Morangos Mofados
Pesquisas Acadêmicas: Morangos Mofados. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: DianeKelly • 6/5/2014 • 9.904 Palavras (40 Páginas) • 398 Visualizações
Morangos Mofados
Caio Fernando Abreu
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Quanto a escrever, mais vale um cachorro vivo.
Clarice Lispector: A hora da estrela
Achava belo, a essa época, ouvir um poeta dizer que escrevia pela mesma razão
por que uma árvore dá frutos. Só bem mais tarde viera a descobrir ser um
embuste aquela afetação: que o homem, por força, distinguia-se das árvores, e
tinha de saber a razão de seus frutos, cabendo-lhe escolher os que haveria de
dar, além de investigar a quem se destinavam, nem sempre oferecendo-os
maduros, e sim podres, e até envenenados.
Osman Lins: Guerra sem testemunhas
HOJE NÃO É DIA DE ROCK
Heloísa Buarque de Holanda
Uma carta de Caio Fernando Abreu conta o processo. Quando penso
que havia fechado meu expediente sobre o tema de criação de contracultura!
desbunde! balanços! críticas! autocríticas e aponto o lápis para trabalhar
“novos capítulos de nossa história cultural”, eis que cai, em minha mesa, um
livro irrecusável: Morangos mofados, de Caio Fernando Abreu. Disfarço a
curiosidade, adio a leitura, rendo-me afinal à tentação. Não sei bem por que,
lembro-me do Teatro Ipanema, casa lotada aplaudindo freneticamente a peça
de José Vicente, Hoje é dia de rock, na primavera-verão de 1971. De certa
forma, Morangos mofados fala de uma história que se configurava oficialmente,
no Rio, naquele teatro e naquele verão.
A peça - rito de passagem da geração desbunde - falava da grande
mudança para a Fronteira, de um incontido desejo de sair, de se desligar de
um mundo “condenado”. Encenava, em meio a um estonteante trabalho visual
e sonoro que traduzia plasticamente a liturgia psicodélica da época, um vôo em
direção às margens, no melhor estilo da utopia drop-out. “Quem nasceu para
voar, voe no rumo do céu. Quem nasceu para cantar, cante. Teus pássaros
viajam voando no espaço estreito da América, contra sertões, procurando ar,
cor, luz, flor, pão. Pássaros viajam ao redor da Máquina, contra a Máquina,
antes da Máquina e depois” - sentenciava Inca, a vidente, em um momentochave
da peça. É assim que Isabel, regida pela visão da Fronteira, resgata a
imagem de Elvis Presley (o grande e mágico motor dessa história), que irrompe
em cena de lambreta e materializa a possibilidade do seu vôo: “Iloveyou...
Nunca esperei que um dia, numa tarde de sábado, você podia sair de dentro do
meu rádio para dizer olhando para mim: I love you. Quando eu queria sair de
Minas e não sabia como... Como se eu fosse uma estrela caindo do céu, longe.
Então eu imaginava você vindo, como eu te imaginava”.
No texto e na encenação, a presença da fé fundamental que iluminou o
projeto libertário da contracultura. A fé que orientou o sonho cujo primeiro
grande impulso vem dos “rebeldes sem causa” de Elvis e Dean; que se define
em seguida com a “grande recusa” da sociedade tecnocrática pelo flowerpower
ao som dos Beatles e dos Rolling Stones; e que ganha, de forma inesperada,
uma nova e mágica força no momento em que Lennon declara drasticamente:
o sonho acabou. No Hoje é dia de rock, se não me falha a memória, um forte
contingente jovem vislumbrou formalmente a viagem para o outro lado da
margem, que oferecia naquela hora uma atração irresistível enquanto espaço
de construção de um possível novo mundo, stawberryfieldsforever. Pois bem,
Morangos mofados fala desse tempo, de seus atores, das expectativas e dos
resultados dessa viagem. Assim como numerosos relatos, que ultimamente
vêm surgindo, falam da outra opção da viagem dessa geração, a luta armada.
Neste ponto, acho oportuno pensar algumas distinções no interior de
cada um desses campos de experiência. Se é verdade que no final dos anos
1960 apresentavam-se para a juventude radicalizada dois caminhos - o
desbunde ou a luta armada -, a avaliação mais objetiva dessas formas de
contestação não pode esquecer certas nuances. O primeiro momento do
projeto da contracultura no Brasil, tal como foi sentido pelo tropicalismo e
principalmente pelo teatro de José Celso Martinez Corrêa e que se definia
como um projeto libertário e anárquico de cores político-revolucionárias e cujas
origens remontam aos rachas no interior do CPC (Centro Popular de Cultura,
UNE), diferencia-se significativamente do desbunde-70, de cores pacíficas, que
é levado adiante pela cultura jovem de caráter alternativo. Da mesma forma,
cabe uma clara distinção entre o projeto de luta armada de Marighela, gerado
pelos rachas com o PCB
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