca as ofertas e alimentos de que necessitava. Como era infeliz, logo se tornava perversa. Atormentava os vivos, provocava-lhes doenças, destruía colheitas, assustava-os com aparições lúgubres, a fim de fazer com que dessem sepultura a seu corpo e a si mesma. Daí se originou a crença nas almas do outro mundo(9). Toda a antiguidade estava persuadida de que, sem sepultura, a alma era miserável, e que pela sepultura tornava-se feliz. Não era por ostentação de dor que se oficiavam as pompas fúnebres, mas para repouso e felicidade da alma do morto(10).
Notemos bem que não bastava confiar o corpo à terra. Era necessário ainda obedecer a ritos tradicionais, e pronunciar determinadas fórmulas. Em Plauto encontra-se a história de uma alma penada(11), forçada a andar errante, porque seu corpo fora lançado à terra sem o devido ritual. Suetônio conta que o corpo de Calígula, enterrado antes de se completar a cerimônia fúnebre, fez com que sua alma se tornasse errante, aparecendo a diversas pessoas, até o dia em que o desenterraram, sepultando-o novamente de acordo com as regras (12). Esses dois exemplos demonstram claramente o efeito que se atribuía aos ritos e fórmulas da cerimônia fúnebre. Já que sem eles as almas tornavam-se errantes e apareciam aos vivos, era evidente que tais ritos fixavam-nas e encerravam-nas dentro dos túmulos. E assim como havia algumas fórmulas que possuíam essa virtude, os antigos possuíam outras que produziam efeitos contrários, capazes de evocar as almas, fazendo-as
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