Pesquisa feminista
Tese: Pesquisa feminista. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: heitoraguiarr • 17/10/2014 • Tese • 1.680 Palavras (7 Páginas) • 307 Visualizações
Ambígua, a bruxa pode ser tanto a bela jovem
sedutora (ainda sem marido e cheia de pretendentes) como
a horrenda anciã (viúva solitária), aparentada com a morte.
Como um tipo psicossocial que emerge no final da Idade
Média, essa imagem abarca uma ampla gama de traçados
históricos sobre as mulheres e as várias etapas de suas vidas:
infância, menarca, juventude, defloramento, gravidez,
parto, maternidade, menopausa, envelhecimento e morte.
O que a figura da bruxa ensina é um certo modo de
enxergar a mulher, principalmente quando esta expressa
poder. Ao longo de muitas eras da civilização patriarcal, a
lição predominante sobre as mulheres que fazem uso de
poderes ou que se aliam a forças que, de um modo ou de
outro, a máquina civilizatória não consegue domar é bem
conhecida de todos. Toda expressão de poder por parte
de mulheres desembocava em punição. Cunhada dentro
do cristianismo, a figura das bruxas traduzia-se em mulheres
devoradoras e perversas que matavam recém-nascidos,
comiam carne humana, participavam de orgias,
transformavam-se em animais, tinham relações íntimas com
demônios e entregavam sua alma para o diabo. Uma
análise da farta literatura sobre o assunto nos mostra que a
caracterização da bruxa que vigorou durante a Inquisição,
ressoando até os dias de hoje, constitui-se como um dos
elementos mais perversos produzidos na sociedade
patriarcal do Ocidente.
Certo tipo de conhecimento de origem camponesa,
com suas práticas e crenças que delineavam modos de
tratar doenças e lidar com as situações-limite da existência
(nascimento, acasalamento, geração, morte), é tido como
criminoso dentro do contexto histórico da Contra Reforma.
Atribuíam-lhe tantas coisas ruins que o Malleus Maleficarum
afirma que “seus atos são mais malignos que os de quaisquer
outros malfeitores”.
2
Rompendo leis que certamente
ignoravam, as bruxas encarnam tudo o que é rebelde,
indomável e instintivo nas mulheres. Tudo aquilo que, nesse
tipo de sociedade, demanda severas punições para que o
feminino ‘selvagem’ se dobre ao masculino ‘civilizado’.
Como personagem de imaginários em que as
fronteiras entre real e ficcional estão densamente dissolvidas,
a típica malvada dos contos de fadas e de várias histórias
infantis traz muitos elementos da figura da bruxa descrita
pela Inquisição. Histórica, a bruxa modifica-se dentro das
eras, ficando em sua imagem as marcas que a sociedade
lhe impôs. Marcas expostas em praças públicas através do
espetáculo de seus suplícios e da execução das sentenças
mortais que lhe eram imputadas. Pagando por crimes tais
como dançar nua sob o luar, a bruxa é marcada pelo
despudor e pela degeneração do corpo. Mulheres
2
SPRENGER e KREMER, 1991, p.
67.
Estudos Feministas, Florianópolis, 13(2): 331-341, maio-agosto/2005 333
BRUXAS: FIGURAS DE PODER
incômodas para a comunidade, viúvas solitárias ou vizinhas
indiscretas, as bruxas eram aquelas cujas práticas eram
consideradas crimes mais graves do que as heresias.
Sedenta por poder, a bruxa é maléfica e corruptora, de
modo que, tanto na realidade como na ficção, todas as
histórias de bruxas terminam com o castigo por sua
insubmissão: forca, fogueira, solidão.
No léxico catequizante das eras que antecedem ao
contemporâneo, a bruxa era o expurgo de todos os males
atribuídos ao feminino, começando com o pecado original
e a desobediência da “primeira mulher”, pintada como
colaboradora de Satã. Protagonista de inúmeras
condenações, a bruxa serviu como função pedagógica de
cunho moralizador durante os séculos em que a Igreja focou
a doutrina cristã no combate ao mal, inimigo personificado
como o demônio, o adversário de Deus, Satanás. Vinculada
à natureza, a bruxa estava ligada ao chamado “Príncipe
do Mundo”, o diabo, que, mesmo aparecendo hermafrodita
em algumas representações, é uma entidade
explicitamente fálica, masculina. A mulher não pode
disputar o poder do universo nem mesmo quando se trata
de ser adversária da divindade masculina central. Na lógica
patriarcal,
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