Superlotação Carcerária: Possibilidade De Dano Moral?
Trabalho Universitário: Superlotação Carcerária: Possibilidade De Dano Moral?. Pesquise 861.000+ trabalhos acadêmicosPor: joaogabrielcaste • 25/2/2015 • 4.015 Palavras (17 Páginas) • 303 Visualizações
O interesse na elaboração deste artigo deu-se com o julgamento de Embargos de Divergência no REsp 962.934/MS[1], no qual se questionava a possibilidade de arbitramento por dano moral individual a cada detento submetido às já conhecidas condições degradantes do sistema prisional brasileiro. Na origem, o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, por maioria, manteve a sentença do juiz a quopara condenar o estado a indenizar o preso requerente em R$ 3.000,00 (três mil reais), por dano moral.
O voto divergente lavrado naquele Tribunal foi o do Desembargador Hamilton Carli, que julgou improcedente o pedido, afastando a indenização por dano moral com a seguinte fundamentação:
[...] é possível vislumbrar, simultaneamente, dois objetivos convergentes perante a Constituição: o atendimento às necessidades do preso e a economia de meios. Esta última é essencial para que, resolvido o caso particular do autor, sobrem recursos para atender às demais necessidades básicas essenciais do restante da população (não só carcerária).
[...]
Desta forma, uma vez reconhecido o direito do autor, pelo princípio da isonomia, todos os detentos deveriam ser indenizados, o que geraria um dispêndio vultoso aos cofres do Estado. Não bastasse isso, a implementação da política pública prisional exige o direcionamento de recursos públicos, mas não sob a égide da conveniência e oportunidade puras do administrador, sendo constitucionalmente permitida a intervenção do Judiciário em questão desta natureza, pois, embora destinados à garantia de direitos individuais, de primeira geração, a ação necessária do Estado é comissiva e não omissiva, o que assemelha à própria das garantias dos direitos sociais, de ação positiva.
[...]
O exercício de ações positivas exige o investimento do ente estatal e, como tal, depende da disponibilidade de recursos. A reserva do possível foi inicialmente desenvolvida para ser aplicada no que concerne à implantação e execução das políticas públicas. Certo é que não podemos desprezar os direitos constitucionalmente garantidos ao autor, pois é óbvio que o caso exige prestação positiva do Estado. Porém, tal prestação deve respeitar os limites econômicos que derivam do fato de que certas prestações hão de situar-se dentro da 'reserva do possível', das disponibilidades do erário. [...] os direitos do detento exigem prestações positivas por parte do Estado, por isso se situa, como vimos anteriormente, dentro da chamada 'reserva do possível', ou seja, dentro das disponibilidades orçamentárias da Administração Pública. Sem sombra de dúvida que o autor, na qualidade de preso, reserva integralmente seus direitos individuais fundamentais, à exceção da liberdade e da privacidade. Também é notório que situação do sistema penitenciário sul-mato-grossense tem lesado direitos fundamentais seus, quanto à dignidade, intimidade, higidez física e integridade psíquica. Ademais, em razão de ser custodiado pelo Estado, tem este o dever integral de conservar o preso em condições dignas e saudáveis. No entanto, o cumprimento deste dever exige ação positiva do Estado, diversamente do que ocorre com o cidadão em liberdade, para o qual basta, de regra, ação negativa. A ação positiva apresenta-se sob a forma da necessidade de construção, ampliação, reforma e adequação dos estabelecimentos prisionais, até que todos os presos, cautelares ou condenados, possam ter as condições preconizadas pela Lei de Execução Penal e assegurados seus direitos fundamentais.
[...]
O direito do autor também não pode ser tido como absoluto, ante a necessidade da prática de ação positiva possível quando o Estado age nos limites de sua disponibilidade, de forma a que suas ações venham, no futuro, assegurar os direitos fundamentais do preso.
[...]
Ademais, não podemos acolher a alegação de que a omissão do Estado é ilícita, uma vez que a ação positiva do Estado-administrador, praticada de acordo com o orçamento votado pelo Estado-legislativo, a coloca, dogmaticamente, na esfera da licitude dos atos públicos, tal qual determinada pela doutrina da 'reserva do possível'. Desta forma, não há falar em dever de indenizar.
[...]
Não estamos com isso negando o direito do autor em ver ressarcido seu sofrimento. Apenas entendendo que, se o objetivo principal da ação é obrigar o Estado a dar melhores condições de vida e dignidade aos detentos que cumprem pena nos estabelecimentos prisionais sul-mato-grossenses, não obterá êxito intentando ação indenizatória de danos morais.
[...]
Existe sim a necessidade de se ter uma melhoria urgente no sistema prisional, o qual deverá ser feito por meio de construções e reformas, e não de pagamento pecuniário aos apenados. Ademais, no caso de provimento do recurso do autor, ele continuará na situação de dano em que se encontra. Ou seja, não é pelo fato de o Poder Judiciário condenar o Estado ao pagamento de determinado valor por danos morais, que a 'situação de dano' se extinguirá, e, desta forma, em poucos meses, as ações serão novamente intentadas a fim de ver indenizado o mesmo dano. (grifo nosso)
Reveste-se de suma relevância a discussão quanto à possibilidade de dano moral individual quando o próprio Ministro da Justiça do país, Sr. José Eduardo Cardoso, no dia 13 de novembro de 2012, afirmou que “preferia morrer[2]” a ficar preso por anos no país, afirmando, em seguida, que o sistema penitenciário brasileiro é “medieval[3]”.
O panorama fático infame dos presídios brasileiros é notório, portanto.
Passemos à análise do julgado epigrafado.
O relator dos Embargos de Divergência no REsp 962934/MS foi o Ministro Teori Albino Zavascki, que consignou, embora tenha sido voto vencido:
Essas considerações são inteiramente aplicáveis ao caso. Não se nega que, conforme ressaltado pelo acórdão embargado, a eliminação ou, pelo menos, a redução de violações à integridade e à dignidade da pessoa dos presos depende da adoção de políticas públicas sérias e voltadas especificamente à obtenção de tal resultado. Disso não decorre, porém, que violações dessa natureza ainda ocorrentes devam ser mantidas impunes ou inindenizáveis, ainda mais quando o mesmo acórdão admite que "não se está a averiguar se o dano moral é devido, pois, caso assim o fosse, incidiria o óbice sumular 7/STJ" (fl. 487). Trata-se, a rigor, de problemas diferentes, a serem
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