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Roberto da Matta. Considerações sócio-antropológicas sobre ética na sociedade brasileira

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Por:   •  5/9/2014  •  Pesquisas Acadêmicas  •  7.178 Palavras (29 Páginas)  •  421 Visualizações

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Roberto da Matta. Considerações sócio-antropológicas sobre a Ética na sociedade brasileira.

Introdução

Ao apresentar este "informe", devo explicitar alguns pontos que guiam minha perspectiva. Primeiro, o fato de que estas considerações têm como ponto de partida um conjunto de trabalhos que venho desenvolvendo relativamente ao Brasil a partir do final da década de 70. Assim sendo, o leitor encontrará aqui e ali repetições ou reformulações de idéias apresentadas anteriormente, sobretudo do Capítulo 4 do meu livro Carnavais, Malandros e Heróis; Para uma Sociologia do Dilema Brasileiro, publicado em 1979; e no Capítulo 2 do meu ensaio A Casa & a Rua: Espaço, Cidadania, Mulher e Morte no Brasil, publicado em 1985.

A grande desvantagem deste enfoque é a ausência de considerações detalhadas relativamente aos meandros, labirintos e atitudes do aparato burocrático-estatal por dentro: nas suas manias e manhas, nas suas micro e macro histórias e, acima de tudo, na sua prática. A perspectiva antiacadêmica sugere não isolar a "ética" das rotinas da administração pública, um universo social constituído por uma pletora de agências e regras já implementadas e em operação. Deste modo, qualquer trabalho com um pouco mais de distância, como é o caso das considerações que virão a seguir, teria o defeito de sair do assunto, pois "tudo já estaria pronto". E se algo há para ser feito, seria apenas aquele meta-decreto brasileiro da "vergonha na cara" que imediata e magicamente levaria tudo a funcionar eficientemente.

Em outras palavras, ética é um problema "de Estado" e de "poder", dispensando qualquer sociologia comparada, histórica ou profunda, porque as instituições já estão articuladas e o que falta é apenas calibrar a sua implementação por meio de "vontade política". Mas o fato concreto é que leituras atentas dos relatórios e informes preliminares, bem como as entrevistas que fizemos em Brasília, junto aos membros da Comissão de Ética Pública e de outros órgãos, na semana de 10 de setembro de 2001, revelaram um conjunto de questões que merecem tanto a visão próxima e administrativamente interessada, que diz: vamos pôr as coisas em prática, dispensando as teorias; quanto a visão distanciada, cujo alvo é a compreensão dos problemas à luz do contexto histórico e sociológico brasileiro.

Por ter em mente essas perspectivas e tomá-las como complementares, este informe segue dividido em duas partes. Na primeira, apresento um conjunto de reflexões de caráter sociológico relativamante ao lugar da ética no serviço público brasileiro. Nela, focalizo sobretudo as relações entre ética e a administração pública nacional, ressaltando o fato de que a dimensão ética promove uma ênfase na conduta do funcionário, algo inovador (para não dizer revolucionário) num sistema administrativo marcadamente político e baseado na eficiência burocrática e "política" (e/ou clientelística) dos seus atores. Na segunda, faço considerações de ordem prática, inclusive esboçando um projeto de investigação sócio-antropológico da elite brasileira, porque estou convencido que continuamos a desconhecer grande parte do pensamento das elites, sobretudo das elites políticas, relativamente ao poder, as rotinas administrativas e a sociedade brasileira como um todo. Finalmente, em Apêndice, reproduzo, com os devidos ajustes, a conferência "Ética: uma visão sócio-antropológica" que proferi no dia 13 de setembro de 2001 na abertura do Seminário Internacional "Ética como Instrumento de Gestão" (I Encontro dos Representantes Setoriais). Com isso, pretendo compartilhar com os leitores aspectos que não foram desenvolvidos com a devida ênfase no decorrer do informe. I.

Administração Pública e Ética na Sociedade Brasileira

A primeira questão a considerar diz respeito ao lugar da ética como instrumento de gestão no contexto da administração pública brasileira. Introduzida como programa no meio de um aparato estatal bem estabelecido, repleto de normas e muito hierarquizado, no qual o Estado (ou o "serviço público", como se diz correntemente) tem sido sistematicamente pensado como a principal alavanca para o desenvolvimento e para a salvação da pá-tria, dentro de um clima ideológico nacionalista e exageradamente estatizante. Mesmo quando faz parte do programa de modernização do Estado brasileiro, iniciado no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, de acordo com uma agenda mundial e na trilha aberta por muitos outros países, a proposta da gestão pública informada e emoldurada pela ética repercute no sistema, provocando reações de espanto e decepção em Brasília e alhures.

Pelo que pude deduzir, ouvindo alguns membros da Comissão de Ética e lendo os jornais, não deixa de ser contraditório, em termos do estilo brasileiro de exercer o poder, sobretudo o "poder federal" (a mais alta instância na hierarquia dos poderes nacionais entre nós), que um administrador do "primeiro escalão" (um ministro, um diretor de Banco Central, ou secretário de Estado, por exemplo) sinta-se legal e moralmente obrigado a concordar em seguir preceitos gerais e exteriores relativos ao cargo que ocupa. Especialmente quando esses precei-tos atingem seus ocupantes no nível pessoal e não no mero plano da "eficiência" ou do "realismo" político-administrativo, englobando ? eis um requisito raro no caso de um país formalista como o Brasil ? até mesmo um período posterior à sua saída do cargo. Ou seja: o que a "ética como instrumento de gestão" surpreendentemente demanda não é um diploma de doutor, nem os devidos relacionamentos pessoais, partidários e profissionais, mas - eis a novidade perturbadora - um perene esforço de autoconsciência relativamente às implicações morais (e não apenas instrumentais ou racionais) do cargo.

Se uma das premissas básicas do "poder à brasileira" é que o "alto administrador" "tudo pode" e, assim, não precisa dar satisfação a ninguém, exceto - é claro - ao "povo" ou ao "Brasil" por suas ações, por que então o "governo" teve que inventar essa chatice de ética?

1 Temos que conhecer mais e melhor o papel do chamado "serviço público" como formador de uma camada média, sobretudo nos grandes centros urbanos do nosso país. Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade e Lima Barreto, entre outros, compreenderam com argúcia esse aspecto do "Estado" como um grande

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