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Morangos Mofados

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Por:   •  6/5/2014  •  9.904 Palavras (40 Páginas)  •  389 Visualizações

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Morangos Mofados

Caio Fernando Abreu

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Quanto a escrever, mais vale um cachorro vivo.

Clarice Lispector: A hora da estrela

Achava belo, a essa época, ouvir um poeta dizer que escrevia pela mesma razão

por que uma árvore dá frutos. Só bem mais tarde viera a descobrir ser um

embuste aquela afetação: que o homem, por força, distinguia-se das árvores, e

tinha de saber a razão de seus frutos, cabendo-lhe escolher os que haveria de

dar, além de investigar a quem se destinavam, nem sempre oferecendo-os

maduros, e sim podres, e até envenenados.

Osman Lins: Guerra sem testemunhas

HOJE NÃO É DIA DE ROCK

Heloísa Buarque de Holanda

Uma carta de Caio Fernando Abreu conta o processo. Quando penso

que havia fechado meu expediente sobre o tema de criação de contracultura!

desbunde! balanços! críticas! autocríticas e aponto o lápis para trabalhar

“novos capítulos de nossa história cultural”, eis que cai, em minha mesa, um

livro irrecusável: Morangos mofados, de Caio Fernando Abreu. Disfarço a

curiosidade, adio a leitura, rendo-me afinal à tentação. Não sei bem por que,

lembro-me do Teatro Ipanema, casa lotada aplaudindo freneticamente a peça

de José Vicente, Hoje é dia de rock, na primavera-verão de 1971. De certa

forma, Morangos mofados fala de uma história que se configurava oficialmente,

no Rio, naquele teatro e naquele verão.

A peça - rito de passagem da geração desbunde - falava da grande

mudança para a Fronteira, de um incontido desejo de sair, de se desligar de

um mundo “condenado”. Encenava, em meio a um estonteante trabalho visual

e sonoro que traduzia plasticamente a liturgia psicodélica da época, um vôo em

direção às margens, no melhor estilo da utopia drop-out. “Quem nasceu para

voar, voe no rumo do céu. Quem nasceu para cantar, cante. Teus pássaros

viajam voando no espaço estreito da América, contra sertões, procurando ar,

cor, luz, flor, pão. Pássaros viajam ao redor da Máquina, contra a Máquina,

antes da Máquina e depois” - sentenciava Inca, a vidente, em um momentochave

da peça. É assim que Isabel, regida pela visão da Fronteira, resgata a

imagem de Elvis Presley (o grande e mágico motor dessa história), que irrompe

em cena de lambreta e materializa a possibilidade do seu vôo: “Iloveyou...

Nunca esperei que um dia, numa tarde de sábado, você podia sair de dentro do

meu rádio para dizer olhando para mim: I love you. Quando eu queria sair de

Minas e não sabia como... Como se eu fosse uma estrela caindo do céu, longe.

Então eu imaginava você vindo, como eu te imaginava”.

No texto e na encenação, a presença da fé fundamental que iluminou o

projeto libertário da contracultura. A fé que orientou o sonho cujo primeiro

grande impulso vem dos “rebeldes sem causa” de Elvis e Dean; que se define

em seguida com a “grande recusa” da sociedade tecnocrática pelo flowerpower

ao som dos Beatles e dos Rolling Stones; e que ganha, de forma inesperada,

uma nova e mágica força no momento em que Lennon declara drasticamente:

o sonho acabou. No Hoje é dia de rock, se não me falha a memória, um forte

contingente jovem vislumbrou formalmente a viagem para o outro lado da

margem, que oferecia naquela hora uma atração irresistível enquanto espaço

de construção de um possível novo mundo, stawberryfieldsforever. Pois bem,

Morangos mofados fala desse tempo, de seus atores, das expectativas e dos

resultados dessa viagem. Assim como numerosos relatos, que ultimamente

vêm surgindo, falam da outra opção da viagem dessa geração, a luta armada.

Neste ponto, acho oportuno pensar algumas distinções no interior de

cada um desses campos de experiência. Se é verdade que no final dos anos

1960 apresentavam-se para a juventude radicalizada dois caminhos - o

desbunde ou a luta armada -, a avaliação mais objetiva dessas formas de

contestação não pode esquecer certas nuances. O primeiro momento do

projeto da contracultura no Brasil, tal como foi sentido pelo tropicalismo e

principalmente pelo teatro de José Celso Martinez Corrêa e que se definia

como um projeto libertário e anárquico de cores político-revolucionárias e cujas

origens remontam aos rachas no interior do CPC (Centro Popular de Cultura,

UNE), diferencia-se significativamente do desbunde-70, de cores pacíficas, que

é levado adiante pela cultura jovem de caráter alternativo. Da mesma forma,

cabe uma clara distinção entre o projeto de luta armada de Marighela, gerado

pelos rachas com o PCB

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