O RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Por: George Maia • 11/11/2022 • Artigo • 4.171 Palavras (17 Páginas) • 91 Visualizações
2 DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
2.1 Histórico
De acordo com o art. 1° da Constituição Federal, o Brasil é uma República Federativa, ou seja, sua organização político-administrativa compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos e independentes entre si. Segundo José Afonso da Silva (1963, p. 9), que não é uma “federação propriamente dita” ou “perfeita” como ocorre nos Estados Unidos e Suíça, resultantes de várias unidades independentes, mas uma federação “imperfeita”ou “fictícia”.
Com a instauração da República, em 15 de novembro de 1889, foi adotada a forma federal, por meio de uma resolução. Marcelo Caetano (1972, p. 1363) leciona que desde o início da República houve uma “preocupação de evitar a pulverização do poder”, circunstância que levou a União a reservar para si própria “um largo domínio de competência”, que as Constituições posteriores mantiveram.
Ora, se as nações compostas de Estados Unitários mantém a integridade do direito nacional através de um órgão jurisdicional de cúpula, com mais forte razão ainda os Estados Federativos hão de tê-lo, porquanto há a preocupação com a supremacia da Constituição Federal e das leis federais.
Como no Brasil ocorre uma descentralização político-administrativa, “temos uma Federação político-administrativa, mas não uma Federação jurídica. O Poder Judiciário é nacional, inexistindo propriamente uma justiça regional. Os diferentes órgãos jurisdicionais aplicam o direito nacional, revelado pela União (art. 22 da CF)” (SILVA, 1963, p. 4).
Até a promulgação da vigente Constituição Federal, competia ao Supremo Tribunal Federal assegurar a aplicação de lei federal, bem como dirimir as controvérsias acerca de sua interpretação, além de garantir a subordinação dos atos normativos aos preceitos constitucionais, por meio de controle de constitucionalidade, a função mais nobre de um órgão jurisdicional.
O instrumento através do qual suscitavam-se estes incidentes era o Recurso Extraordinário. O insigne doutrinador Pontes de Miranda (1985, p. 559) afirma que “o fundamento de existência do recurso extraordinário está no interesse estatal de assegurar, em todo o território da Federação, a inteireza positiva, a validade, a autoridade e a uniformidade de interpretação da Constituição e das leis federais”.
2.2 A “crise” do Supremo Tribunal Federal
Antes de ser publicada a primeira Constituição Republicana Brasileira de 1891, o Decreto n° 510 de 22.06.1890, do Governo Provisório, em seu art. 59, § 1°, previu que das sentenças da justiça dos Estados em última instância, haverá Recurso Extraordinário para o Supremo Tribunal Federal:
a) quando se questionar sobre a validade ou aplicabilidade de tratado e leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado for contra ela; b) quando se contestar a validade de leis ou atos de governos dos Estados, em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado considerar válidos os atos ou leis impugnados.
Desde a Reforma Constitucional de 1926, manteve-se o Supremo Tribunal Federal como a Corte à qual competia conhecer e julgar o Recurso Extraordinário. Como o recurso tinha a peculiaridade de ser exercitável em qualquer dos ramos do Direito Objetivo onde houvesse “questão federal” ou “questão constitucional”, é compreensível que nessa alta Corte se tenha verificado um encilhamento de processos, moléstia que, por causa da demora no tratamento tornou-se crônica, passando a ser referida como a “crise do Supremo”, conforme denominou o ilustre José Afonso da Silva (1999, p. 30).
No intuito de obstar o conhecimento de recursos extraordinários para a Corte, foram criadas várias figuras e expedientes para “filtrar” o excesso de meios impugnativos de decisões como por exemplo: a argüição de relevância e os óbices regimentais.
A argüição de relevância da questão federal foi criada pela Emenda Regimental n° 3, de 12.06.75 e pelo art. 327, § 1° do Regimento Interno do STF, com redação dada pela Emenda 2/85, definindo como aquela que pelos reflexos na ordem jurídica, e considerados os aspectos morais, econômicos, políticos ou sociais da causa, exige a apreciação do Recurso Extraordinário pelo Tribunal.
A natureza jurídica da argüição de relevância não é de recurso, e sim de um mero expediente que, ao realçar a importância jurídica, social, econômica ou política da matéria versada no Recurso Extraordinário, buscava obter o acesso desse apelo extremo ao Supremo Tribunal Federal, nas hipóteses em princípio excluídas de seu âmbito.
Segundo o Ministro Xavier de Albuquerque [1] a argüição de relevância “não constitui meio de impugnação de decisão judicial não podendo fazer as vezes do recurso extraordinário que se deixou de interpor”
Na época, vários Ministros da Suprema Corte defenderam o instituto, apesar das críticas. Alguns juristas criticaram a argüição de relevância pois o seu procedimento era complexo e oneroso; que a aferição do que era “relevante” ficava a critério exclusivo do STF; que a “relevância” de uma questão é um dado a ser levado em conta pelo legislador quando faz a norma e não pelo julgador que a aplica e que não se justifica a aferição da “relevância” em julgamento secreto e não expressamente motivado (MANCUSO, 2000, p. 46). A atual Constituição Federal não manteve o instituto da argüição de relevância, razão pela qual a polêmica guarda apenas caráter histórico.
A outra forma encontrada pelo STF para obstar o excessivo aumento do Recurso Extraordinário foi a de criar óbices regimentais.
O Supremo Tribunal Federal encontrou outras formas para inviabilizar o conhecimento de Recursos Extraordinários através do seu Regimento Interno. Os óbices regimentais tinham como fundamento o art. 119, §1° da Emenda Constitucional de 1969, onde se autorizava ao Pretório Excelso a indicar as causas de que conheceria por meio do recurso excepcional.
Assim como aconteceu com a argüição de relevância, os óbices regimentais têm hoje apenas valor histórico, pois a atual Carta Magna não manteve, como a anterior, a função “legiferante” do Supremo, para indicar as causas que conheceria.
Urge salientar que o sistema de óbices regimentais foi muito criticado à época, porquanto tratava-se de um expediente engenhoso para dificultar a admissibilidade do recurso constitucional. Hugo de Carvalho Ramos Magalhães (1999, p. 465) leciona que:
O STF, a princípio por uma jurisprudência pro domo, que não se harmonizava com o texto constitucional, afunilou, cerceou o ingresso do postulante ao Recurso Extraordinário e passo a passo, pretextando excesso de trabalho, acabou por reduzir ao mínimo as chances de se utilizar do apelo extremo.
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