SUBJETIVIDADE LÍNGUA EM VIDA SECA: DISCURSO POPULAR E IDENTIDADE
Tese: SUBJETIVIDADE LÍNGUA EM VIDA SECA: DISCURSO POPULAR E IDENTIDADE. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: DaviBebeHotmailC • 11/11/2014 • Tese • 4.260 Palavras (18 Páginas) • 358 Visualizações
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Discursos e Identidade Cultural
SUBJETIVIDADE DA LINGUAGEM EM VIDAS SECAS: DISCURSO POPULAR E
IDENTIDADE
Cintia Cecilia Barreto (UFRJ; UNEC)
Vidas Secas é uma narrativa em treze capítulos, curtos, aparentemente
independentes, pois foram publicados, a princípio, como contos, mas que, ao longo da
história, formam um todo pela recorrência de motivos e temas. Outra divisão, em três
partes, também é proposta por alguns críticos, em: fuga, permanência e fuga novamente.
Nesse livro, é contada a história de uma família de retirantes: Fabiano, Sinhá
Vitória, o menino mais novo, o menino mais velho e a cachorra Baleia. Essa família
sofre com a seca, com a fome e com a iminência, a todo tempo, da morte.
Na obra, o autor narra, então, a luta desses viventes para sobreviverem
apesar de. Apesar da seca, apesar da falta de estudos, apesar da falta de comunicação
entre os membros da família, apesar do abuso de poder, apesar das perdas, apesar
da falta de perspectivas futuras, apesar de suas próprias vidas . . . secas. A angústia
toma conta da história. Os sonhos são pequenos. Seus nomes são pequenos. Seus
filhos são pequenos. Seus vocábulos são pequenos, seus sons guturais, secos de
certas palavras, assim como de palavras certas. Secas são suas vidas. Secas estão
suas esperanças. Seca e dura é a cama de Sinhá Vitória. Secos são os sentimentos
de Fabiano. Seca é a terra. Seco é o céu. Seca é a história sobre os viventes.
A obra é feita de ausências: de água, de nomes, sobrenomes, de palavras,
de dinheiro, de respeito. O silêncio fala muitas vezes por eles e, Graciliano mostra,
a partir de comparações entre homens e animais, a zoomorfização dos homens
― Fabiano se compara, intermitentemente, a um bicho, assim como seu filho ― e a
antropomorfização do animal ― Baleia, embora cachorra, possui as sensações mais
humanas da história e cabe a ela também o momento mais dramático da narrativa. A
ela, Graciliano provê alegrias e tristezas, vida e morte; aos demais personagens, cabe
apenas a sobrevivência.
O homem que vive aspira. Dessa forma, Sinhá Vitória aspira a uma cama
de verdade, macia. O menino mais novo cobiça ser igual ao pai, vaqueiro, imponente.
O menino mais velho contenta-se com a amiga Baleia e aspira às respostas que os
pais não podem fornecer. Fabiano almeja ver os filhos estudando, Sinhá Vitória bonita,
com roupas novas. Baleia deseja um céu cheio de preás. Todos aspiram à vida.
São viventes. São sertanejos natos. E sertanejo, já disse Guimarães, “é sobretudo um
forte”.
Graciliano: uma espécie de fab iano
A partir do contexto sócio-político-econômico do Brasil dessa década de
30, não é difícil entender o surgimento na prosa brasileira do tema regional, apontando
os problemas sociais da época. Escritor regionalista que foi, Graciliano narrou a realidade
de uma determinada região e as injustiças sofridas pelas camadas desprestigiadas,
assim como ascensão e queda de determinadas estruturas político-sociais.
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Discursos e Identidade Cultural
Em Ficção e confissão (1992), de Antonio Candido, Graciliano, ao
agradecer os cinco artigos escritos pelo crítico sobre sua obra, confessou-se “uma
espécie de Fabiano”, como se pode constatar em:
Onde as nossas opiniões coincidem é no julgamento de Angústia.
Sempre achei absurdos os elogios concedidos a este livro, e
alguns, verdadeiros disparates, me exasperavam, pois nunca
tive semelhança com Dostoievski nem com outros gigantes. O
que sou é uma espécie de Fabiano, e seria Fabiano completo se
a seca houvesse destruído a minha gente, como V. muito bem
reconhece. (RAMOS, 1992, p. 8)
É fato também que Graciliano, ao julgar-se uma espécie de Fabiano
— apenas com um pouco mais de sorte — ratifica, a princípio, a subjetividade de sua
linguagem, principalmente, no que tange a elaboração de Vidas Secas. Seria, então,
Fabiano o alter-ego do autor? Parece que sim.
Segundo Stuart Hall, “psicanaliticamente, nós continuamos buscando
a ‘identidade’ e construindo biografias que tecem as diferentes partes de nossos eus
divididos numa unidade porque procuramos recapturar esse prazer fantasiado da plenitude.”
(2003, p. 39).
Assim, a partir de Vidas Secas, o autor alagoano escreve a história de
um povo sertanejo, buscando uma identidade regional por intermédio de um discurso
popular, questionador, político. A voz, ou melhor, o pensamento de Fabiano confundese,
vez ou outra, com o pensamento de um intelectual da época e da região. Foi
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