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Revisao E Golpe

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Por:   •  26/2/2014  •  2.929 Palavras (12 Páginas)  •  327 Visualizações

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Revisão é golpe!

Porque ser contra a proposta de revisão constitucional

Elaborado em 03.2006.

Lenio Luiz Streck, Marcelo Cattoni, Martonio Barreto Lima, Menelick de Carvalho Netto

respectivamente: procurador de Justiça e professor da Unisinos (RS); professor da PUC Minas; professor da UFMG; professor da Unifor (CE)

Tramita na Câmara Federal Proposta de Emenda Constitucional que pretende transformar o próximo Congresso a ser eleito em outubro de 2006 em Assembléia Constituinte Revisora, que poderá alterar a Constituição com quorum absolutamente facilitado (metade mais um). A par do Manifesto que firmamos, ao qual pedimos a adesão de todos os republicanos (www.ihj.org.br), cremos que temos o dever de denunciar à sociedade essa clara tentativa de golpe nas instituições democráticas.

Se a proposta vingar, seremos a primeira democracia a fazer um haraquiri institucional. Seremos motivo de chacota no mundo todo. Afinal, como explicar à comunidade jurídica mundial que um dos fundamentos da convocação da Assembléia Revisora, para usar as palavras do Relator da Comissão de Constituição e Justiça, da Câmara Federal, Dep. Michel Temer, é o de que "o poder constituinte é uma ficção"?

Por isso, há que se defender a Constituição Democrática como centro de mobilização e de integração política de uma sociedade democrática, no sentido do desenvolvimento de um patriotismo constitucional. Para tanto, é mais que necessário abandonar de uma vez por todas um dos grandes equívocos em que não se pode mais insistir, sob pena de minarmos a própria legitimidade jurídico-política: aquele equívoco, justamente, gerado pela incapacidade de se compreender que textos jurídicos não são capazes por si sós de transformar a realidade ou de transformar o mundo.

Mais do que isso, é preciso denunciar: maiorias políticas, no governo ou fora dele – que, frise-se, são sempre conjunturais -, têm insistido em novas emendas constitucionais, até mesmo em revisões facilitadas, como é o caso da PEC 157, que recebeu a adesão do Presidente do STF, que falou da necessidade de se "lipoaspirar" (sic) a Constituição, na expectativa excessiva de que desse modo seriam resolvidos todos os problema sociais, econômicos, políticos, para não dizer dos problemas de efetividade do Direito ou mesmo "morais".

Instaura-se, no mínimo, uma situação paradoxal: todos os problemas de governabilidade (sic) e mesmo as supostas crises políticas e morais (sic) seriam culpa do texto da Constituição, como se o texto fosse o responsável pelo descumprimento constitucional, bastando, pois, mudar o texto para se resolver todos os problemas sociais, políticos, mesmo éticos. É como se o furto fosse motivado pela existência do Código Penal...!

É preciso deixar claro que a PEC 157, que visa à redução do quorum de três quintos para maioria absoluta, à diminuição dos turnos de votação, bem como à reunião unicameral das Casas Legislativas, enfim, a uma simplificação do processo legislativo de reforma, é inconstitucional, estando sujeita à declaração de inconstitucionalidade pelo Poder Judiciário. Tão inconstitucional que o porteiro do STF deveria declará-la, dispensando-se os Ministros da Corte de apreciar tamanha heresia.

Para sermos mais claros: é preciso entender, antes de tudo, que as normas constitucionais que regulam o processo legislativo de reforma constitucional possuem, como toda norma jurídica, uma dupla dimensão de validade: elas se endereçam aos seus destinatários, tanto como limites coercitivos para aqueles que atuam de forma estratégica ou, ao menos, visando tão-somente à satisfação dos seus próprios interesses, quanto como uma garantia do exercício de liberdades comunicativas àqueles que agem por respeito às normas democraticamente estabelecidas. [01]

Portanto, é preciso parar de sofismar: as normas constitucionais que regem o processo legislativo de reforma constitucional não estão à disposição de maiorias políticas que pretendem subvertê-las; elas são, ao mesmo tempo, limites às deliberações majoritárias, verdadeiras garantias constitucionais aos direitos fundamentais das minorias, bem como condição sine qua non para a formação legítima, no processo democrático, de maiorias e de minorias políticas sempre mutáveis.

Uma Proposta de Emenda do tipo da PEC 157, que pretende modificar o disposto no art. 60, da Constituição do Brasil, viola a rigidez constitucional - e não por um simples apego à forma. Cabe insistir: ela viola a Constituição porque coloca em risco direitos e garantias das minorias políticas em face dos interesses das maiorias, porque infringem as próprias condições constitucionais e processuais para deliberação por maioria, subvertendo, assim, o próprio processo legislativo democrático, sob a desculpa de democracia.

E, no mais, é um argumento falacioso afirmar que a convocação de uma assembléia revisora, ou mesmo de uma nova constituinte, cujos trabalhos seriam submetidos a um referendo, seria a expressão da soberania popular (sic) mesmo que contrária à Constituição. Não há democracia sem constitucionalismo. Um povo democrático e plural não está imune aos compromissos constitucionais que assume perante si mesmo, sob pena de autodissolução. Isso a história política dos últimos duzentos anos é implacável em nos mostrar. E não se venha sustentar a tese revisional na "soberania popular", que estaria "dormitando", pronta para ser despertada (sic), e, portanto, que essa soberania ficaria convalidada por um referendo.

Ora, há, aí, uma contradição inafastável que macula de inconstitucionalidade a proposta. O conceito de povo não pode ser reduzido nem mesmo a toda a população existente em um país em um determinado momento. Sabemos pelos abusos perpetrados por ditaduras de todos os matizes ideológicos ao longo o século XX que, como afirmamos, a democracia, para ser tal, não pode ser a manifestação ilimitada da vontade da maioria, e que o constitucionalismo só é constitucional se for democrático. A palavra povo foi a mais abusada na história institucional do último século. A palavra "povo" passou por um forte processo de "anemia significativa". Qualquer um "injeta-lhe" sentidos. A soberania popular ou a palavra "povo" não pode ser privatizada, assenhorada por nenhum órgão, e nem mesmo pela população de um determinado país. Plebiscitos e referendos foram instrumentos frequentemente utilizados como meio de manipulação da opinião pública pelas

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